Terça-feira, 28 de Setembro de 2010
Incoerência em São Tomás: Deus é apenas existência mas possui perfeições (essência)

No "Ente e a Essência" Tomás de Aquino confundiu, em Deus, a essência com a existência, o theo ou Inteligência suprema, criadora ou não,  com o tó on ou seja o ente, o ser :

 

«Há com efeito uma realidade, Deus, cuja essência é o seu próprio existir. Por esta razão, Por esta razão, há alguns filósofos dizem que Deus não tem quididade ou essência, uma vez que a sua essência se não diferencia do seu existir. Daqui se segue que ele não entra em nenhum género, porque tudo o que entra num género tem de ter quididade, além do seu existir, pois a quididade ou a natureza de um género ou de uma espécie compreende, enquanto que o existir se diversifica pelos vários indivíduos. Se dizermos que Deus é somente existir, não temos de cair no erro dos que afirmaram que Ele é esse universal pelo qual todas as coisas existem formalmente. De facto este existir que é Deus é de uma consideração tal que nenhuma adição lhe pode ser feita.»(Tomás de Aquino, O Ente e a Essência, Contraponto, pag 92)

 

 

Segundo São Tomás, Deus é pura existência mas não é o ser mais comum, o universal de Aristóteles, um dos transcendentais. Se fosse o ser mais comum que penetra em todas as coisas, Deus perderia, em certa medida, o estatuto supremo que só o distanciamento, lá no Alto, Lhe dá. Dizer que a essência de Deus é a sua existência é confundir o quid ou tó ti (o quê é, a talidade, o definido)  com o  tó on (o que é, o ente, o existente indefinido). São Tomás cai neste paradoxo e tenta superar a ambiguidade de Deus não ter essência dizendo o seguinte:

 

«De modo semelhante, ainda que seja apenas existir, não devem faltar-lhe as restantes perfeições . »  (Tomás de Aquino, Ibid, pag 93).

 

O raciocínio é paradoxal: Deus é apenas existir, mas ao mesmo tempo é omnipotência, bondade absoluta, sabedoria absoluta, justiça absoluta, beleza absoluta, misericórdia absoluta, etc. Portanto, Deus não é somente existir, possui uma essência que emerge da existência. Tomás de Aquino patina na neve da incoerência teórica.

 

 

 

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Terça-feira, 4 de Maio de 2010
Confusões de Zubiri sobre intelecção, posição, desvelação e transcendentalidade, brilhantismo de Zubiri sobre a essência

 

 

Xavier Zubiri manifestou alguma falta de clareza ao opor a sua intelecção sensiente, um conceito chave da sua teoria mista de fenomenologia e platonismo,  às teorias do conhecimento como posição, intenção e desvelação que ele atribui respecivamente a Kant, Husserl e Heidegger.

 

Zubiri escreveu:

 

«Antes de tudo, intelecção não é um acto que as coisas inteligidas produzem sobre a inteligência. Este acto seria assim uma actuação. É o que muito graficamente Leibniz chamou comunicação de substâncias. Assim para Platão e Aristóteles a inteligência seria uma tábua rasa, ou como eles disseram um ekmageion , uma superfície mole encerada em que nada está escrito. O escrito está escrito pelas coisas, e esta escritura seria intelecção. É a ideia que correu por toda a filosofia até Kant. Mas isto não é a intelecção; é em suma o mecanismo da intelecção, a explicação da produção do acto de intelecção. Que as coisas actuem sobre a inteligência, é algo inegável. Mas não do modo como pensaram os gregos e os medievais, mas ao modo de «impressão intelectiva» (...…)

 

«A filosofia moderna mais que à produção do acto de intelecção atendeu, como disse, ao acto em si mesmo. É óbvio que na intelecção está presente o inteligido. Mas esta ideia geral pode entender-se de distintas maneiras. Pode pensar-se que o estar presente consiste em que o presente está posto pela inteligência para ser inteligido. Este presente seria “estar posto”. Claro, não se trata de que a inteligência produza o inteligido. Estar presente seria “estar posto”. Posição significa que o inteligido, para poder ser inteligido, necessita etar proposto à inteligência. E é a inteligência a que faz esta proposição. Foi a ideia de Kant. A essência formal da intelecção consistiria então em posicionalidade. Mas pode pensar-se que a essência de estar presente não é estar “posto”, mas ser  término intencional da consciência. Estar presente consistiria em presença intencional. Foi a ideia de Husserl. Intelecção seria tão só um referir-me ao inteligido, seria algo formalmente intencional; o próprio inteligido seria mero correlato de esta intenção. Em rigor, a intelecção é para Husserl só um modo de intencionalidade, um modo de consciência, entre outros. Em um passo ulterior, pode pensar-se que estar presente não é formalmente nem posição, nem intenção, mas desvelação. Foi a ideia de Heidegger. Mas a intelecção não é formalmente nem posição, nem intenção nem desvelação, porque em qualquer dessas formas o inteligido “está presente” na intelecção. »(...)

 

«Posição, intenção, desvelação são, no melhor dos casos, maneiras de estar presente. Mas não são o estar presente enquanto tal. O posto "está" posto; o entendido "está" entendido; o desvelado "está" desvelado. O que é esse "estar"? Estar não consiste em ser o término de um acto intelectivo, seja ele qual for. Mas "estar" é um momento próprio da própria coisa; é ela que está. E a essência formal da intelecção consiste na essência de esse estar.»

 

(Xavier Zubiri, Inteligência Senciente, Inteligencia y Realidad, Alianza Editorial, Pág. 134-136; a letra negrita é acrescentada por mim).

 

«A intelecção é certamente um dar-se conta, mas um dar-se conta de algo que já está presente. É na unidade indivisível destes dois momentos que consiste a intelecção. A filosofia grega e medieval quiseram explicar a apresentação como uma actuação da coisa sobre a faculdade de inteligir. A filosofia moderna circunscreve a intelecção ao dar-se conta. (...)

 

«Na intelecção «está» presente em mim algo de que "estou" a dar-me conta. O "estar" é um carácter "físico" e não somente intencional da intelecção.» (Zubiri, ibid, Pág 22; a letra negrita é colocada por mim)

 

  

 

Não é exacto que a filosofia grega só tenha visto o inteligir como acção da coisa exterior sobre o sujeito humano. Platão já no Teeteto expôs um princípio básico da fenomenologia:

 

«Parece-me, então, de concluir que nós somos ou mudamos, conforme o caso, numa relação mútua, porque estamos ligados um ao outro pela inevitável lei do nosso ser e não estamos ligados a mais nada, nem sequer a nós mesmos. Só resta, portanto, esta ligação mútua, de modo que, se afirmamos que uma coisa existe, é para alguém, ou de alguém, ou relativamente a qualquer outra coisa que devemos afirmar que é o que muda; o que não podemos dizer nem deixar dizer a ninguém é que uma coisa existe ou muda em si e por si mesma.» (Platão, Teeteto, Editorial Inquérito, pp 61-62).

 

 

A meu ver, Zubiri delineia no texto acima uma definição confusa de posição, posicionalidade: "o inteligido está proposto à inteligência e é esta quem faz a proposição, ou seja, a inteligência propõe o inteligido... a si mesma". Ora posição diz-se do realismo, do idealismo e da fenomenologia: posição significa a posição do mundo material face à consciência do sujeito, fora desta (realismo), dentro desta (idealismo)  correlativos sem se saber se o mundo é imanente ou transcendente (fenomenologia). Nada disto transparece com clareza na escrita de Zubiri.

 

Existe aliás uma aparente incoerência visível no discurso de Zubiri: acima diz que «é óbvio que na intelecção está presente o inteligido» e abaixo diz a intelecção não é formalmente nem posição, nem intenção nem desvelação, porque em qualquer dessas formas o inteligido “está presente” na intelecção. »

 

Ao identificar a teoria de Kant como posição - que o é, de facto - e sustentar que esta consiste em que o inteligido se propõe à inteligência, Zubiri erra rotundamente. Em Kant, a inteligência – entendida como o conjunto sensibilidade-entendimento, sem esquecer que "a sensibilidade não pensa, sente" – produz ou cria o inteligido (exemplo: a casa, o mar, o gato) em cooperação com o númeno (o inteligível em potência), «interior» e «exterior». A posição de Kant é o idealismo material: o mundo da matéria está contido intra animam, dentro da psique do sujeito que é vastíssima e transcende infinitamente o corpo físico. E a sensibilidade, na ontologia kantiana, ao contrário do que diz o próprio Kant, não é mera receptividade mas sim espontaneidade criadora dos fenómenos ( árvores, planícies, casas, etc).

 

Ao dizer que “a intelecção não é formalmente nem posição, nem intenção nem desvelação, porque em qualquer dessas formas o inteligido “está presente” na intelecção”  Zubiri mergulha no oceano da sofística. Que a intelecção não seja posição concreta A, B ou C, entende-se: há intelecção no realismo, no idealismo e na fenomenologia. Que não seja “intenção”, isto é, intuição pura ideal ou sensorial, já não é compreensível. Inteligir é apreender é estar, de algum modo, no objecto.

 

Contra o que Zubiri afirma, em Kant e em Husserl existe igualmente desvelação, isto é, o rasgar do véu das aparências ou de algumas aparências para deixar à vista o poliedro da essência do objecto.

 

Ao referir a intelecção como apreensão do real Zubiri está implicitamente a defini-la como um movimento da inteligência e dos sentidos para captar uma realidade primordial e prévia – por conseguinte nada o diferencia, basicamente, de Husserl ou Heidegger. O reísmo de Zubiri é, contudo, distinto da fenomenologia, a meu ver.

 

Estaria Zubiri a procurar, na linha de Sartre em "O ser e o nada", anular a consciência individual, o para si, como se o ser material exterior fosse auto-intelectivo, e a consciência estivesse imersa nele e não o inverso? Seria então um monismo: haveria uma fusão entre o ser material e a consciência, uma espécie de pampsiquismo que dissolveria a dualidade sujeito-objecto.

 

Medite-se na frase: «A essência formal da intelecção consiste na essência desse estar (da coisa).»  Significa, a meu ver,  que a intelecção capta a estrutura da coisa, a essência, mas não a coisa, que é essência mais inessência, isto é, notas ou características secundárias.

 

A frase «o estar é um carácter "físico" e não somente intencional da intelecção» é fabulosa . Vejo um sobreiro diante de mim: a intelecção do sobreiro engloba o estar físico deste? A minha percepção-intelecção é física, como sugere Zubri, ou é psíquica e referente a um objecto físico como é habitual pensar? Zubiri funde, de certo modo, o estar em si mesmo que é próprio da matéria física e que não possui qualquer intelecção com o "estar em mim" da matéria física enquanto pura imagem visual, sonora, táctil, olfactiva,térmica, etc, ou puro conceito. A meu ver, só este segundo "estar" reside na intelecção.

 

DOIS SENTIDOS OPOSTOS DO TERMO TRANSCENDENTALIDADE, UM EM KANT OUTRO EM ZUBIRI

 

A intelecção sensiente é a apreensão, simultaneamente sensorial e intelectual, da essência dos objectos físicos, das suas relações, etc. Zubiri colheu este conceito na fenomenologia - de Heidegger, Husserl e Scheler - que privilegia, num primeiro momento, a intuição unitária, e só depois o raciocínio.  Zubiri escreveu:

 

«Dizíamos, com efeito, que o próprio real é o actualizante da intelecção sensiente. Isto significa que é o real que determina e funda a comunidade. Certamente, sem intelecção não haveria actualidade. Mas que o que há seja actualidade do real é algo determinado pelo próprio real. Ora bem, realidade é formalidade dada em impressão de realidade. E essa impressão, segundo vimos, é actualidade aberta, é abertura respectiva, é transcendentalidade. Portanto, o real enquanto determinante da actualidade da intelecção senciente determina esta como algo estruturalmente aberto. A actualidade comum é assim transcendental, e a sua transcendentalidade está determinada pela transcendentalidade da realidade do real. A actualidade comum é formalmente actualidade transcendental porqueo é a impressão de realidade, isto é,porque a impressão é senciente. Kant dizia-nos que a própria estrutura do entendimento confere conteúdo transcendental (transzendentaler Inhalt) ao entendido. Mas não é assim. Em primeiro lugar, porque a transcendentalidade não é um carácter próprio do entendimento, mas da intelecção senciente; e, em segundo lugar, porque esta intelecção é transcendental por achar-se determinada pelo próprio real em actualidade comum com a dita intelecção. Esta actualidade é, pois, não só comum, mas transcendental. A comunidade da actualidade é uma comunidade em que a intelecção senciente está respectivamente aberta ao real impressivamente inteligido. E é por isso que a própria intelecção senciente é transcendental. Não é transcendental enquanto momento conceptual, nem tampouco por ser constitutiva do real como objecto. É transcendental porque, por ser actualidade comum, a inteligência senciente fica aberta à realidade na mesma abertura segundo a qual o próprio real é aberto enquanto realidade.» (Xavier Zubiri, Inteligência Senciente, Inteligencia y Realidad, Alianza Editorial, Pág. 166-167; a letra negrita é posta por mim)

 

A  refutação que Zubiri faz do conceito de "transcendentalidade" em Kant é uma pseudo-refutação: Kant dá ao termo transcendental um sentido de "estar fora da experiência", fechado num casulo lógico-formal interno - o espaço e o tempo a priori são transcendentais, isto é, existem puros e virgens, sem objectos, sem história, sem mundo empírico - ou fechado na transcendência - Deus, mundo como uma totalidade - ao passo que Zubiri dá ao conceito de transcendentalidade o significado de "abertura", "conexão do real com a realidades" " conexão da intelecção sensiente com as realidade", isto é, exactamente o oposto do sentido de fechamento em Kant. Como pode, pois, Zubiri criticar Kant se não se dá conta da anfibologia do termo "transcendental" , de que o usa num sentido diferente do atribuido por Kant?

 

Não se percebe muito bem por que razão Zubiri diz que o entendimento não é transcendental - no sentido zubiriano de expansivo, comunicante, aberto a realidades - mas só a inteligência senciente o é. Poderia, ao menos, reconhecer um carácter expansivo, semi holístico no entendimento que liga tantas ideias e noções díspares - um carácter "transcendental", na linguagem zubiriana.

 

Note-se que o termo abertura usado por Zubiri como sinónimo de transcendentalidade é, provavelmente, extraído de "O ser e o tempo" de Heidegger onde constitui um conceito chave da fenomenologia. Realidade e real são, como se depreende do texto, coisas diferentes para Zubiri: a flor da realidade, que primordialmente está fechada, abre-se em pétalas de real, e esta abertura é transcendentalidade.

 

A CONFUSA OPOSIÇÃO ENTRE RACIONALISMO ONTOLÓGICO E IDEALISMO

 

 

 

Zubiri distingue entre ser real ( exemplo: a couve) e ser copulativo (exemplo: a couve é verde, a couve está na horta), o que já Heidegger fizera, e escreve:

 

 «Platão, Leibniz, Hegel são o pôr em marcha da identidade entre ser real e ser copulativo. A entificação do real e a logificação da intelecção, são os dois fundamentos da filosofia clássica, que não por acaso conduziram seja ao racionalismo ontologista,  seja ao idealismo. Mas isto é insustentável.» (Xavier Zubiri, Inteligência Senciente, Inteligencia y Logos, Alianza Editorial, Pág. 382) 

 

 

A divisão operada por Zubiri entre racionalismo ontologista e idealismo é confusa. Embora Zubiri o ignore, Hegel é ambas as coisas: é idealista formal – as formas das coisas são «conceitos» da Ideia absoluta – e racionalista ontológico – a razão ou ser absoluto governa a história, o devir das coisas. O racionalismo não se opõe ao idealismo mas sim ao anti racionalismo, em particular ao intuicionismo.

 

 

 

A  DISTINÇÃO ENTRE REALIDADE, REAL E SER

 

 Para Zubiri, há uma tríade: realidade (tese), ser (antítese)  e real (síntese). O real, que é simultaneamente formal e substancial, estabelece a ponte entre a realidade primordial, sem conteúdo concreto, e o ente ou ser ulterior (exemplo: esta laranja, aquela casa).

 

«Portanto o inteligido, a coisa, não é formalmente ente. Não se pode entificar a realidade, mas pelo contrário há que reificar o ser. Então inteligir é algo anterior a todo o logos, porque o real está já proposto ao logos para poder ser declarado. Na sua virtude, inteligir não é formalmente julgar, não é formalmente dizer o que o real “é”. Não se pode logificar a intelecção, mas justamente ao contrário há que inteligizar o logos, isto é, conceptuar o logos como um modo, como uma modalidade do inteligir, quer dizer da apreensão do real como real»

 

 «Não há pois oposição entre inteligir e sentir, mas há uma realidade estrutural: inteligir e sentir são somente dois momentos de um só acto: o acto de apreeender impressivamente a realidade. É a inteligência sensiente cujo acto é impressão de realidade»

 

  (Xavier Zubiri, Inteligência Senciente, Inteligencia y Logos,Alianza Editorial,Pág. 50-51; a letra negrita é colocada por mim) .

 

O  real,  está antes do ser, ainda que participe neste, e antes de ambos, encontra-se a realidade, segundo Zubiri:.

 

«O término formal do inteligir não é o "é", mas sim a "realidade".  E então resulta que a realidade não é modo do ser, mas que o ser é algo ulterior à própria realidade. Na sua virtude, como disse umas páginas atrás, não há esse reale, mas sim realitas in essendo. Não se pode entificar a realidade, mas há que dar à realidade uma ulterioridade entitativa. A ulterioridade do logos vai "em uníssono" com a ulterioridade do próprio ser.» (Xavier Zubiri, Inteligência Senciente, Inteligencia y Realidad, Alianza Editorial, Pág. 225; a letra negrita é posta por mim.

 

Mas o que significa aqui o ser, na linguagem de Zubiri? É o ente dotado de vida ou existência material,- o ser como substantivo - como por exemplo, este céu azul, este sobreiro, aquela cidade de Lisboa. Zubiri exclui, pois, que a realidade possua ser ou seja, coloca-a na zona de um não ser, de um pré-ser. Aqui coloca-se, ao menos no plano da terminologia, contra Platão que identifica a realidade arquetípica com o ser.

 

«Porque já o vimos, realidade não é existência, mas realidade é ser em si. Quer dizer, não se trata nem do acto efectivo de existir, nem da aptidão para existir, mas de algo anterior a todo o acto e a toda a aptidão: do em si. O real é "em si"  existente, o real é "em si" apto para existir. Realidade é formalidade e existência diz respeito tão só ao conteúdo do real. E então o real não é ente, mas é o em si enquanto tal. Só sendo real tem o real uma ulterior actualidade no mundo. Esta actualidade é o ser, e o real nesta actualidade é o ente. Realidade não é ente; a realidade tem em si a sua entidade, mas tem-na tão só ulteriormente. Realidade não é formalmente entidade.»  (Xavier Zubiri, Inteligência Sentiente, Inteligencia y Realidad, Pág. 226; )

 

No excerto abaixo, Zubiri dissocia a essência da sua talidade, isto é, das suas determinações (exemplo: branco, redondo, rectilíneo) como se fosse possível dissociar, por exemplo, a essência de esfera da talidade de esférico, compacto:

 

«Porque a essência não só é aquilo segundo o qual a coisa é "tal" realidade, mas aquilo segundo o qual a coisa é "real". Neste sentido, a essência não pertence à ordem da talidade, mas a uma ordem superior: à ordem da realidade enquanto realidade. Este carácter - chamemo-lo assim, por agora; antes chamei-o formalidade, e voltarei a ele mais tarde - de realidade está acima da talidade...» (Xavier Zubiri, Sobre la Esencia, Alianza Editorial, Fundación Xavier Zubiri, pag 372; a letra negrita é posta por mim).

 

 Decerto, o real, o arquétipo, o ser ideal está antes do ser vital e material – essa é a posição de Platão que Zubiri, no fundo, adopta. Mas dissociar realidade (ser ideal)  do conceito de ser, entendendo este como ente vital e material, parece, se não um erro teórico, pelo menos uma ambiguidade. Zubiri reduz o conceito de ser à existência vital-material. Está no seu direito?  Sim, desde que explicite o sentido das suas significações. Aqui confrontamo-nos com a velha questão levantada por Rorty de os diversos sistemas filosóficos serem inconvertíveis entre si no plano da terminologia uma vez que, por exemplo, Zubiri atribui à palavra "ser" o significado de ente, coisa, ao passo que Heidegger confere a ser, com frequência, o significado de estrutura geral e não de ente.

 

   

 

O SER DO NÃO-SER EXISTE?

 

Ao comentar Platão, Zubiri escreveu:

 

« Contra o que Parménides pretendia, inexoravelmente, pela própria estrutura das ideias, há o ser do não-ser. E esse ser do não-ser é justamente o outro, a alteridade

 

«Na medida em que o homem diz uma coisa que não é verdade - três e cinco são sete - o que diz não é que não seja um ser: o sete é um ser, o que acontece é que é outro ser diferente do três e do cinco. E justamente aí está o não ser, o tó heterón. Diz o ser, mas "outro"». (Xavier Zubiri, El hombre: Lo real y lo irreal, Alianza Editorial, Pág 141; a letra negrita é acrescentada por mim).

 

Ao contrário do que sustenta Zubiri, Parménides tinha razão - o ser é, o não ser não é -  se se entender o ser como existir, isto é, "matéria" espiritual, vital ou física sem forma: o não ser é o não existir e não possui ser, é ausência pura. O ser do não-ser só existe quando o ser tem talidade, determinação, porque aí o não-ser é oposto a um ser determinado e constitui outro. Exemplo: o não ser da cor amarela existe e engloba as cores vermelha, azul, roxa, verde e por aí fora.

 

A CLAREZA BRILHANTE DE ZUBIRI SOBRE A ESSÊNCIA

 

Os equívocos que apontei não eliminam o brilhantismo da grande maioria das teses de Zubri , que fazem dele um grande filósofo,  como a tese de que essência é primordialmente estrutura dotada de substantividade (funcionamento holístico) e não substância dotada de substancialidade (agregado de partes, materiais ou não):

 

«A essência é princípio das notas constitucionais e das adventícias. Deixemos de momento estas ultimas. As notas constutucionais são aquelas que constituem a substantividade completa do real. Aquilo de que é princípio a essência é, pois, a substantividade. A substantividade é um sistema de notas dotado de suficiência na ordem da constituição; dentro deste sistema a essência é o sistema fundador, o sistema de notas constitutivas. »(...)

 

«Com isto fica fixada a posição desta tese frente a Leibniz e frente a Aristóteles. Frente a Leibniz porque a essência não é uma vis, mas pura estrutura. Só porque há uma estrutura essencial pode haver em alguns casos e aspectos da substantividade uma vis. Frente a Aristóteles, porque a essência não é um momento da substância mas sim da substantividade. Para Aristóteles, a realidade em sentido eminente é substância, e a sua essência é hilemórfica: uma forma substancial que actualiza uma matéria prima.(Prescindamos aqui de que para Aristóteles esta essência é sempre específica). Mas esta concepção, no meu modo de ver, não é suficientemente viável por duas razões. Primeiro, porque entre os momentos essenciais não há forçosamente uma relação hilemórfica. Os princípios substanciais de Aristóteles têm um carácter sumamente preciso: a forma é o determinante e a matéria é o determinável. Mas numa estrutura todos os seus momentos  "co-determinam-se" mutuamente; não há actualização de uma matéria por uma forma. Num ser vivo, os seus momentos essenciais (no caso do homem, alma e corpo) codeterminam-se mutuamente. Por esta razão não há composição de matéria e forma no preciso sentido aristotélico.(...) Um organismo não é uma substância; tem muitas substâncias e substâncias renováveis; enquanto que não tem senão uma única substantividade, sempre a mesma. A essência de um ser vivo é uma estrutura. É por isso que a estrutura não é uma forma substancial informadora: porque as suas notas se codeterminam mutuamente, e porque a estrutura não é substância mas substantividade

 

(Xavier Zubiri, Sobre la Esencia, Alianza Editorial, Fundación Xavier Zubiri, pag 511-513; a letra negrita é colocada por mim)

 

É, sem dúvida, notável esta passagem acima de Zubiri.

 

É ainda discutível a dissociação entre realidade e verdade:

 

«Enquanto o actualizado é real, constitui o que chamamos sem mais realidade; enquanto este real está intelectivamente actualizado constitui a verdade. Ambos os momentos do real não são idênticos; mas não são, como já vimos, independentes.»  (Xavier Zubiri, Inteligencia y Logos, Pág. 329)

 

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Quarta-feira, 28 de Outubro de 2009
Equívocos do «Dicionário Escolar de Filosofia» da Plátano Editora

Lançou a Plátano Editora, de Lisboa, em Setembro de 2009, uma segunda edição do Dicionário Escolar de Filosofia, com  entradas de 12 autores, entre eles o organizador, Aires Almeida. Apesar de conter um bom número de tópicos interessantes, e propiciar um certo número de conhecimentos úteis aos leitores, este dicionário é portador de um considerável número de equívocos teóricos, de erros e imprecisões. Vejamos alguns deles.

 

OMISSÃO DA DISTINÇÃO ENTRE  EIDOS PLATÓNICO E  EIDOS ARISTOTÉLICO

 

Um dos artigos equívocos é o que se refere ao eidos:

 

Eidos

 

«Termo grego que significa «forma» ou «ideia». PLATÃO considerava que as formas ou ideias eram imutáveis, imateriais e não podiam ser percepcionadas pelos sentidos, mas eram a realidade última, sendo as coisas apenas uma pálida sombra das formas.»  DM   (Aires Almeida e outros, Dicionário Escolar de Filosofia, Plátano Editora, pag 95).

 

O que há de impreciso, omisso, equívoco, nesta definição fornecida por Desidério Murcho (DM)?  Antes de mais, o ocultar o carácter eterno das ideias, segundo Platão, e a sua permanência no Mundo do Mesmo ou Inteligível, acima do céu visível.

 

Em segundo lugar, o esquecimento de que o termo eidos designa essência.

 

Em terceiro  lugar, a omissão das diferentes concepções que Platão e Aristóteles perfilhavam sobre o termo eidos: para Platão, a essência é ideia, uma forma singular e única, própria, - em grego, próprio diz-se idios - que não existe no mundo material; para Aristóteles, a essência é uma forma comum ou espécie (eidos), existente no mundo físico em todos os entes singulares por ela abrangidos (exemplo: a essência ou eidos cavalo está neste cavalo de raça lusitano, naqueles cavalos andaluzes, e, enfim, em todos os cavalos físicos do mundo). O eidos segundo Aristóteles, omisso na definição de DM, não é exterior ao mundo físico como o eidos teorizado por Platão e possui, ademais, um carácter intrinsecamente agrupador.

 

   

 

CONFUSÃO SOBRE O RELATIVISMO MORAL ENUNCIADO COMO UM ABSOLUTISMO EM CADA SOCIEDADE

 

A definição fornecida de relativismo moral, neste dicionário, é parcialmente errónea:

 

«Relativismo moral»

 

«Teoria Metaética segundo a qual os factos morais são instituídos pela sociedade e, portanto, podem variar de sociedade para sociedade ou de época para época. Se numa sociedade a maior parte das pessoas acredita, por exemplo, que a pena de morte é justa, então nessa sociedade a pena de morte é justa. Para o relativista, os juízos morais limitam-se a reflectir certos costumes sociais. Quando os costumes ou as crenças morais de uma sociedade mudam, também os factos morais se alteram.» PG

 

(Aires Almeida e outros, Dicionário Escolar de Filosofia, Plátano Editora, pag 222).

 

Pedro Galvão (PG), tal como Peter Singer, James Rachels e outros famosos da ética, não tem um conceito correcto de relativismo. Que é o relativismo? É a doutrina segundo a qual a verdade é relativa às epocas e lugares, isto é, varia de época a época e de lugar a lugar, varia de povo a povo, de país a país, varia segundo as classes e grupos sociais no interior de cada país ou sociedade.

 

A democracia liberal é, por essência, um regime relativista: o facto de em Setembro de 2009, o PS de Sócrates ter vencido as eleições legislativas em Portugal não torna a ideologia do PS - ou as ideologias europeístas do PS e do PSD que em conjunto abarcam a maioria dos eleitores portugueses votantes - a verdade única para toda a sociedade. Não. Continuam a subsistir segmentos sociais, políticos e culturais diversos - a direita nacional neosalazarista do PNR, a direita conservadora CDS, a esquerda neoestalinista do PCP, a esquerda radical ou semianarquista do BE, etc; os católicos e os islâmicos opositores da legalização das uniões homossexuais, etc - com outras verdades éticas e políticas. É este mosaico multicor que constitui o relativismo.

 

Há, pois, relativismo no seio de cada sociedade - várias verdades ou interpretações sobre a mesma coisa (por exemplo: defensores e detractores do aborto livre; comunistas e não comunistas, etc)-mas Galvão não concebe isso: sustenta a unicidade e uniformidade ética, isto é, que a verdade da maioria é a verdade de todos. É absolutismo de maiorias e não relativismo o que Pedro Galvão define como "relativismo". O único relativismo que reconhece é o da variação de leis ou costumes dominantes de sociedade para sociedade - por exemplo, a liberdade da mulher nas democracias ocidentais em contraste con a opressão da mulher na Arábia Saudita e em outros países de gritante hegemonia masculina. É uma concepção "coxa", parcialmente deformada, de relativismo.

 

CONFUSÃO DE DETERMINISMO COM FATALISMO

 

Um erro em que o próprio Thomas Nagel, premiado internacionalmente em filosofia (!), incorre, e que o presente dicionário escolar repete,  é a confusão entre determinismo e fatalismo:

 

Determinismo/Indeterminismo

 

«O determinismo é uma tese que nos diz que o passado, mais as leis da natureza, determinam a cada instante, um único futuro. Assim, num mundo determinista não há mais do que uma forma de o mundo ser a cada instante. Esta apresenta-se como uma linha de comboio sem bifurcações ou encruzilhadas. O indeterminismo é a tese oposta: a ideia de que o estado do mundo num dado momento é compatível com vários estádios distintos num momento posterior. Ou seja, a linha de comboio tem bifurcações, momentos claros de possibilidades alternativas. Actualmente, não sabemos se o determinismo é verdadeiro ou não. A questão é empírica, e não há razões suficientes para decidir a questão.» MA

 

(Aires Almeida e outros, Dicionário Escolar de Filosofia, Plátano Editora, pag 88; o bold é nosso).

 

Determinismo está mal definido por Miguel Almeida (MA). Que é o determinismo? É o princípio de repetição segundo o qual nas mesmas circunstâncias, as mesmas causas produzem os mesmos efeitos. É uma das modalidades da Necessidade. A lei da gravidade exerce-se, de forma determinista, sobre os milhares de páraquedistas que se atiram de aviões mas o livre arbítrio de cada um deles, operando a abertura dos paraquedas, impede que o determinismo da queda livre actue plenamente e os faça esmagar-se na terra. O que MA define acima como «linha de comboio sem bifurcações» é o fatalismo, a predestinação, diferente do determismo. Este só na aparência traduz predestinação visto que pode ser «desviado» ou contrariado pelo livre-arbítrio e pelo acaso. O determinismo, ao contrário do que sustenta Miguel Almeida, é uma «linha de comboio com ramificações e bifurcações»: usando as "agulhas" do livre-arbítrio - ou sendo o acaso a mudá-las - o maquinista pode fazer o comboio ir pela via da esquerda ou pela via da direita, avançar ou parar. O que não pode é fazer sair o comboio dos carris do determinismo...

 

O nosso mundo rege-se pelo determinismo mas a guerra do Iraque, lançada pelos EUA e Grã-Bretanha em 2003, podia, ao menos teoricamente, ter sido evitada se Barack Obama e não George Bush ocupasse a presidência dos EUA.

 

Indeterminismo está igualmente mal definido no artigo acima. Há que distinguir indeterminismo no resultado final - que é compatível em regra com o determinismo biofísico visto que a este se adiciona certa dose de acaso- de indeterminismo estrutural ou modal, que é a negação do determinismo ou conexão necessária, infalível, entre causas de tipo A e efeitos de tipo B.

 

Que sentido tem definir compatibilismo como «coexistência do determinismo com o livre-arbítrio» como o faz este Dicionário se neste artigo se toma o termo determinismo como fatalismo, predestinação absoluta? É uma incoerência, tal como é incoerência distinguir determinismo moderado de determinismo absoluto.

 

A "DEFINIÇÃO" PELA NEGATIVA DE CORROBORAÇÃO

 

Herdeiro de uma certa falta de clareza intelectual de Karl Popper, o presente Dicionário não define claramente o que é corroboração para este filósofo inglês:

 

corroboração

 

«Na sua FILOSOFIA DA CIÊNCIA, POPPER rejeita a INDUÇÂO e, consequentemente, a ideia de que uma hipótese ou teoria científica pode ser confirmada por dados empíricos. Assim, no seu FALSIFICACIONISMO a noção de CONFIRMAÇÂO dá lugar à de corroboração. Uma hipótese ou teoria científica é corroborada por dados empíricos quando sobrevive a testes experimentais, isto é, quando não é refutada depois de ter sido posta à prova. E quanto mais severos são os testes, maior é o grau de corroboração que a teoria adquire» PG (Aires Almeida e outros, Dicionário Escolar de Filosofia, Plátano Editora, pag 76).

 

Se repararmos bem, corroboração não é definida nesta entrada: são apenas definidos os efeitos que produz, ou seja, a sobrevivência da hipótese a sucessivos testes experimentais. É como se ao definir automóvel o fizéssemos da seguinte maneira:« automóvel é quando se percorre a 100 quilómetros por hora estradas de asfalto». Não estamos a definir o veículo mas efeitos da sua acção. Pedro Galvão (PG) não nos oferece uma definição positiva, clara, de "corroboração"- talvez nem Popper o faça. Mas nós vamos fazê-lo: a corroboração é a confirmação, por testes empíricos, de um ou mais casos particulares de uma hipótese ou teoria dentro da respectiva série de casos possíveis. É uma tolice dissociar o conceito de "confirmação" do de "corroboração": ambos significam o mesmo, ainda que Popper pretenda dar maior amplitude ao primeiro.

 

A ERRÓNEA IDENTIFICAÇÃO DE PENSAMENTO E PROPOSIÇÃO

 

A incapacidade de definir conceito manifesta-se na correspondente entrada deste dicionário:

 

«conceito

 

«Os constituintes dos pensamentos (ou proposições). A PROPOSIÇÃO de que Lisboa é uma bela cidade tem como um dos seus constituintes o conceito de cidade. Ter um conceito é, argumentavelmente, saber usá-lo correctamente. Por exemplo,se alguém apontar para uma bola e disser que é um tigre, é porque não tem o conceito de tigre (nem de bola); mas se for competente no uso o termo "tigre", tem o conceito em causa. Uma das muitas questões em aberto é a de saber se os conceitos são entidades abstractas independentes da mente ou se dependem desta para existiem.» CT (Aires Almeida e outros, Dicionário Escolar de Filosofia, Plátano Editora, pag 68; o bold é nosso).

 

Esta definição de Célia Teixeira (CT), caracterizada pela vagueza, omite que um conceito é uma representação intelectual simples, uma ideia de algo (ao invés, Schopenhauer distinguia entre ideia, singular e superior, e conceito, designando um colectivo).

 

É uma definição parcialmente errónea ao dizer que «os conceitos são os constituintes do pensamento». Também os juízos e os raciocínios são constituintes do pensamento. Ademais, CT identifica pensamento e proposição, o que constitui, em rigor, um erro. A proposição é expressão de um pensamento mas nem todo o pensamento se traduz em proposições. Os conceitos de «átomo», «quark», «metafísica», «Deus» são pensamentos mas não são proposições.

 

A FILOSOFIA NÃO DISPÕE DE MEIOS DE PROVA, EMPÍRICOS E FORMAIS?

 

A distinção entre ciência e filosofia é superficial neste Dicionário como se torna patente na seguinte entrada:

 

problema filosófico

 

«A filosofia tal como a ciência, procura resolver problemas que nos afectam a todos. A diferença entre os problemas da filosofia está no tipo de problemas que ambas enfrentam. A filosofia trata de problemas para os quais não dispomos de meios empíricos nem formais de prova. São problemas reais, embora muitas vezes de carácter conceptual àcerca dos fundamentos da ciência, da religião, da arte, e até do nosso dia a dia. Por exemplo, problemas como o de saber o que é a justiça, o que é o conhecimento, qual o mecanismo através do qual os nomes referem as coisas que referem, etc. Muitas vezes tomam-se como filosóficos problemas que claramente o não são. Por exemplo, saber se a religião contribui para a coesão das sociedades não é um problema filosófico, mas sociológico(Aires Almeida e outros, Dicionário Escolar de Filosofia, Plátano Editora, pag 209; o bold é nosso).

 

Equivoca-se Aires  Almeida (AA) sobre a natureza da filosofia. A filosofia não dispõe de meios formais de prova?  Se não dispusesse destes meios não servia para nada, não tinha sequer o estatuto de pensamento reflexivo superior. É a filosofia, através do seu ramo lógico, que hierarquiza os entes em indivíduo ou substância individual, espécie e género. Ora esta divisão conceptual é um meio formal de prova de milhões de asserções entre elas a seguinte: «A Rússia é um país euroasiático ( Euro-Ásia é espécie) do planeta Terra (Terra é género)».

 

São Tomás de Aquino provou formalmente por cinco vias a existência de Deus. Objectar-se-á: falta a prova empírica. Mas as provas formais estão na Suma Teológica.

 

A filosofia usa igualmente provas empíricas para numerosas das suas teses. Exemplo: as filosofias liberal, conservadora, socialista democrática e anarquista atacam a filosofia marxista-leninista e os Estados que a adoptam com provas empíricas variadas, como os 3 milhões de mortos pelo Goulag estaliniano no século XX, o fuzilamento do general Ochoa em 1990 pelos sicários de Fidel Castro após uma vergonhosa auto-crítica fruto de brutais ameaças, o massacre dos marinheiros de Cronstad em Março de 1921, as barbaridades da Grande Revolução Cultural Proletária de Mao Ze Dong, etc.

 

Aires Almeida distancia a filosofia da ciência como o céu da terra mas, de facto, as coisas não são assim: a alma oculta e rebelde de cada ciência é a filosofia, na sombra de cada tese científica desponta a lanterna indagadora da filosofia.

 

A filosofia está para as ciências, para a religião e para a ontologia como o género para a espécie, como o género animal está para as espécies homem, elefante, zebra e outras: ela contém as ciências, ainda que estas se diferenciem dela - pela diferença específica, que inclui a necessidade e o modo de ser próprio de cada ciência. A relação entre filosofia e ciência não é a relação entre duas espécies do mesmo género ou dois géneros diferentes, como supõem Aires Almeida e outros. É, sim, a relação entre o todo (filosofia) e as suas partes (ciências: química, sociologia, matemática, biologia, etc).

 

Igualmente se equivoca AA ao dizer que «saber se a religião contribui para a coesão das sociedades não é um problema filosófico, mas sociológico». O erro reside em separar mecanicamente sociologia de filosofia. Ora, a filosofia penetra no húmus da sociologia, como as raízes da árvore penetram na terra. Saber se a religião coesiona as sociedades é, formalmente, um problema filosófico, e materialmemte um problema sociológico.Tão simples quanto isto.

 

A INCOMPREENSÃO SOBRE A CONTRADIÇÃO/LUTA DE CONTRÁRIOS COMO ESSÊNCIA DE TODAS AS COISAS

 

Não tendo entre os seus 12 autores nenhum verdadeiro conhecedor da dialéctica enquanto ontologia, isto é, enquanto modo de ser da realidade, este Dicionário Escolar de Filosofia só poderia dar uma definição truncada, parcialmente errónea, de contradição:

 

  

 

«Contradição

 

1. Uma falsidade lógica; isto é, uma proposição cuja falsidade se pode determinar exclusivamente por meios lógicos. Por exemplo, a afirmação "Sócrates é mortal e não é mortal" é uma contradição.

 

2. Duas proposições são mutuamente contraditórias quando têm valores de verdade opostos em qualquer circunstância logicamente possível. Por exemplo, as afirmações "Tudo é relativo" e "Algumas coisas não são relativas" são contraditórias. Não se deve confundir inconsistência com contradição; todas as contradições são inconsistências, mas nem todas as inconsistências são contradições. Ver consistência/inconsistência. DM» (Aires Almeida e outros, Dicionário Escolar de Filosofia, Plátano Editora, pag ;75 o bold é nosso).

 

Comecemos por descortinar que, ao contrário do que  sustenta DM, a proposição «Sócrates é mortal e não é mortal» não é, necessariamente, uma falsidade lógica. Se a metafísica religiosa espiritualista fôr verdadeira -isto é se a nossa alma racional, o nous, o atmã, fôr imortal - é consistente dizer que Sócrates é mortal nos seus corpos físico, vital e de desejos e imortal no seu corpo espiritual racional. Isto é dialéctica. Não viola o princípio da não contradição porque a contrariedade se exerce entre aspectos diferentes do mesmo ente. A lógica proposicional que Desidério Murcho (DM) defende é, em muitos aspectos, antidialéctica, unilateral, falsificadora da realidade.

 

Aquilo que Desidério Murcho  ignora - decerto não compreendeu Heráclito, Aristóteles, São Tomás de Aquino, Hegel, Marx, Althusser e tantos outros - é que a contradição consistente, a oposição de contrários - por exemplo: protões de carga positiva, e electrões, de carga negativa, no átomo; assimilação e desassimilação, na célula; inverno e verão, no ritmo das estações; sístole e diástole no bater do coração, etc - é a essência de todos os fenómenos da natureza biofísica e humano social e individual.

 

Afirmar que «todas as contradições são inconsistências» é um grave erro: é esvaziar a palavra contradição do seu sentido real, ontológico - «um divide-se em dois que lutam entre si e coexistem» - e atribuir-lhe o sentido de paradoxo. De facto há contradições inconsistentes - exemplo: «eu sou homem e cavalo, fisicamente falando» - e contradições consistentes que, aos biliões, constituem a trama ontológica da realidade - exemplo: «sou bom e mau em simultâneo, bom para com os cidadãos pacíficos e honestos e mau para com os arrogantes e prepotentes». DM não concebe esta distinção, preso que está na masmorra do castelo da antidialéctica.

 

A INCAPACIDADE DE DELIMITAR ONTOLOGICAMENTE FENOMENOLOGIA

 

A incapacidade de definir fenomenologia, de a situar ontologicamente face ao realismo e ao idealismo, é outro traço deste Dicionário:

 

«fenomenologia

 

«Termo pelo qual é designado o movimento filosófico surgido a partir da obra de Edmund Husserl (1859-1938) e que tem por objectivo principal a investigação e a descrição dos fenómenos (ver fenómeno) tal como ocorrem na consciência, independentemente de quaisquer preconceitos, pressupostos ou teorias explicativas. É possível detectar pelo menos quatro tendências principais neste movimento: a fenomenologia realista, que põe ênfase na descrição das essências (ver essência) universais (Nicolai Hartman, Max Scheler); a fenomenologia constitutiva, que procura dar conta dos objectos em termos da consciência que temos deles (Dorion Cairns, Aron Gurwitsch); a fenomenologia existencial (ver existência), que realça a existência humana no mundo (Hannah Arendt, Jean-Paul Sartre e Maurice Merleau-Ponty); e a fenomenologia hermenêutica (ver hermenêutica), que realça o papel da interpretação em todas as esferas da vida (Hans-Georg Gadamer, Paul Ricoeur). O termo é também usado para a descrição qualitativa de experiências. Em geral, a fenomenologia de uma experiência é a descrição da qualidade dessa experiência, do modo como essa experiência se dá na nossa consciência.» AN  (ibidem, pag 120; o bold é nosso)

 

Há uma fenomenologia realista e uma fenomenologia anti realista? É a fenomenologia idealismo ou distingue-se deste? Nada disto é esclarecido por Álvaro Nunes (AN) neste artigo onde a profusão de referências historicistas e a descrição da fenomenologia como método disfarça a incapacidade de definir ontologicamente fenomenologia.

 

AMBIVALÊNCIA NA DEFINIÇÃO DE VALIDADE E INVALIDADE DE UM ARGUMENTO

 

Mesmo no terreno da lógica, este Dicionário tem insuficiências:

 

«validade/invalidade

 

«A correcção ou incorrecção de um argumento. Há dois tipos de validade: a dedutiva e a não dedutiva. Um argumento dedutivo é válido quando é impossível que as suas premissas sejam verdadeiras e a sua conclusão falsa; se isso for possível, o argumento é inválido. Um argumento não dedutivo é válido quando é improvável, mas não impossível, que as suas premissas sejam verdadeiras e a sua conclusão falsa; se for provável, é inválido. Não deve confundir-se este sentido lógico dos termos "validade" e "invalidade" com o seu sentido popular, que significa "com valor" e "sem valor". Assim, popularmente diz-se que uma proposição é válida ou inválida, querendo dizer que tem valor ou que não tem valor (e, muitas vezes, que é verdadeira ou falsa). Mas não se pode dizer que uma proposição é válida ou inválida no sentido lógico do termo. No sentido lógico do termo só os argumentos podem ser válidos ou inválidos; as proposições são verdadeiras ou falsas, interessantes ou entediantes, e muitas outras coisas, mas nunca podem ter a propriedade da validade argumentativa. » DM

 

  Sendo um «especialista em lógica proposicional», Desidério Murcho (DM) mergulha numa falácia anfibológica centrada na noção de «validade argumentativa». ´Que é validade argumentativa? DM define-a de forma vaga: correcção no argumento. Mas não diz se se trata de uma correcção propriamente formal, indepedendente de todo e qualquer conteúdo material - como é o caso da validade dedutiva - ou se se trata de uma correção formal-material, baseada na realidade empírica do mundo - como é o caso da chamada "validade indutiva".

 

Neste segundo caso, nunca se deveria chamar validade mas sim outra coisa: verdade material, plausibilidade (verdade plausível), solidez. DM, tão cuidadoso em vincar que «validade nada tem a ver com verdade» acaba por fundar a validade indutiva na verdade material e nem dá conta disso...Usa pois falaciosamente o termo validade, com duplo sentido, com ambiguidade.

 

Registe-se ainda o erro por vagueza, imprecisão, na definição de argumento não dedutivo fornecida por DM: «Um argumento não dedutivo é válido quando é improvável, mas não impossível, que as suas premissas sejam verdadeiras e a sua conclusão falsa; se for provável, é inválido.» Crítica: Improvável é, ontologicamente, o mesmo que provável: ambos estão na esfera da probabilidade. Onde acaba o improvável e começa o provável? Com que escala se medem? Desidério Murcho não é capaz de o dizer. É uma definição trémula, confusa, a da validade não dedutiva.

 

O PRINCÍPIO DO TERCEIRO EXCLUÍDO É UM PONTO DE CHEGADA E NÃO UM PONTO DE PARTIDA?

 

Outra definição imperfeita, parcialmente errónea, neste Dicionário é a seguinte:

 

«princípio do terceiro excluído

 

«Chama-se "princípio do terceiro excluído" à ideia de que, para qualquer afirmação P, é verdade que P ou não P. Ou seja: o princípio declara que não há uma terceira possibilidade, entre P e não P, seja qual for a afirmação. Por exemplo: relativamente à afirmação "Sócrates é alto", só há estas duas alternativas: "Sócrates é alto" ou "Sócrates não é alto". Quando uma lógica aceita o princípio do terceiro excluído significa que qualquer afirmação com a forma "P ou não P" será uma verdade lógica. Algumas lógicas modernas recusam este princípio, como é o caso da lógica intuicionista. Não se deve confundir o terceiro excluído com o princípio da bivalência: este último é a ideia de que só há dois valores de verdade e que todas as proposições têm um dos dois, e só um dos dois. A relação precisa entre o terceiro excluído e a bivalência é objecto de disputa filosófica. Não se deve também pensar que o terceiro excluído é de alguma maneira um axioma da lógica clássica; na verdade, é um resultado, um ponto de chegada, e não um ponto de partida.» D.M (Dicionário Escolar de Filosofia)

 

Crítica: o princípio do terceiro excluído não se limita ao plano das afirmações (Logos predicativo), como supõe Desidério Murcho. É, antes de mais, um princípio das coisas, dos conceitos (Logos nominal), situadono plano da conceptualização antepredicativa. Exemplo: Peixe ou não Peixe (isto não é uma proposição). A proposição não é o lugar originário da verdade, mas sim a apreensão das coisas, a conceptualização. O pensamento (Noein) vem antes do discurso (Logos). O terceiro excluído existe já aí, anterior a toda a proposição - por exemplo: ser versus não ser - e por isso é um ponto de partida, um modo do ser, e não um mero ponto de chegada como sustenta DM.

 

A AFIRMAÇÃO DO CONSEQUENTE NO SILOGISMO CONDICIONAL NÃO É NECESSARIAMENTE UMA FALÁCIA

 

Este Dicionário veicula o erro lógico da moderna lógica proposicional àcerca da afirmação do consequente da primeira premissa no silogismo condicional MODUS PONENS:

 

«falácia da afirmação do consequente

 

 falácia que consiste em supor que da condicional "Se P, então Q" e da afirmação da consequente dessa condicional, "Q", se pode concluir "P". Exemplo: "Se jogamos bem, então ganhamos o jogo. Ganhámos o jogo. Logo, jogámos bem." É fácil apresentar uma refutação desta forma de argumento com um contra-exemplo com a mesma forma lógica: o argumento "Se isso é sardinha então isso é peixe. É peixe. Logo, é sardinha.", implicando a falsidade "Basta ser peixe para ser sardinha", mostra que este padrão argumentativo é falacioso.» JS (in Dicionário Escolar de Filosofia)

 

Ao contrário do que supõe Júlio Sameiro (JS), afirmar o consequente da primeira premissa de um silogismo condicional na segunda premissa deste não é necessariamente um erro lógico, não é uma falácia.

 

Eis um exemplo de silogismo condicional válido:

 

«Se for ao Porto, entro na Torre dos Clérigos.»

 

«Entrei na Torre dos Clérigos.»

 

«Logo, fui ao Porto».

 

Que falácia existe neste raciocínio? Nenhuma. Está correctíssimo. Mas contraria a norma da lógica proposicional que declara inválido afirmar o consequente da primeira premissa. Este silogismo, válido e verdadeiro, demonstra a pseudociência que é a lógica proposicional.

 

CONFUSÃO DO PRINCÍPIO DA NÃO CONTRADIÇÃO COM O PRINCÍPIO DO TERCEIRO EXCLUÍDO

 

O artigo sobre o princípio da não contradição revela-se um pântano de confusão:

 

«não contradição, princípio da

 

«Chama-se "princípio da não contradição" à ideia de que duas afirmações contraditórias não podem ser ambas verdadeiras nem ambas falsas. Por exemplo: dado que as afirmações "Sócrates é alto" e "Sócrates não é alto" são contraditórias, o princípio declara que não podem ser ambas verdadeiras nem ambas falsas. Quando uma lógica aceita o princípio da não contradição significa que qualquer afirmação com a forma "P e não P" será uma falsidade lógica. Algumas lógicas modernas recusam este princípio, como é o caso da lógica paraconsistente. Não se deve confundir a não contradição com o princípio da bivalência: este último é a ideia de que só há dois valores de verdade e que todas as proposições têm um dos dois, e só um dos dois. Não se deve também pensar que a não contradição é de alguma maneira um axioma da lógica clássica; na verdade, é um resultado, um ponto de chegada, e não um ponto de partida. Aristóteles defende o princípio na sua obra Metafísica (Γ 4). Note-se que a redução ao absurdo só é válida caso se aceite o princípio da não contradição. DM (Dicionário Escolar de Filosofia).

 

Desidério Murcho (DM) designa como princípio da não contradição aquilo que é, de facto, o princípio do terceiro excluído. O exemplo escolhido por DM é defeituoso. De facto, alto e não alto não são contrários na lógica aristotélica, mas contraditórios. Dizer " Sócrates é alto ou é não alto" como, no fundo afirma DM, é exemplificar o terceiro excluído. Distracção fatal deste autor brasileiro que parece especialista em lógica mas se confunde no magma de definições algo desconexas. Se queria escolher um exemplo correcto para o princípio da não contradição seria o seguinte: «Sócrates não pode ser alto e baixo ao mesmo tempo e no mesmo aspecto ou sentido».

 

Aristóteles enuncia assim o  princípio da não contradição, definição que não é a dada por DM acima:

 

«Digamos, em continuação, qual é este princípio; é impossível que o mesmo se dê e não dê no mesmo ao mesmo tempo e no mesmo sentido» (Metafísica, Livro IV, 1005 b).

 

Em suma, o princípio da não contradição enuncia-se assim: uma coisa não pode ser ao mesmo tempo e no mesmo aspecto duas qualidades ou propriedades contrárias entre si. É diferente do princípio do terceiro excluído.

 

O SOFISMA DA "METAFILOSOFIA"

 

Uma definição, surpreendente e sofística, é a de metafilosofia expressa neste Dicionário:

 

metafilosofia

 

«Chama-se "metafilosofia" às teorias acerca da natureza da filosofia. Estas teorias não tratam conceitos como, por exemplo, os de verdade, bem, justiça, dever, beleza, ser, conhecimento, etc.; nem respondem a problemas como, por exemplo, o de saber se todas as desigualdades são injustas ou se existe um sentido da vida, etc.. Em metafilosofia examina-se a natureza dos problemas filosóficos, como se devem estudar as teorias e os argumentos da filosofia, ou que papel desempenha a interpretação de textos, o conhecimento do contexto histórico ou o domínio da lógica no trabalho filosófico. Por exemplo, quando se discute a utilidade, a historicidade ou a universalidade da filosofia está-se em pleno campo metafilosófico.» APC (Dicionário Escolar de Filosofia).

 

A tentação do grupo que está por detrás deste Dicionário Escolar de Filosofia e da revista "crítica na rede" e actual direcção da Sociedade Portuguesa de Filosofia é grande:  como não domina os grandes temas do tronco e das raízes da árvore da filosofia - por exemplo: as ontologias fenomenológica de Heidegger e Sartre, a ontologia reísta de Xavier Zubiri e outras - ficam-se pela rama da lógica proposicional, do que pomposamente chamam lógica modal e procuram transformar estas últimas numa "metafilosofia", isto é, numa "segunda filosofia" que controle como um açaimo o lobo livre da grande filosofia especulativa, do pensamento por excelência. Desde quando é que discutir a utilidade, a historicidade ou a universalidade da filosofia é sair fora do campo da filosofia e constitui «metafilosofia»? Isso sempre foi filosofia e continuará a sê-lo.

 

É óbvio que podemos conceder que as ciências, lógica incluída, ou as religiões são uma metafilosofia - estão além da filosofia - mas não reconhecemos o sentido de "metafilosofia" que António Paulo Costa (APC) quer instituir aqui.

 

www.filosofar.blogs.sapo.pt

 

f.limpo.queiroz@sapo.pt

 

© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)

 

 

 



publicado por Francisco Limpo Queiroz às 23:58
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