Os testes intermédios do 10º ano de Filosofia editados pela Porto Editora em 2011 estão repletos de erros teóricos e consituem um exemplo da formatação antifilosófica do pensamento dos adolescentes do ensino secundário em Portugal que uma parte substancial dos professores leva a cabo, por irreflexão e mimetismo face aos autores de manuais escolares. Vejamos alguns desses equívocos,
MOORE E O EQUÍVOCO DOS "ATOS INCAUSADOS"
A Proposta de teste intermédio 1 começa com o seguinte texto de George Moore, um dos confusos pais da filosofia analítica:
GRUPO I
«Aqueles que defendem que temos livre-arbítrio julgam-se obrigados a sustentar que por vezes os atos voluntários não têm causa; e aqueles que defendem que tudo é causado pensam que isso prova completamente que não temos o livre-arbítrio. Mas na verdade, é extremamente duvidoso que o livre-arbítrio seja inconsistente com o princípio de que tudo é causado.» ...( G.E. Moore- Ética, 1912, Capítulo VI).
1) Indique pela mesma ordem que o autor, as posições sobre o livre-arbítrio referidas na primeira frase do texto. ( Testes intermédios, pag 18, Porto Editora).
A proposta de resolução é a seguinte:
GRUPO I
«As posições são o libertismo e o determinismo radical (Estas são as duas formas de incompatibilismo).» (Testes intermédios, pag. 21, Porto Editora; o negrito é posto por mim).
Crítica: em primeiro lugar, Moore confunde causa com causa necessária (esta última é componente do princípio do determinismo: as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos, nas mesmas circunstâncias). Esta confusão vocabular é funesta à clareza filosófica: Moore e os seus imitadores, como Simon Blackburn e os autores de quase todos manuais escolares de filosofia para o 10º ano em Portugal não distinguem, vocabularmente pelo menos, entre causa livre - exemplo: Deus criou o mundo por um acto único de livre-arbítrio, que não estaria obrigado a praticar, na concepção cristã - e causa necessária, envolta nas roldanas da necessidade ou determinismo. Dizer que alguns atos voluntários não têm causa, como Moore sustenta no texto acima, é um contrasenso: a causa de um ato voluntário, como, por exemplo, ir passear ou ir ao cinema, é o livre-arbítrio, a reflexão livre de cada pessoa que precede a decisão, ou o instinto. O que Moore e outros querem dizer com a expressão "atos incausados" é que há atos que escapam ao determinismo. Mas nenhum ato escapa a causas, sejam elas necessárias ou livres, e isto Moore e os seus imitadores não o dizem. Em rigor, não há atos incausados. O princípio da razão suficiente, de Schopenhauer, assegura que toda a coisa ou fenómeno possui uma causa.
Por outro lado, a solução proposta acima diz que a teoria que sustenta que os atos voluntários são por vezes incausados chama-se.. libertismo. É uma névoa de confusão: não se explica o que é libertismo, nem em que se distingue do determinismo com livre-arbítrio («determinismo moderado»,na imperfeita definição em voga nos manuais). Kant é libertista, como defende Simon Blackburn? Ou é "determinista moderado", uma vez que admite que o eu fenoménico (corpo e suas necessidades materiais) é determinado pela natureza e o eu numénico (razão livre) é livre? Ninguém sabe explicar isto. Não se pensa, não se confrontam posições nesta esfera da filosofia - o meu blog é, seguramente, uma excepção, fustigando, com a espada do raciocínio dialético, o dogmatismo erróneo instalado entre os professores de filosofia (por exemplo, a confusa classificação: determinismo radical, determinismo moderado, libertismo, indeterminismo).
Também não se percebe como se pode classificar o "libertismo" de incompatilismo. Como pode ser incompatibilismo se, às vezes, aceita que há livre-arbítrio compatível com determinismo?
ERRÓNEA DEFINIÇÃO DE RELATIVISMO CULTURAL
Na mesma Proposta de teste intermédio 1, temos a seguinte pergunta do grupo II a coroar um texto de Harry Gensler:
2.1. Defina relativismo cultural.(pag 21)
A proposta de resolução é a seguinte:
«2.1. De acordo com o relativista cultural, não há padrões absolutos ou universais do bem e do mal. O facto de algo ser bom, ou de algo ser mau, é sempre relativo a sociedades específicas. Se numa sociedade a maioria aceitar, por exemplo, que a poligamia é boa, então a poligamia será boa para essa sociedade; se noutra sociedade a maioria pensar o contrário, então a poligamia será má para essa sociedade.» (Testes intermédios, Filosofia 10º, pag 21, Porto Editora; o negrito é colocado por mim).
Crítica minha: É um erro apontar como relativismo o facto de «numa sociedade em que a maioria aceita a poligamia como um bem, então a poligamia será boa para essa sociedade». Isso é absolutismo social, imposição de uma mesma ideologia a todos os estratos da mesma sociedade. Harry Gensler pensa mal tal como os autores desta prova intermédia da Porto Editora. O relativismo é o facto de numa mesma sociedade haver uma moral, uma ciência e uma concepção político-económica dominantes e, em simultâneo ,haver morais, ciências e concepções político-económicas dominadas que não aceitam o paradigma dominante. Por exemplo, sob a ditadura de Salazar os valores dominantes veiculados na televisão e jornais eram, entre outros, «manter a integridade nacional conservando Angola, Guiné e Cabo Verde, Moçambique e São Tomé e Príncipe como províncias de Portugal» mas havia oposição entre os intelectuais, os estudantes e a classe operária ao colonialismo oficial de Salazar. Isto, sim, é relativismo: mostrar as diferentes verdades no seio da mesma sociedade. A definição mutilada de relativismo fornecida por Harry Gensler supõe homogeneidade no interior da mesma sociedade o que, em rigor, não é verdade.
A ÉTICA DE KANT NÃO É RELATIVISTA?
Surgem então as perguntas de escolha múltipla e uma só resposta tida como certa e aqui se revela a mediocridade de pensamento de quem gizou este teste, o espírito de hiper análise sem visão de síntese.
GRUPO III
«1.2. A teoria ética de Kant é:
A. Consequencialista
B. Relativista
C. Deontológica
D. Teológica (pag
A resposta apontada como certa é: deontológica (alínea C).
Crítica: Há três respostas certas, as da alínea A, B e C.
Para surpresa da grande maioria, direi que a ética de Kant é consequencialista porque visa uma consequência para cada cada acção humana: a transmissão de uma ideia de equidade entre os homens, de justiça, e a satisfação do eu racional. O dever não é um fim em si mesmo, ao contrário do que diz Kant. O dever é um serviço para com os outros idealmente considerados. Se um homem que acha na rua uma carteira com 50 000 euros entende devolvê-la, apesar de poder ficar com ela uma vez que ninguém viu, é por dever para com o dono do dinheiro e a humanidade em geral. Visa-se, pois, um fim (consequencialismo) ao devolver o dinheiro: corrigir a injustiça, restituir o seu a seu dono. A resposta A está certa - contra o que afirmam as vozes dominantes e os manuais escolares.
Ao mesmo tempo, a ética de Kant é relativista, isto é, o conteúdo do imperativo categórico varia de pessoa a pessoa, é relativo à consciência de cada um. Relativismo da esmola: para uns, é um bem dar esmola porque seguem o imperativo categórico «Dá sempre esmola a quem te pedir porque isso corresponde ao ideal de justiça social» e para outros é um mal dar esmola porque o seu imperativo categórico é «Nunca dês esmola a quem quer que seja porque isso rebaixa a dignidade de quem pede». Logo, a resposta B está certa.
Obviamente, a ética de Kant é deontológica (déon= dever), estrutura-se sobre o dever. A resposta C está certa.
MILL NÃO DEFENDE QUE SÓ UMA BOA VONTADE É INCONDICIONALMENTE BOA?
Consideremos outra pergunta, na página 20 do "Testes intermédios":
«1.5 Tanto Kant como Mill defendem que:
A. Não há um princípio moral fundamental.
B. Só o prazer e a ausência de dor são incondicionalmente bons.
C. Há um princípio moral fundamental.
D. Só uma boa vontade é incondicionalmente boa.
A resposta tida como certa é a da alínea C.
Crítica: De facto, a resposta C está correcta. Mas a resposta D também está: a definição de boa vontade como a vontade incondicionalmente boa não é exclusiva de Kant. Já se encontra na «Ética a Nicómaco» de Aristóteles e é partilhada também por Stuart Mill.
A ÉTICA DEONTOLÓGICA NÃO PROMOVE SEMPRE O BEM?
Na proposta de Teste Intermédio 2 figura a seguinte questão que pede apenas uma resposta certa de entre as quatro hipóteses (pag. 26)
«1.4 De acordo com uma ética deontológica:
A. Só o prazer e a ausência de dor são bons.
B. Devemos sempre promover o bem.
C. Não podemos promover o bem sacrificando os direitos dos outros.
D. Nem só o prazer e a ausência de dor são bons.»
A proposta de solução indica como certa a hipótese C.
Crítica: é uma visão unilateral, truncada. As respostas B e D também estão certas. A hipótese B diz que segundo a ética deontológica devemos promover sempre o bem. Ora, não é isso o que Kant diz? É. Exercer o imperativo categórico, mesmo que seja amargo para algumas pessoas, é fazer o bem. Exemplo: o juíz que condena a anos de prisão efectiva um grupo de narcotraficantes faz o bem, desde que inspirado no ideal de justiça incorruptível.
A ética deontológica de Kant - é também uma ética teleológica, como assinalei noutros artigos - preconiza que nem só o prazer e a ausência de dor são bons. O cumprimento do dever pelo dever é bom, mesmo que implique dor. Exemplo: o comandante de um navio sacrifica a sua vida num naufrágio obedecendo ao imperativo categórico «Salva em primeiro lugar a vida das crianças, mulheres e idosos, em caso de naufrágio do teu navio, e, em último lugar, a tua própria vida».
Há três respostas certas nesta pergunta e não uma. É este o tipo de perguntas que se vai colocar aos alunos no exame de filosofia do 11º ano de escolaridade em Portugal? Tão ambíguas e medíocres, fazendo com que os alunos que pensam recebam zero na cotação?
AS ÉTICAS DE KANT E STUART MILL SÃO EXCLUSIVAMENTE OBJECTIVAS?
Na proposta de Teste Intermédio 2 (página 26) vem a seguinte questão que pede apenas uma resposta certa:
«1.5 Tanto Kant como Mill aceitam:
A. A subjectividade da ética.
B. A objectividade da ética.
C. Que a felicidade é o fim a promover.
D. Que a felicidade não é o fim a promover.»
A resposta apontada como solução certa é a B: objectividade da ética.
Crítica: Kant e Mill, aceitam ambos, em simultâneo, a subjectividade e a objectividade da ética. Isto é incompreensível para o autor destes testes intermédios, que carece de um pensamento dialético (em cada coisa, há duas facetas contrárias que, em regra, coexistem). Na ética de Kant, é objectiva a fórmula do imperativo categórico «Age como se quisesses que a tua acção fosse uma lei universal da natureza» , a mesma para todo o ser humano, e é subjectiva a máxima, o conteúdo concreto, a coloração que cada um dá ao seu impertaivo categórico.
Na ética de Stuart Mill, é objectiva a fórmula «estender o bem, o prazer, ao maior número de pessoas» e é subjectiva a análise de cada situação concreta. Por exemplo, se um polícia encontrar seis assaltantes a agredir e a roubar duas pessoas algures não segue a regra do prazer do maior número (seis meliantes) dos envolvidos na situação. O polícia tem de defender a minoria agredida, isto exige uma análise subjectiva.
Por conseguinte, as respostas A e B estão correctas.
NÃO HÁ ACÇÃO HUMANA SEM INTENÇÃO?
Na proposta de teste intermédio 3 (página 29) lê-se a seguinte questão de escolha múltipla:
«1.1Não pode haver acção humana sem:
A. Deliberação.
B. Livre-arbítrio.
C. Responsabilidade.
D. Intenção.»
A solução apontada como certa é a D: não pode haver acção humana sem intenção.
Crítica: Pode haver acção humana sem intenção. Exemplo: durante uma caçada, um dos caçadores tropeça numa pedra, a espingarda que leva dispara acidentalmente e mata o amigo que vai à sua frente. A queda e o disparo, sem intenção, não são acção humana involuntária?
CONFUSÃO SOBRE DETERMINISMO MODERADO: ALGUMAS ACÇÕES DETERMINADAS SÃO LIVRES?
No teste intermédio 3 (pag 29) é colocada a seguinte questão:
1.2 O determinismo moderado é uma teoria compatibilista porque diz-nos que:
A. Só algumas acções estão determinadas.
B- Todas as acções estão determinadas.
C. Algumas acções determinadas são livres.
D. Algumas acções determinadas não são livres.»
A proposta de solução indica como a única correcta a resposta C: «algumas acções determinadas são livres».
Crítica: uma acção determinada, isto é, em que o efeito obedece necessariamente a uma causa natural, biofísica, nunca é livre. A acção de comer obedece ao determinismo da trituração dos alimentos na boca e deglutição: não pode ser feita de qualquer maneira, obedece a um determinismo, a um mecanismo articulado de causas e efeitos. Livre é a decisão de comer que se toma num dado momento ou a interrupção do acto de comer. A acção determinista nunca é livre: conjuga-se com a liberdade que lhe é exterior. A resposta correcta seria a da alínea A: só algumas acções, a grande maioria, estão inseridas no mecanismo do determinismo, as que consistem no livre-arbítrio não estão sujeitas ao determinismo, articulam-se com este. Jejuar é uma acção livre que põe em movimento o determinismo corporal da autólise: sente-se fome algumas horas depois do início do jejum, essa fome (psicológica) desaparece, o organismo elimina gorduras e tecidos mórbidos (células cancerosas, pús, etc), há uma baixa de açúcar no sangue, etc. O jejum é um acto livre enquanto submetido ao livre-arbítrio, mas em si mesmo não é um acto livre.
É um medíocre livro de testes intermédios de filosofia do 10º ano do ensino secundário, este, da Porto Editora. É erróneo fazer este tipo de perguntas de resposta de cruz. Não mede com rigor o grau de saber e de inteligência filosófica do aluno, já que este nem sequer é convidado a justificar a afirmação que escolheu como certa. É a pobreza redutora de uma certa "filosofia analítica" que em muito lembra o ensino de memorização e repetição mecânica nas escolas do Estado Novo (1933-1974) de Salazar e Caetano. Estes testes intermédios dão uma imagem da fraca qualidade do ensino de filosofia no ensino secundário em Portugal e, sobretudo, da fraca qualidade editorial nesta área, no presente momento.
A nível mundial, só uma ínfima minoria de pessoas dentro da área da filosofia pensa verdadeiramente: o resto é mimetismo, fórmulas decoradas, ensino massificador nas escolas, doutoramentos e mestrados em filosofia «copy paste» ou destituídos de originalidade e genialidade, subserviências a filósofos de segunda e terceira categoria. A grande filosofia é e será sempre uma praxis de elite, ainda que a elite tenha por obrigação conservar, purificar e melhorar o legado filosófico de modo a que este possa penetrar, tanto quanto possível, no povo.
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Há dois tipos de relativismo, na minha concepção: intensivo ou epistémico e extensivo ou sociológico.
Já acentuei, em outros artigos deste blog, que autores famosos no plano da ética - Peter Singer, James Rachels, Simon Blackburn, entre outros - definem, erroneamente, relativismo como a doutrina segundo a qual «as verdades éticas e estéticas e outras variam de sociedade a sociedade (definição que está certa, até aqui) mas no interior de cada sociedade essas verdades ou valores não sofrem variação uma vez que são as verdades e valores impostos e difundidos pelo sector dominante aos outros sectores da sociedade» (definição esta errada, porque o relativismo reconhece a diversidade de valores e perspectivas no seio de cada sociedade e não prescreve a hegemonia absoluta de alguns e o monolitismo de valores em cada sociedade). Os manuais escolares de filosofia do ensino secundário em Portugal reproduzem este erro de considerar "relativismo" o absolutismo de valores no interior de cada sociedade.
Habitualmente, distingue-se o relativismo do subjectivismo. O relativismo é definido como a corrente que sustenta que as verdades, os valores, os costumes variam de época a época, de sociedade a sociedade e no interior de cada sociedade, de classe a classe, de grupo a grupo social, de etnia a etnia. Dizer, como os académicos mais editados internacionalmente, que «o relativismo coloca no mesmo plano todas as opiniões e valores e postula ser impossível hierarquizá-los em função do valor de verdade» não é definir correctamente relativismo: é confundi-lo com o cepticismo, uma das saídas para a perspectiva relativista. Há outra saída: o dogmatismo diferencial, que estabelece uma hierarquia de graus de verdade ou valor no conjunto das perspectivas sobre um mesmo tema.
Quanto ao subjectivismo, é definido, geralmente, como a corrente gnosiológica que sustenta que a verdade varia de pessoa a pessoa, é íntima, intransmissível, em certo sentido.. Exemplo: Maria diz que Deus é a luz da aurora, Carlos afirma que Deus é o ADN e o ciclo da vida, Joana afirma que Deus é o diabo disfarçado, Cristovão afirma que Deus só existe enquanto se pensa nele. Alguns, como Harry Gensler, apontaram uma inexistente incoerência no subjectivismo, que seria a tentativa de este se impor, prescritivamente, como verdade única, numa espécie de imperialismo de opinião de um só, que chocaria com os outros subjectivismos, anulando-se estes entre si. Não é nada disto: o subjectivismo supõe o perspectivismo, a aceitação da multiplicidade de posições e de cabeças pensantes, só em alguns casos se estriba ou desemboca no absolutismo.
O subjectivismo será um relativismo individualista ou singularista. É uma espécie dentro do género relativismo. Portanto, para maior rigor, deveria falar-se, não na distinção subjectivismo/ relativismo, mas em relativismo subjectivista e relativismo intersubjectivista e objectivista- num plano que leva em conta o número de pessoas que perfilham os mesmos valores ou verdades e não torna o subjectivismo extrínseco ao relativismo.
Mas há uma outra dimensão do termo relativismo, uma dimensão vertical, por assim dizer: a variação, não do número de pessoas adeptas de um dado valor ou ideia, - relativismo estendido no plano sociológico; por isso, lhe chamo extensivo - mas a variação um valor ou ideia no interior da mesma mente - relativismo circunscrito ao plano axiológico ou gnosiológico subjectivo de uma única pessoa; por isso, o denomino intensivo.
Assim, há um subjectivismo absolutista e um subjectivismo relativista. E aqui a situação inverte-se, mas só aparentemente: o relativismo, enquanto doutrina epistémica, passa a ser espécie do género subjectivismo. Note-se que, neste degrau inferior, não se trata do mesmo relativismo que o relativismo sociológico: é um relativismo epistémico, dos valores em si mesmos, científico-axiológico, não é um relativismo dos valores em outros, isto é, ancorados nos grupos sociais, sociométrico, sociológico. Relativismo epistémico e relativismo sociológico não são espécies do mesmo género pois estas não se intersectam mutuamente: o relativismo epistémico, que é a variabilidade dos conceitos e valores, intersecta algum relativismo sociológico, que é a variabilidade do número de pessoas, designado subjectivismo (universo de uma só pessoa). Géneros diferentes que não pertencem à mesma matriz, como por exemplo, o género animal e o género racional, intersectam-se através de uma espécie comum a ambos - neste caso, a espécie homem. Ora o relativismo epistémico é espécie pertencente ao género relativismo sociológico: as ideias e valores mutáveis são uma espécie e as ideias e valores imutáveis, absolutos, são outra espécie.
Assim , hierarquizando dialecticamente géneros, espécies e subespécies temos:
GÉNERO: RELATIVISMO SOCIOLÓGICO
ESPÉCIE: SUBJECTIVISMO OU RELATIVISMO SOCIOLÓGICO SINGULARISTA, INTERSUBJECTIVISMO OU RELATIVISMO SOCIOLÓGICO COLECTIVISTA, OBJECTIVISMO ÕU RELATIVISMO SOCIOLÓGICO UNIVERSAL E NECESSÁRIO
SUB-ESPÉCIES DO SUBJECTIVISMO :SUBJECTIVISMO RELATIVISTA EPISTÉMICO, SUBJECTIVISMO ABSOLUTISTA EPISTÉMICO
Note-se que se considerassemos a existências de deuses ou anjos pensantes, extravasando a sociedade humana, esta classificação mudaria de figura. Exemplo de subjectivismo relativista: «Dantes eu acreditava que o universo tinha a forma de um melão, agora acredito que tem a forma de um guiador de bicleta.» Neste subjectivismo, o sujeito não varia, é um só, fechado no seu casulo interior, o que varia (relativismo) é o conteúdo da sua crença, o objecto epistémico. Exemplo de subjectivismo absolutista: «Sempre acreditei e acreditarei que o amor, a amizade, o ódio ou a inimizade não existem na alma de cada um, são apenas expressão da correlação de forças entre cada um de nós e o mundo que o rodeia, com os seus entes.» Neste subjectivismo absolutista, o sujeito não varia, é um só, e o conteúdo da sua crença, o objecto epistémico, permanece invariável, absoluto (absolutismo).
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