Quarta-feira, 4 de Setembro de 2013
Eckhart Tolle e a filosofia da aceitação

Eckhart Tolle, escritor alemão residente no Canadá, de seu verdadeiro nome Ulrich Leonard Tolle (16 de Fevereiro de 1948), célebre difusor da filosofia Zen no Ocidente, insiste na tese de que a infelicidade do ser humano advém do seu Ego, do corte que este opera com a natureza e a serenidade inerente a esta. O erro do homem é pensar sempre racionalmente e catalogar as coisas segundo ideias preconcebidas, como, por exemplo, os dogmas religiosos. Tolle escreveu: 


«Será que estou a dizer: "Aproveita este momento. Sê feliz"? Não.


«Deixe que o momento seja "como é". Isso basta. Entregar-se é render-se a este momento e não a uma qualquer história que o explique e à qual se resigne depois. »


«Por exemplo, poderá acontecer uma doença que nunca mais lhe permita andar. A circunstância é como é.»

«Estará a sua mente a inventar agora uma história que diga: "Foi a isto que a minha vida chegou? Acabei numa cadeira de rodas. A vida tratou-me com dureza e injustiça. Eu não mereço isto".»


«Será que consegue aceitar que o momento é assim, sem o confundir com a história que a mente elaborou à volta dele?»


«A entrega surge quando deixar de perguntar: "Porque é que isto me está a acontecer"?


« Mesmo na situação aparentemente mais inaceitável e dolorosa, oculta-se um bem mais profundo, e em qualquer infortúnio existe o sentimento da graça.»


«Ao longo da história tem havido homens e mulheres que, perante grandes perdas - a doença, o cativeiro ou a morte iminente - aceitaram o aparentemente inaceitável e assim encontraram "a paz que ultrapassa toda a compreensão"».


«A aceitação do inaceitável é a maior fonte de graças do mundo.» (Eckhart Tolle, A voz da serenidade, páginas 77-78, Editora Pergaminho).


Nestes pensamentos, é patente a filosofia da resignação, estóica e cristã, que procura extrair o bem - a serenidade de espírito - da situação de «mal irreparável ou mal imediato mas reparável». No entanto, esta posição filosófica, preciosa para combater o stress da vida em sociedade, não é sempre válida. Tudo é relativo.


Uma criança perseguida por um pedófilo que quer abusar dela deve «aceitar o momento», ficar na passividade, ou deve reagir lutando, «rejeitando o momento», gritando ou fugindo do malfeitor? A resposta certa é: deve reagir, impedir o pedófilo de consumar o seu vício. Um trabalhador com 50 anos de idade deve aceitar passivamente o despedimento que, de subito, cai sobre ele ou deve buscar novo emprego ou pelo menos pedir ajuda no centro de emprego? Deve reagir e não aceitar passivamente.


A imobilidade que a filosofia da resignação acarreta é perigosa. Já Hegel dizia que o estoicismo era a filosofia dos escravos. Ainda recentemente na Índia, onde o cristianismo, - filosofia mãe dos direitos humanos universais, do socialismo, do comunismo e do anarquismo, como diria Nietzschze - penetrou pouco, centenas de milhar de pessoas adoeciam ou morriam nas ruas sem os devidos cuidados, porque  a filosofia da indiferença e da aceitação de que o sofrimento dos outros se deve aos seus «karmas» está enraízada. 


Se, como diz Tolle «a aceitação do inaceitável é a maior fonte de graças do mundo.» então seria a maior fonte de graças  do mundo aceitar o nazismo ou a ditadura comunista generalizados, o assassinato por "dá cá aquela palha", a guerra entre países ditada por ambições económicas, a escravidão de mulheres e homens e crianças, etc. Não haveria que combater Hitler em 1939-1945 mas sim deixá-lo apoderar-se da Europa e nazificá-la, não haveria que combater Estaline e o Goulag. O quietismo social por cedência ante os mais fortes seria a fonte das graças. Esta visão é comum ao catolicismo tradicionalista, ao budismo, ao hinduísmo, ao taoísmo mas não se coaduna com o movimento da história. Resistir ao mal é um dever superior à aceitação desse mal.


A insuficiência da filosofia de Tolle reside no facto de minimizar, sob o lema da aceitação,  os momentos verdadeiramente maus  ou ilusoriamente bons do agora - e a vida está de facto contida no Agora - e propor a rendição ao momento presente, a esse «agora». Mas o agora não subsiste sozinho: precisa do passado e visa o futuro, é hipocrisia absolutizá-lo, desconectá-lo dessas duas asas.


Norman Vincent Peale escreveu:


«A lembrança é uma das maiores faculdades. A capacidade de reter informações e experiências é de vital importância. Contudo, é uma arte mais subtil a de poder expulsar do espírito - ou pelo menos de um lugar saliente nele - os fracassos, os acontecimentos e as coisas desagradáveis que devem ser esquecidas. É uma grande habilidade ter o dom de poder escolher o que é bom e dizer: "Vou guardar essa doce lembrança na memória. Quanto àquela outra, lançá-la-ei longe de mim". Para ser eficiente, feliz, poder ter absoluto domínio da força e progredir, é preciso aprender a esquecer». (Norman Vincent Peale, Como confiar em si e viver melhor, pag 123, Editora Cultrix)


A vida é dialética: o tempo não se reduz apenas ao agora, o passado sobrevive como reservatório de informações e sustentáculo social e profissional, o futuro surge previsível em larga medida e não pode ser apagado, de todo, na fruição do presente. 


Se um estudante, que recebe duzentos e cinquenta euros mensais para se alimentar e deslocar, os gastasse todos numa noite de orgia ou de casino, seguindo o princípio de «vive apenas o momento presente», como se aguentaria no resto do mês? Seria uma insensatez. Só a visão holística do tempo («Extrai ensinamentos do passado sabendo que este já não existe, vive o presente, o único real em termos físicos, e planeia o futuro») é a base da verdadeira serenidade. 

 

 

 

www.filosofar.blogs.sapo.pt
f.limpo.queiroz@sapo.pt

 

© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)



publicado por Francisco Limpo Queiroz às 11:08
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