Sábado, 5 de Setembro de 2020
Erros no Exame nacional de Filosofia (Prova 714) de 4 de Setembro de 2020

 

O Exame Final Nacional de Filosofia, do 11º ano  de escolaridade em Portugal, Prova 714, 2ª fase, de 4 de Setembro de 2020, enferma de diversos erros. É lamentável que o ministério da Educação mantenha, de ano a ano, na autoria desta prova o mesmo  professor ou grupo de professores da linha da filosofia analítica, isto é, de um pensamento fragmentário e desconexo que ignora hierarquizar, dialeticamente, os conceitos. Estamos na mão de incompetentes que deviam ter a humildade de dar o lugar a quem pensa melhor que eles e sabe elaborar provas de exame nacional isentas de erros teóricos. Vejamos algumas das questões de escolha múltipla («só uma resposta correcta de entre quatro» ) mal construídas desta prova de exame na versão 1.

 

6) De acordo com Hume as nossas expectativas acerca das realidades futuras devem-se:

(A) Ao intelecto, ou razão.

(B) ao hábito ou costume.

(C) à uniformidade da natureza.

(D) à ideia inata de causalidade.

 

Crítica: Há três respostas correctas e não apenas uma, a B, como pretendem os critérios de correção oficial. Na verdade, não é apenas o hábito que nos leva a formular a crença na sucessão de causas e efeitos - o hábito apenas fornece o dado empírico - mas também a ideia inata de causa-efeito, uma das sete relações filosóficas que Hume admite serem a priori, inatas, na mente humana. David Hume escreveu: «Há sete espécies de diferentes de relação filosófica: semelhança, identidade, relações de tempo e lugar, proporção de quantidade ou número, graus de qualidade, contrariedade e causação. Podem dividir-se estas relações em duas classes:as que dependem inteiramente das ideias que comparamos entre si e as que podem variar sem qualquer mudança de ideias. (David Hume, Tratado da Natureza Humana, pag 103, Fundação Calouste Gulbenkian). Por conseguinte, as expectativas sobre o futuro não poderiam surgir se não houvesse em nós a causação ou ideia inata de causalidade (hipótese D) gerada no intelecto (hipótese A).

 

7. Selecione a opção que diz respeito ao problema da definição da arte.

(A) Uma instalação feita de lixo é uma obra de arte apenas por ser exposta numa galeria ou num museu?

(B) Será que a arte deve ter compromissos morais e educativos?

(C) Será que sem a arte a vida se tornaria desinteressante?

(D) A intenção do criador ou do artista é relevante para compreender o significado de uma dada obra de arte?

 

Crítica: Ainda que pareça óbvio que a hipótese A remete directamente para a definição de obra de arte, não é possível ignorar que as hipóteses D - a intenção do artista ser levada em conta para definir obra de arte - e B - a arte deve ou não educar e veicular ética - dizem respeito ao problema da definição de arte. Há pois três respostas correctas, A, B e D e não apenas uma.

 

8) Se um dado objecto não for considerado uma obra de arte  com o argumento de ser impessoal e não comover, a teoria da arte implicitamente admitida como correcta é a teoria 

(A) formalista.

(B) expressivista.

(C) institucional.

(D) histórica.

 

Crítica: a questão está claramente mal construída. Não há uma única mas pelo menos duas definições diferentes de teoria formalista na arte. Se por teoria formalista se entende a teoria de Clive Bell da forma significante (1881-1964) então esta é uma teoria expressivista - «O ponto de partida de todos os sistemas de estética tem de ser a experiência pessoal de uma emoção peculiar. Aos objectos que provocam esta emoção chamamos "obras de arte". (Clive Bell, "A Hipótese Estética" , in Carmo d´Orey, O que é a arte? A perspectiva analítica,  Dinalivro, 2007, p.29). Por conseguinte, não se pode pôr em alternativa expressivismo (B) e formalismo de Clive Bell (A) uma vez que esta última é uma teoria expressivista, identifica a obra de arte como objecto que expressa emoções. Formalismo em arte pictórica tem ainda outro significado: teoria que dá a preponderância às linhas rectas e às figuras geométricas sobre a cor nas pinturas, ou seja, a preponderância do esqueleto-forma sobre a «carne»/cor e a textura-conteúdo.

É ridículo colocar ainda as hipóteses teoria institucional e teoria histórica porque intersectam-se com formalismo e com expressivismo: haverá momentos da história em que a teoria formalista (qual: a de Clive Bel? Ou a da geometria sagrada hermetista?) se torna teoria institucional. É uma questão elaborada por quem não percebe nada de filosofia.

 

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Segunda-feira, 21 de Maio de 2012
Incoerências no livro «Preparação para o exame nacional 2012, Filosofia, 11» da Porto Editora - ou como os inimigos da filosofia se introduzem no castelo do pensar (I)

A Porto Editora lançou um livro de preparação para o restaurado exame nacional de filosofia do 11º ano, que terá lugar em 20 de Junho de 2012, em Portugal. A autoria do dito livro é de Pedro Galvão e António Correia Lopes.

 

E a Porto Editora factura, vendendo dezenas de milhares de exemplares - a 26 euros cada um, ao grande público - de um manual que apresenta consideráveis erros em filosofia, os erros típicos da chamada «filosofia analítica» que, de forma galopante, ocupa lugares de cátedra em muitas universidades e junto de editores, produtores de televisão e gabinetes influentes em ministérios da educação. Professores e autores de manuais de filosofia analítica são, em regra, verdadeiros cavalos de Tróia da sofística, da (anti) filosofia da linguagem, que invadiram a cidade do pensamento, mutilando e deformando este. Vejamos alguns das centenas de erros e equívocos em que este livro flutua pantanosamente. 

 

 

O UTILITARISMO NÃO É UM CONSEQUENCIALISMO, MAS UM ACTUALISMO

 

« O utilitarismo é uma teoria ética consequencialista, pois considera que são as consequências da acção que determinam se esta é moralmente correcta». (Pedro Galvão e António Correia Lopes, «Preparação para o exame nacional 2012, 11º» Porto Editora, pag. 51). 

 

Esta é  uma definição um pouco idiota. O erro desta definição está em confundir o teor da acção (o acto) com as consequências (a potência). O utilitarismo não é consequencialista mas sim actualista: o que conta é agir e o resultado instantâneo, não a consequência. Exemplo: um presidente de uma câmara municipal, sabendo que não há verbas para pagar aos funcionários camarários, desloca verbas afectas a outra rubrica que não de pagamentos de salários e paga de imediato os salários do mês em curso. A consequência imediata deste acto ilegal é os trabalhadores verem o seu sustento assegurado e a consequência mediata, a curto ou médio prazo, é serem obrigados a devolver o dinheiro e o presidente da câmara ser julgado em tribunal. Vemos, pois, que o termo «consequência» é ambíguo: o acto utilitarista do presidente da câmara não foi, verdadeiramente, consequencialista, limitou-se a assegurar a maior felicidade a muitos naquele momento.

  

Por que razão Stuart Mill não definiu a sua doutrina como consequencialismo? Porque era mais inteligente que Simon Blackburn, Peter Singer, Desidério Murcho, Pedro Galvão, António Correia Lopes: consequência é mais do que resultado imediato da acção e Mill centra-se neste. As consequências a médio e longo prazo são, com frequência, contrárias ao utilitarismo. Por isso é equívoco, parcialmente erróneo, definir o utilitarismo como um consequencialismo quando é, sobretudo, um instantaneísmo actual ou actualismo.

 

Imaginemos uma orgia sexual envolvendo 30 pessoas adultas e livres organizada por um casal na sua vivenda de férias: é um acto hedonista, utilitarista visto que satisfaz o prazer de uma maioria ou de todos os envolvidos, no momento (actualismo) mas não é consequencialista uma vez que não há distribuição de preservativos e não prevê as consequências deste acto do qual alguns dos participantes sairão infectados por HIV ou outros males venéreos.

 

UMA ERRÓNEA CONCEPÇÃO DO UTILITARISMO: SOBREVALORIZAR O RESULTADO, ESVAZIAR A INTENÇÃO (DEONTOLOGIA)

 

Escrevem ainda Galvão e Correia Lopes:

 

«CRÍTICAS AO UTILITARISMO:

Objeção do criminoso azarento: se aceitarmos o utilitarismo, alguém claramente mal-intencionado terá agido correctamente ao ter o azar de a sua acção correr mal e tiver consequências benéficas que não foram por si desejadas, e o mesmo para alguém bem-intencionado cuja acção, contra o previsto, gera apenas sofrimento.» (ibid, pag 51).

 

Este é o modelo de raciocínio de autores da "filosofia analítica": isolam aspectos do mesmo fenómeno, neste caso, o resultado e a intenção, e sobrevalorizam o primeiro apagando o segundo. Ora isto não é o utilitarismo de Mill. Este considera a acção eticamente correcta aquela que une um resultado favorável à felicidade de uma maioria, com uma recta intenção. É deontológico. É a deontologia das maiorias ao passo que a moral de Kant é a deontologia da universalidade humana e do seu contrário, o indivíduo singular.

 

Um terrorista que ia fazer explodir uma bomba numa esplanada de restaurante onde estão 100 pessoas mas que morre, ao explodir a bomba involuntariamente num local isolado, sem causar vítimas,  não cometeu um acto bom, segundo o utilitarismo de Mill. Agiu com dolo, ainda que o acaso ou o destino lhe tenham trocado as voltas - mas os autores deste manual sustentam que, segundo Mill, o terrorista cometeu acto benéfico porque menosprezam o peso da intenção no acto moral utilitarista.

 

POR QUE RAZÃO A POSIÇÃO ORIGINAL, SEGUNDO JOHN RAWLS, IMPEDIRIA A NEGOCIAÇÃO?

 

 

Sobre a teoria de John Rawls, escreve-se o seguinte:

 

«CRÍTICAS À TEORIA DE RAWLS:

- Críticas ao acordo sobre os princípios:

. Um acordo implica negociação: na posição original não pode haver genuína negociação. (ibid, pag 53)

 

Porquê? Claro que pode. A posição original é aquela em que, numa assembleia ideal de todos os cidadãos de um país ou região, cada um exprime as suas ideias na moldagem das leis, sem conhecer a posição social e económica dos outros cidadãos, de modo a que não haja constrangimentos. Isto não impede a negociação genuína: se, por exemplo, 500 000 cidadãos sustentam que a lei deve autorizar o aborto voluntário na mulher até às 12 semanas de gravidez e 400 000 cidadãos estão contra, é possível negociar uma lei que seja resultante das vontades opostas, por hipótese, acordarem a permissão do aborto clínico até 8 semanas após o início da gravidez.

 

UMA DEFINIÇÃO UNILATERAL DE OBJECTIVISMO

 

É deste modo que o manual define objectivismo:

 

«O objectivismo (quanto aos valores, ou axiológico) é a teoria de segunda ordem que defende que os valores são propriedades objectivas do mundo, independentes das valorações efetivamente realizadas por indivíduos e culturas. Há, portanto, juízos de valor objectivamente verdadeiros e falsos (são, na verdade, juízos de facto).» (Pedro Galvão e António Correia Lopes, «Preparação para o exame nacional 2012, 11º» Porto Editora, pag. 34; o destaque a negrito é posto por mim). 

 

Esta definição é parcialmente errónea. Há um objectivismo intra anima (dentro da alma) que sustenta que os valores são os mesmos para todas as pessoas, embora não estejam plasmados nos objectos e ações e não existam no mundo exterior: é o objectivismo irrealista. Exemplo: é objectivismo ético considerar que «é má prática a profanação de cemitérios»  e que «violar uma criança é crime». Este objectivismo reside na comunidade de valoração, não está fora desta. Poder-se-ia designá-lo como intersubjectivismo generalizado.

Há um objectivismo extra anima (fora da alma) que diz que os valores de bem e mal são os mesmos para toda a gente e residem nos objectos e actos exteriorizados. Exemplo: o veneno da serpente é um valor de coisa mau, a explosão de uma bomba matando civis inocentes é um acto mau, etc.

 

Esta distinção não é feita na filosofia analítica. É paradoxal: os analíticos carecem de poder de análise, são incapazes de perceber os dois sentidos do termo «objectivismo» ao passo que os dialéticos, como eu, que sou ideomaterialista dialético e não materialista dialético, vão muito mais longe em precisão de conceitos. Dialética é, dito de forma sintética, «um divide-se em dois, que lutam entre si». Nós, dialéticos, somos muito superiores em rigor de pensamento aos analíticos que atomizam o pensamento, perdendo de vista a unidade das diferentes determinações e o devir destas.

 

A confusão sobre o conceito de objectivismo é patente no seguinte exercício do manual:

 

Exercício 1

Selecione a alternativa correcta.

 

1. A distinção entre juízo de facto e juízo de valor não é óbvia, porque para o objectivismo...

 

«A. os juízos de valor são juízos de facto.

 B. os juízos de valor não são juízos de facto.

 C. .os juízos de valor exprimem apreciações.

 D. os juízos de valor descrevem estados de coisas.»  

 

(Pedro Galvão e António Correia Lopes, «Preparação para o exame nacional 2012, 11º» Porto Editora, pag. 168). 

 

A resposta que o manual aponta como certa é  B: «os juízos de valor não são juízos de facto.» (ibid, pag 216)

 

Trata-se de miopia teórica dos autores do manual: admito que a resposta 1-B esteja correcta mas também a 1-C e a 1-D estão. Não é verdade que os objectivistas consideram que «os juízos de valor exprimem apreciações» e que «os juízos de valor descrevem estados de coisas» ?. É. Portanto, não há uma mas três respostas correctas. Logo, o exercício está mal concebido. Serão estes autores os escolhidos pelo GAVE para elaborar o exame nacional de filosofia? Oremos aos deuses para que não sejam... Seria grave se fossem as mesmas pessoas a fazer este manual e a prova de exame- seria um sinal de promiscuidade ilícita entre o Estado e uma editora privada

 

O RELATIVISMO CULTURAL FRACTURA CADA SOCIEDADE, AO CONTRÁRIO DO QUE DIZ A FILOSOFIA ANALÍTICA

 

O relativismo cultural é também definido de forma imperfeita, parcialmente errónea, neste manual.

 

Exercício 4

 

Considere o texto:

 

«O relativismo cultural considera o mundo como algo que está dividido de forma nítida em sociedades distintas. Em cada uma delas não existe desacordo em questões morais, ou o desacordo é reduzido, dado que a perspectiva maioritária determina o que é considerado um bem ou um mal nessa sociedade. Mas o mundo não é assim. Pelo contrário, o mundo é uma mistura confusa de sociedades e grupos sobrepostos; e os indivíduos não seguem necessariamente o ponto de vista da maioria.»

Harry Gensler, Ethics, A contemporary Introduction, 1996

 

1. Defina o relativismo cultural.»

 

(Pedro Galvão e António Correia Lopes, «Preparação para o exame nacional 2012, 11º» Porto Editora, pag. 170; o destaque a negrito é posto por mim). 

 

Antes de mais, convém assinalar o magma caótico do pensamento de Harry Gensler: ele define o relativismo cultural como um tecido homogéneo dentro de cada sociedade - o que é um erro - e como diversidade entre as diversas sociedades - o que está certo. Ora o relativismo cultural é também o haver direitas e esquerdas sócio-políticas no seio da mesma sociedade, gastadores e poupadores, religiosos, agnósticos e ateus, góticos, punks e dreads, heterossexuais, bissexuais e homossexuais. Nada disto é compreendido por Harry Gensler e outros filósofos analíticos nem pelos autores do manual. Nem pela generalidade dos catedráticos de filosofia, em Portugal, no Reino Unido, EUA e outros países.

 

A correcção diz o seguinte:

 

«1. De acordo com o relativista cultural, não há padrões absolutos ou universais do bem e do mal. O facto de algo ser bom, ou algo ser mau, é sempre relativo a sociedades específicas. Se numa sociedade a maioria aceitar que a poligamia (casamento entre mais de duas pessoas) é boa, então a poligamia é boa para essa sociedade; se noutra sociedade a maioria pensar o contrário, então a poligamia será má para essa sociedade.» (ibid, pag. 216; o negrito é colocado por mim)

 

 

Impor a vontade da maioria ao todo social não é relativismo mas absolutismo. Além disso, Absoluto não é o mesmo que universal. Este pode ser relativo à época e vigorar em simultâneo no mundo inteiro. O relativismo é, antes de mais, a variação de classe a classe social,  de grupo a grupo estilístico, religioso, desportivo, de indivíduo a indivíduo, no interior de uma mesma sociedade.

 

Insisto: os pequenos "filósofos analíticos" - em Portugal, representados na revista «crítica na rede», na Sociedade Portuguesa de Filosofia, nos manuais para o 10º e 11º ano do ensino secundário, em nichos universitários influentes, nos autores do presente manual - não têm suficiente poder de análise. São estes impensantes que as grandes editoras - os senhores do negócio, os iluminati - divulgam e pagam.

 

 

UMA DEFINIÇÃO CONFUSA DE DETERMINISMO

 

«A tese que aparentemente se lhe opõe, o determinismo, é especialmente interessante se for tomada como uma tese universal ou radical, no sentido de defender que toda e qualquer ação (e decisão) é, como os simples acontecimentos, inteiramente determinada por factores que os agentes não controlam».(Pedro Galvão e António Correia Lopes, «Preparação para o exame nacional 2012, 11º» Porto Editora, pag. 23; o destaque a negrito é posto por mim). 

 

Ora o indeterminismo biofísico - exemplos: a variação descontrolada da metereologia, gerando, por exemplo, um dia de queda de granizo em pleno verão, uma cadeira levantar-se sozinha do solo e flutuar minutos no ar, contrariando a gravidade terrestre - também se opõe ao livre-arbítrio e gera acções «inteiramente determinadas por factores que os agentes não controlam...» . Portanto, a definição acima dada está envolta na nuvem da vagueza, da ambiguidade.

 

Segundo a lógica de Galvão e Correia Lopes, tudo o que se opõe ao livre-arbítrio se designa por "determinismo"... Assim este conceito resulta interpretado como uma amálgama, de leis da natureza, excepções e acaso. A filosofia analítica, longe do mundo das ciências empírico-formais, não define, invariavelmente, o determinismo como a conexão necessária entre as causas X e os efeitos Y. Afasta-se desta definição para dizer que determinismo é a conexão passado-presente-futuro. Ora isto é um erro: a conexão passado-presente-futuro tem quase tanto de determinista como de indeterminista para as filosofias que conferem um papel de destaque ao acaso, isto é, ao factor indetermista.

 

O que há de necessário, determinista, na conexão passado-presente-futuro é o fluxo do tempo, a constância geológica e geográfica, as leis permanentes da natureza (as leis gerais da vida das aves, dos mamíferos, dos seres humanos, etc): o ano de 1925, sucede ao de 1924, este ao de 1923... Decerto, há determinismo no princípio da identidade: o território de Portugal continente é em 2012 o mesmo que em 1950 e em 1870. Mas há na conexão passado-presente-futuro uma boa dose de indeterminismo aparente:  o acidente nuclear na Ucrânia em Abril de 1986, a instalação de uma fábrica poluente na região X, a queda do regime líbio de Kadhafi em 2011, a revolução na Síria em 2012, a generalização do uso de piercings e telemóveis entre os adolescentes na primeira década do século XXI, etc.

 

A EQUÍVOCA DIVISÃO COMPATIBILISMO VERSUS LIBERTISMO E DETERMINISMO RADICAL

 

 

Mas a incapacidade dialética - e por dialética entenda-se, não o discurso sofístico, mas a determinação das múltiplas unidades de dois contrários que constituem a essência de cada coisa ou de cada tema do pensamento- de Pedro Galvão e António Correia Lopes e dos filósofos analíticos em geral é visível. Por exemplo, a seguinte divisão:

 

«2.2.5 Compatibilismo e incompatibilismo

 

Face ao problema em discussão, podemos adotar uma de duas posições filosóficas:

 

1. Incompatibilismo: o determinismo implica a rejeição do livre-arbítrio.

2. Compatibilismo: determinismo e livre-arbítrio são compatíveis.

 

O incompatibilismo admite, por sua vez, duas versões:

 

1.1 Determinismo radical: o determinismo é verdadeiro e o livre-arbítrio é uma ilusão.

1.2 Libertismo: temos livre-arbítrio, e assim, o determinismo é falso porque pelo menos alguns acontecimentos (incluindo as ações ou apenas elas) não são determinados. »

(Pedro Galvão e António Correia Lopes, «Preparação para o exame nacional 2012, 11º» Porto Editora, pag. 26; o destaque a negrito é posto por mim). 

 

Ora aqui existe uma confusão gritante: o libertismo, que implica livre-arbítrio ao lado de determinismo, é denominado uma forma de incompatibilismo mas é o mesmo que o compatibilismo, que implica livre-arbítrio ao lado do determinismo. No entanto, são apresentados como se fossem coisas distintas! Mas não são: do modo como estão definidos, libertismo é o mesmo que compatibilismo ou determinismo moderado, lembrando a frase de Heraclito «o caminho que sobe e o caminho que desce são um e o mesmo».

 

Só esta confusão, de que são cúmplices e fautores filósofos como Thomas Nagel, Peter Singer,  Simon Blackburn, e muitos outros, além dos catedráticos portugueses da filosofia analítica (João Branquinho, Ricardo Santos, etc) mostra como é pobre o campo da filosofia analítica, centrada no estudo da linguagem sem abarcar globalmente o campo dos referentes (extralinguísticos). Eles não pensam! Não visualizam o espaço conceptual, os géneros e as espécies, organizados vertical ou horizontalmente. Não distinguem por exemplo, determinismo radical - prefiro designá-lo como determinismo sem livre-arbítrio - de fatalismo. Decoram mecanicamente, enrolam-se no fetichismo das palavras, sem discernir o significado destas. São intelectualmente medíocres, como é medíocre este manual da Porto Editora e possivelmente - se não se inflectir caminho - será medíocre, no seu teor, o exame nacional de filosofia em Junho de 2012, em Portugal!

 

FALÁCIAS DE MINÚCIAS 

 

 Acerca do estatuto do conhecimento, o delírio (hiper) analítico dos autores chega a conceber respostas escandalosamente anti filosóficas, porque redutoras. Vejamos exemplos:

 

«10. ESTATUTO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO  

Exercício 1.

Selecione a alternativa correta.

 

2. Uma proposição empiricamente verificável é aquela que...

A. é comprovada pela experiência.

B. pode ser comprovada pela experiência.

C. tem de ser comprovada pela experiência.

D. tem que ser refutada pela experiência.(Pedro Galvão e António Correia Lopes, «Preparação para o exame nacional 2012, 11º» Porto Editora, pag. 34; o destaque a negrito é posto por mim). 

(pag 206)

,

 

A solução indica que a única resposta correcta é a B. É uma falácia por redução, de minúcias: considera-se que poder ser comprovada está certo mas que ser comprovado não...É ridículo: uma proposição empiricamente verificável é aquela que é comprovada pela experiência, como diz a hipótese A; e é aquela que tem de ser comprovada pela experiência, como diz a hipótese C. Logo há três hipóteses de resposta certa: A,B e C. Este tipo de pergunta é perfeitamente arbitrário, é um jogo de linguagem inadmissível para quem pensa verdadeiramente. Algo similar sucede com o seguinte exercício:

 

8. Segundo o critério de demarcação de Popper, uma teoria científica é aquela que...

A. foi refutada pela observação.

B. tem que ser refutada pela observação.

C. pode ser refutada pela observação.

D. pode ser refutável pela observação.

 

(Pedro Galvão e António Correia Lopes, «Preparação para o exame nacional 2012, 11º» Porto Editora, pag. 207; o destaque a negrito é posto por mim). 

 

A solução aponta como certa a resposta C (ibid, pag 252). É óbvio que a resposta D está igualmente correcta.

 

 

O EMPIRISMO NÃO EXCLUI AS IDEIAS INATAS

 

O manual insiste numa ideia errónea muito disseminada:

 

 

«Os empiristas defendem que todo o conhecimento do mundo é a posteriori. Os racionalistas defendem que algum desse conhecimento é a priori.» (Pedro Galvão e António Correia Lopes, «Preparação para o exame nacional 2012, 11º» Porto Editora, pag. 121; o destaque a negrito é posto por mim).  

 

O erro destas frases refuta-se do seguinte modo: o empirismo em geral defende que quase todas as nossas ideias derivam directamente das impressões sensoriais ( exemplo: a ideia de oliveira é uma cópia desbotada das oliveiras que vimos) e outras, as ideias mais abstractas, resultam de associações de ideias (exemplo: a ideia de Deus é fruto da associação das ideias complexas de pai, de juíz, de imperador, de super homem, etc); mas, para parte dos empiristas, algumas daquelas impressões podem ser impressões inata ou geneticamente gravadas nos orgãos dos sentidos (Como podemos percepcionar o amarelo se não houver a cor amarela nas nossas fibras ópticas? Como podemos percepcionar o perfume da rosa se não existir, como impressão inata, o cheiro da rosa nas nossas fibras olfactivas?) Só o semelhante reconhece o semelhante.

 

É um equívoco identificar racionalismo com inatismo. Há racionalistas que defendem a teoria da tábua rasa, isto é que nascemos com a mente vazia de conhecimentos. Inatismo é um género que intersecta em parte os géneros empirismo e racionalismo, que mutuamente considerados, são espécies de um género maior.

 

 DEFICENTE CLASSIFICAÇÃO DAS CORRENTES DA ARTE

 

No capítulo V, A dimensão estética, o manual oferece-nos três correntes sobre a arte : a teoria da arte como imitação, a teoria expressivista e a teoria formalista. E dá as seguintes definições:

 

«5.2.1. A teoria da arte como imitação

«Trata-se da mais antiga teoria da arte, aquela que vigorou durante mais tempo. Ela remonta aos grandes filósofos gregos Platão e Aristóteles, que defenderam que a arte consiste na imitação da natureza, ainda que o tenham feito de forma diferente - no caso do primeiro, como uma acusação à arte. É também conhecida como teoria mimética da arte...» .(Pedro Galvão e António Correia Lopes, «Preparação para o exame nacional 2012, 11º» Porto Editora, pag. 56). 

 

«5.2.3  A teoria expressivista

«Segundo esta teoria, a que está mais próxima do que a maioria das pessoas ainda actualmente pensa sobre a obra de arte, as obras de arte são veículos de expressão de sentimentos ou de emoções vividas pelos seus autores e, por isso, podem despertá-los naqueles que as contemplam. Trata-se de uma perspectiva que dá extrema importância à parte espiritual da experiência da arte. Ela ficou sobretudo associada ao Romantismo (século XIX), época em que substituiu a teoria da imitação...» (ibid, pag. 57)

 

«5.2.5 A teoria formalista

«A tese de Kant de que a beleza decorre apenas da pura forma de um objecto, e não da sua utilidade, representou uma antecipação da teoria formalista, que se desenvolveu na segunda metade do século XX, destacando-se o inglês Clive Bell.

Segundo esta teoria, o que faz de algo uma obra de arte é o facto de possuir uma forma que pode ser apreciada esteticamente. Assim, o que é artístico numa obra não é a sua capacidade para gerar emoções, mas as relações entre as suas qualidades formais: na pintura, as cores e figuras, e o seu equilíbrio; na poesia, os sons as repetições e cadências de palavras...» (ibid, pag 59)

 

Esta divisão triádica está mal elaborada. Em primeiro lugar, a arte como imitação da natureza não apresenta, neste esquema, um contrário, isto é, a corrente da arte como não imitação, transfiguração da natureza ou desnaturação. Expressivismo não é contrário de imitação da natureza: a exteriorização das emoções do artista (expressivismo) é compatível com a imitação da natureza. Assim, o quadro «Mona Lisa» é simultaneamente imitação da natureza e expressão do olhar subjectivo do pintor Leonardo da Vinci. Imitação (naturalismo) e expressão (subjectivismo) são espécies de géneros diferentes compatíveis entre si.

 

O formalismo, entendido como proporção e medida entre os diversos componentes da obra de arte e característica principal desta, é uma espécie de um terceiro género, compatível com imitação e expressivismo. A falta de conhecimento da dialética faz com que estes autores "analíticos", Pedro Galvão e António Correia Lopes, sejam incapazes de ordenar correctamente os conceitos e perceber com clareza as suas correlações recíprocas. De nada lhes servem os inspectores de circunstâncias e as derivações: não captam o pensamento vivo e multifacetado, a realidade dialética.

 

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Terça-feira, 3 de Março de 2009
Procedimentalismo opõe-se a Formalismo e a Substancialismo Éticos? (Sobre um livro de Adela Cortina)

No seu livro «Ética sin moral», na busca de sistematizações conceptuais perfeitas, a filósofa espanhola Adela Cortina joga com três conceitos num mesmo plano da ética: formalismo, procedimentalismo e substancialismo.

 

«Contamos - dirá Habermas - com teorias da justiça construídas procedimentalmente que, situadas na tradição kantiana, dão maior credibilidade ao ponto de vista defendido: o neocontratualismo rawlsiano, «decisionista» em excesso, no parecer de Habermas; a kolhbergiana teoria do desenvolvimento da consciência moral, suficientemente «empática» para o gosto habermasiano por servir-se da assunção do papel, e a ética discursiva, que se sente mais próxima de Kant por nos apetrechar de um proceder argumentativo na formação racional da vontade, mas que acredita superar Kant porquanto a universalidade proposta é procedimental e não meramente formal. Nestas três posições demonstra-se que o direito procedimental e a ética postconvencional remetem um para o outro, evitando os inconvenientes do jusnaturalismo material.»

(Adela Cortina, Ética sin moral, Tecnos, Madrid, pags 176-177, traduzido do castelhano e destacado em negrito por nós)

 

Neste texto acima, a autora opõe o procedimental ao formal, atribuindo este a Kant.

 

«Mas prescindir da bondade da intenção, desinteressar-se do que faz moralmente bom um móbil - que o converte em móbil moral - e deslocar o interesse ético exclusivamente para o que faz correcta uma norma situa - no meu parecer - a ética e a moral num lugar bem precário. Parece que a interioridade do formalismo não se supera, conservando-a, mas se abandona em proveito da exterioridade do procedimentalismo.» (Adela Cortina, Ética sin moral, pags 191-192).

 

Neste segundo texto, Adela Cortina opõe o formalismo, pelo seu interiorismo, isto é por nascer e se mover na pura subjectividade de cada um - como é o caso de Kant, cuja ética autoriza a formação de imperativos categóricos contrários entre si, segundo os indivíduos, como por exemplo: «Dá sempre esmola a um mendigo pois gostarias que tal fosse lei universal da natureza» e «Nunca dês esmola a mendigos pois isso suscita a indignidade humana» - ao procedimentalismo, que acaba por ser exteriorismo, uma vez que parte simultaneamente da esfera da reflexão interior e da esfera da interacção  exterior - como é o caso de Habermas, pensador misto de neomarxismo e neokantismo, com a sua ética procedimental do diálogo em que a autonomia de cada indivíduo se conjuga com a de outros.

 

A contradição surge, no entanto, na seguinte passagem do livro de Adela Cortina:

 

«É necessário, pois, pronunciar de novo o «zurück zu Kant - e recuperar - ainda que transformando-o - o procedimentalismo ético de Kant»  (Adela Cortina, Ética sin Moral, pags 219-220).

 

Mais acima, a ética de Kant era definida como formalismo e este indicado como oposto ao procedimentalismo. Agora, Kant é designado como procedimentalista. Há, pois, um deslizar na fixidez do conceito de procedimentalismo por parte de Adela Cortina.

 

O que é o procedimentalismo? Se não é um formalismo puro, será um formalismo, no que respeita a conteúdos de bens morais, adicionado a um substancialismo de regras de diálogo social?

 

«Sem embargo, as éticas deontológicas, procedimentalistas e de princípios, que vieram à luz através da Grudlegung e da Crítica da Razão Prática, mantêm hoje uma pujança não alcançada desde a época de Kant. Apesar das críticas procedentes do neoaristotelismo e do neohegelianismo; apesar dos ataques surgidos do neonietzschianismo , as éticas deontológicas e de princípios ocupam hoje um lugar privilegiado» .

«Sem embargo, no juízo dos neoaristótélicos, as éticas procedimentais fracassaram. No melhor dos casos, Charles Taylor concede que pode manter-se o potencial destas éticas, com tal que se reconstruam a partir de uma ideia do bom, com a qual se lograria mediar as éticas procedimentais com as substanciais.» (Adela Cortina,  Ética sin moral, Tecnos, pags 220-221).

 

Decerto, infere-se que o neoaristotelismo e o neohegelianismo são éticas substancialistas, ao passo que o kantismo não. Mas um problema permanece: formalismo é procedimentalismo? Em um trecho, Adela afirma que não, e em outro sustenta que sim.

 

Há, pois, uma contradição na sistematização de Adela, filósofa que, contudo, nos parece superior aos teóricos ingleses, australianos e norte-americanos da ética como James Rachels, Peter Singer, Michael Smith, Richard M.Hare e outros.

 

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Quarta-feira, 30 de Julho de 2008
Um formalista «contra» o formalismo no ensino

Depois de escrevermos neste blog artigos atacando o formalismo do Modus Tolens e do Modus Ponens e a grande mentira da lógica proposicional, veio um dos arautos desta em Portugal,  Desidério Murcho, publicar no De Rerum Natura um artigo «contra» o formalismo no ensino, em 4 de Julho passado.

 

A primeira característica do artigo de Murcho é a sua incapacidade de definir formalismo. Começa por identificá-lo como autoritarismo associado a incapacidade de explicar a razão de ser das coisas. Escreve D.M:

 

«Não é fácil fazer um diagnóstico iluminante do formalismo, mas pelo menos as seguintes parecem propriedades dominantes:

1) Incapacidade para explicar realmente a razão de ser das coisas. Em vez disso, afirma-se categórica e autoritariamente que é assim e pronto. Por exemplo, em vez de se explicar cuidadosamente por que razão a multiplicação de um número positivo com um negativo dá um número negativo, limitamo-nos a fazer os estudantes decorar que “mais com menos dá menos”. É por causa deste aspecto que muitos partidários do “eduquês” se insurgem contra a memorização, mas isto é um disparate (que resulta precisamente de formalismo, ironicamente). Aquilo que qualquer especialista competente da educação sabe e afirma é que a memorização não pode substituir a compreensão, e não que a memorização tem de ser eliminada do sistema de ensino. Mas como os maus técnicos de educação sofrem eles mesmos de formalismo, não sabem muito bem por que razão devemos “ser contra” a memorização, e acabam por trocar as tintas.» (D.Murcho, O Formalismo no Ensino)

É bom que se note a pirueta acrobática de Murcho: passou anos a combater a memorização, que identificava com a história da filosofia, em nome do raciocínio livre, mas agora rectifica e concede importância à memorização. Desidério é, não o esqueçamos, o grande propagador em Portugal da ideia errónea de que «a história da filosofia nada tem que ver com a filosofia», ideia que se enraízou na grande maioria dos professores de filosofia, superficiais no raciocínio e no espírito crítico.

 

Depois Desidério Murcho identifica formalismo com "incapacidade de escolher os conteúdos mais importantes". Continua ele a descrever assim o formalismo:

 

«2) Incapacidade para escolher os conteúdos relevantes. Em qualquer área de estudos há pormenores que nunca mais acabam. (D.M. , Formalismo no Ensino)

 

Comentário nosso: Nada disto designa especificamente o que é o formalismo. A incapacidade de escolher conteúdos relevantes é própria de muitas posições substancialistas, anti formalistas.

 

Continua D.M tentando esboçar o que entende por formalismo:

 

«3) Incapacidade para fazer perguntas com elevado grau de discriminação cognitiva. (Por “grau de discriminação cognitiva” refiro aqui a capacidade para distinguirmos os estudantes que compreendem realmente as coisas dos que não as compreendem mas as memorizaram.) Ao fazer exames o formalismo reaparece. Como? Fazendo-se perguntas que não testam realmente a compreensão que o estudante tem das matérias ou das metodologias, mas antes a mera memorização acéfala. O que significa que os alunos podem acabar os seus estudos com óptimas classificações sem no entanto fazerem a mais pequena ideia da realidade do que estudaram: aprenderam apenas a memorizar e repetir mantras sem sentido. » (D.M.)

 

Comentário:  Apesar de ter razão na crítica feita aos exames, Desidério Murcho confunde memorização mecânica, ininteligente, com formalismo. Ora a memorização mecânica pode ser substancialista, isto é, estar repleta de conteúdos teóricos decorados, sem ligação viva entre si...

 

Prossegue  D.M na sua nebulosa caracterização do formalismo:

 

«4) Transposição para o ensino do formalismo herdado. Muitos de nós fomos educados no formalismo, nomeadamente académico: dissertações de mestrado e doutoramento que nada realmente dizem, que são meros resumos do que outros escreveram, sem que o autor compreenda realmente o que está a resumir; aulas intermináveis na faculdade em que o professor só está preocupado em fingir-se superior mas quase nada do que diz ele compreende cabalmente; repetição acéfala dos chavões académicos da moda ("paradigma", "construção", "identidade", etc.) sem que se pare para pensar no que estamos realmente a dizer. Como quase todos fomos vítimas deste ensino, é natural que ao ensinar perpetuemos a fraude. » (D:M. , Formalismo no ensino).

 

Comentário nosso: as dissertações académicas são, em regra, substancialistas e não formalistas. Desidério não percebe, de facto, o conceito de formalismo, confunde-o, aparentemente, com formalismo hierárquico (títulos universitários, graus na carreira académica).

 

FORMALISTA ESCONDIDO DE RABO DE FORA

 

Afirmar como Desidério Murcho e o seu grupo que «os argumentos não são verdadeiros nem falsos, são apenas válidos e inválidos» é formalismo. É despir a paisagem da verdade das suas cores, sons, cheiros e sabores, é retirar-lhe a substancialidade, e reduzi-la a meras formas abstractas. É substituir o pensamento vivo por fórmulas abstractas decoradas. Murcho não identifica o que é realmente o formalismo porque se o identificasse estaria a atacar-se a si mesmo. Gato escondido com rabo de fora...

 

Os formalistas afirmam, com base no argumento da autoridade, que «está errado o seguinte raciocínio»:

 

«Se estou na América do Sul, visito o Brasil».

«Não estou na América do Sul».

«Logo, não visito o Brasil».

 

Ao contrário, sustento que este raciocínio é absolutamente válido e que a regra geral do modus tollens inválido, invocada por Murcho e outros para classificar este raciocínio, está errada.

 

Aquilo que Desidério Murcho não diz é que o formalismo no ensino é a sobrevalorização da lógica formal, aristotélica, interproposicional ou outra. E que ele, Murcho e o seu grupo, são impulsionadores desse formalismo, em detrimento da lógica informal, do substancialismo vivo das ideias e teorias. Fizeram-no aliás em obediência à corrente tecnocrática europeísta que visa desideologizar o ensino, retirando-o, por um lado da planície da metafísica tradicional (Aristóteles, Platão, Lao Tse, Tomás de Aquino. etc) ou contemporânea (Heidegger, Sartre, etc) e por outro lado da filosofia da revolução social (Marx, Bakhounine, Guy Debord, Marcuse, etc).

 

Se hoje muito dos nossos alunos são analfabetos no que se refere a conhecer as ideias de Platão ou de Marcuse, a discutir política e a discernir o carácter ideológico das ciências  e a perceber os mecanismos alienantes da sociedade de consumo devem-no, em parte, a Desidério Murcho e aos que como ele tudo fizeram para hipertrofiar a lógica formal e a argumentação nos programas de filosofia do 10º e 11º ano, substituindo o movimento vivo e historicizado das ideias pelas «tabelas de verdade» e regras vazias da lógica proposicional.

 

Nota: Nos artigos que assina, Desidério Murcho faz questão de apontar como sua profissão... filósofo. Falta-lhe, sem dúvida, modéstia e sentido da realidade: filósofo não é uma profissão mas uma condição à qual não acede quem quer mas quem pode, isto é, aquele a quem os deuses ou o destino conferiram uma inteligência em elevado grau. Ora Murcho, sem embargo de ser trabalhador e ter obra como tradutor e autor de manuais, é de mediana inteligência - ou médio-elevada, no máximo - e não possui estatura intelectual ou obra original que o credencie como um filósofo no sentido estrito da palavra. É um professor de filosofia e cronista que reproduz como «seu» muito do que lê e traduz. E é igualmente um membro de um lobby editorial que ganha muito dinheiro com a obrigatoriedade de imposição do mesmo manual escolar durante 6 anos nas escolas secundárias de Portugal. O que lhe falta em capacidade filosófica sobra-lhe em habilidade de marketing  de produtos filosóficos de fraca qualidade para a grande massa e em capacidade de silenciar, nos media, na medida em que puder, os que na área da filosofia lhe destapam as incoerências e limitações.

 

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Sábado, 23 de Dezembro de 2006
Mito e Sofisma em torno da Lógica Proposicional Simbólica

Está, hoje, na moda,  o pensamento superficial de que «a lógica proposicional é o eixo principal do pensamento filosófico e de que, sem ela, este não é possível».

 

No entanto, os pequenos pensadores adeptos desta lógica - em Portugal, com destaque para Desidério Murcho e o seu grupo antifilosófico de «filósofos» mediáticos que influenciam o Ministério da Educação - nunca souberam explicar a razão pela qual Marx, Freud, Nietzschze ou Heidegger desconheciam ou não utilizavam essa lógica e pensavam, no entanto, muito melhor do que Desidério e muitos dos «analíticos.» 

 

É que Marx, Freud, Nietzsche e Heidegger raciocinavam segundo uma lógica ideal, informal, noção desconhecida, pelo menos aparentemente, para a lógica interproposicional e prévia a esta.

A lógica proposicional bivalente, simbólica é uma tabuada que nem sequer cobre o espectro completo do pensamento. Com ela, ainda que se domine os operadores de verdade ou verofuncionais- meros nexos lógicos entre as proposições - pode-se errar na delimitação dos conceitos entre si, na sua correlação, que é prévia à formação do juízo.

 

Por exemplo, o problema de saber se  «a filosofia é exterior ou interior à ontologia» não pode resolver-se através da lógica proposicional. Porque esta é destituída de intuição substancial, é um conjunto de regras, um aparelho formal. Exemplo:  o raciocínio «Se chover, levo guarda-chuva»  representa-se nesta lógica por p -> q, sendo p =chover e q=levo o guarda-chuva. Simplificação, útil nalguns casos e deformante noutros.

 

É pela lógica ideal ou material, também chamada lógica informal - que principia com a noologia ou delimitação e caracterização dos conceitos, anterior a qualquer regra - que se responde ou se resolve o dito problema. Uns dirão que a ontologia é um domínio da filosofia, sendo portanto interior a esta. Outros dirão que a ontologia é exterior, em parte ou na totalidade, à filosofia, isto é engloba esta e outros domínios ou é completamente alheia à filosofia.

 

Desidério Murcho, repetindo o positivismo lógico, sustenta que «a questão do ser é um pseudoproblema filosófico». Trata-se de um sofisma deste professor radicado no Brasil em 2011. Quanta superficialidade sofística naquela frase! Há diversas acepções da palavra ser. E uma delas, o ser como relação predicativa, de pertença ou exclusão de A em relação a B, inclui a lógica proposicional simbólica. Se o ser é um pseudoproblema, então a lógica proposicional simbólica também o é, dado que esta é uma vertente conceptual do ser.

 

Os apologistas da lógica proposicional bivalente como «a grande, a verdadeira arte de pensar, sem a qual não existe autêntica filosofia» equivalem, de facto, aos ritualistas dentro do catolicismo, aos defensores da missa em latim como «o verdadeiro sacrifício oferecido a Deus, ao contrário da missa em vernáculo, sem valor»- como se a forma fosse mais importante do que o conteúdo e valesse a pena, aos olhos da divindade, rezar em latim no templo e ter, ao mesmo tempo, uma atitude de banditismo e fraude no plano económico-social e político, prejudicando outras pessoas, com absoluto egoísmo!

 

Agradaria a Deus , supondo que este existe, que um torturador e assassino, funcionário da ditadura chilena de Pinochet, frequentasse a missa em latim, diariamente, no intervalo das sessões de tortura de opositores que promovia? Decerto que não, do mesmo modo que não agradam à fecundidade do pensamento filosófico os formalistas analíticos que sabem de cor as tabelas de verdade mas pensam mal...

 

Aquilo que se denomina correntemente "filosofia analítica" não é senão, em larga medido, a expressão da ideologia da burguesia nesta época da globalização, a expressão formalista das relações económicas capitalistas em que o valor de verdade se mede pela capacidade de fazer dinheiro - o dinheiro é em si mesmo um símbolo - e a ideologia política é «posta de lado», aparentemente, como sendo um «pseudoproblema». Neste sentido, os Desidérios, de Portugal e de outros países, são apenas comissários políticos de uma classe social privilegiada, eurocratas, metafísicos em sentido negativo que, totalitariamente, reservam à filosofia um destino de marginalização.

 

É contra estes tecnocratas medíocres do pensamento, estes carcereiros das ideias atrás das grades do formalismo, que disfarçam a sua ausência de ideias criativas e de racionalidade holística com a memorização da tabuada das regras, e contra o seu mito/sofisma da pretensa «superioridade da lógica proposicional» que temos de defender o galeão da filosofia, carregado de ouro de teorias, nos mares agitados da cultura mediática.

 

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(Direitos de autor reservados para Francisco Limpo de Faria Queiroz)

 

 

 



publicado por Francisco Limpo Queiroz às 17:37
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