A filosofia Aristóteles distingue-se da de Platão na medida em que procura demonstrar que as essências não existem separadamente em si mesmas, fora do mundo material e vital. Assim acontece com a essência infinito espacial :
«Ora bem, é impossível que o infinito seja separável das coisas sensíveis e que algo seja infinito em si mesmo. Porque se o próprio infinito não fosse uma magnitude nem uma pluralidade, mas sim uma substância e não um atributo, seria então indivisível; porque o divisível ou é uma magnitude ou uma pluralidade. Mas se é indivisível não é infinito, salvo que o fosse como a voz é invisível. Mas os que afirmam a realidade do infinito não dizem que seja desta maneira, nem que é isso o que buscamos, mas que o infinito é algo "que não pode ser percorrido". Mas se o infinito existe como atributo nunca poderá ser, enquanto infinito, um elemento constitutivo das coisas, como tampouco o invisível o é da linguagem, ainda que a voz seja invisível.»
«Ademais, como é possível que exista o próprio Infinito, se não existem o próprio Número e a própria Magnitude, dos quais o infinito é em si uma propriedade? A necessidade de que exista este infinito é ainda menor do que a do número ou da magnitude em si.» (Aristóteles, Física, Livro III, 204 a, 5-20; a letra negrita é posta por mim)
É muito interessante a visão aristotélica: o infinito no espaço e no mundo corporal é uma abstração, não existe em si mesmo, salvo na imaginação. As coisas são finitas. O infinito é uma ilusão da mente. É nele, a meu ver, que a física se converte em matemática, uma vez que o universo físico material é limitado, por muito que falem da divisibilidade infinita dos corpos, e a matemática devido à sua natureza monádica (os números não ocupam lugar) suscita a ideia de infinito. A matemática faz a ponte entre a física e a metafísica. Não espanta que Aristóteles a classifique como a primeira das ciências a seguir à filosofia primeira ou - termo não usado pelo filósofo grego - ontologia-eidologia. Aristóteles sabia , verdadeiramente, produzir ontologia: o ser real é o finito ou o conjunto dos finitos, mas não o infinito que é ser virtual, atributo. A crença de Einstein de que o universo é finito, como uma esfera fechada, radica, assim, na concepção aristotélica do mundo.
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A distinção entre existência, por um lado, e essência (forma específica) e forma individualizada, por outro lado, está bem patente na Metafísica de Aristóteles: «o que é» e «o uno», isto é, o ser (existência), é o mais universal e divide-se em múltiplos géneros, cada uma das quais é um quê-é (essência).
« O uno não é algo diverso do que é. Ademais a substância (ousía) de cada coisa é una não acidentalmente, do mesmo modo que é também algo que é. Por conseguinte, há tantas espécies do que é quantas há do uno, e estudar o quê destas quero dizer, por exemplo, do mesmo, do semelhante e outras coisas deste tipo corresponde a uma ciência que genericamente é a mesma. (Aristóteles, Metafísica, livro IV, 1003b)
Aristóteles criticou Parménides por este usar o termo «ser» em um único sentido:
«A Parménides, podem-se levantar as mesmas objecções As suas premissas são falsas porque supõe que ser só se diz em sentido absoluto, sendo que tem muitos sentidos. ( ) Porque o ser do branco é distinto daquilo que o recebe, ainda que branco não exista separadamente, fora do que é branco; pois o branco e aquilo a que pertence não se distinguem por estar separados mas pelo seu ser. Isto é o que Parménides não viu.» (Aristóteles, Física, Livro I, 186a).
Branco e objecto branco por exemplo, lençol distinguem-se pelo seu ser, diz Aristóteles. Mas segundo Parménides, o ser de branco e de lençol branco é o mesmo tanto branco como lençol branco se encontram, enquanto qualidades ou coisas determinadas, enquanto formas, fora do ser que lhes subjaz. Se Aristóteles diz que a distinção se faz pelo ser é porque hierarquiza este em vários níveis por exemplo: o branco é o nível acidental, o lençol é o nível substancial - ou considera que a essência branco e a essência lençol são seres distintos e neste caso recusa conferir realidade ao «ser em geral» de Parménides, limitando-se ao ser determinado, isto é, ao ser agarrado à essência, indissociável desta e, portanto, múltiplo, porque muitas são as essências.
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Aristóteles foi seguramente, um pensador muito mais profundo que Peter Singer, Bernard Williams, Hillary Putnam, Nigel Warburton, Simon Blackburn, e a generalidade dos filósofos e parafilósofos contemporâneos editados e divulgados nos media. O nosso tempo caracteriza-se por um estranho paradoxo: uma precisão tecnológica de alto grau, consubstanciada na era da informática e da robótica, e uma imprecisão e banalidade filosófica generalizadas - com excepções, felizmente - consubstanciadas em obras de filosofia para o grande público, e dezenas de milhar de teses de mestrado e doutoramento mais ou menos superficiais e coalhadas de equívocos.
Na notável obra que é a Física, Aristóteles escreveu:
«Há pois um movente primeiro e algo que é movido, e também um tempo no qual, e ademais um desde o que e um para o que, já que todo o movimento é desde algo e em direcção a algo. Porque são coisas distintas o que é primitivamente movido, aquilo a partir do que e aquilo em direcção a que algo é movido, como no caso da madeira, do calor ou do frio que são, nesta ordem, o «o que», o «em direcção ao que» e o «desde o que». É claro neste caso que o movimento está na matéria da madeira, não na forma, porque nem a forma, nem o lugar, nem a quantidade movem nem são movidos, mas há um movente, algo movido e algo para o qual é movido. (Porque a mudança toma o seu nome mais do que «em direcção ao que» do que do «a partir do que» algo é movido. Por isso, de uma mudança para o não-ser diz-se que é uma destruição, ainda que o que é destruído mude desde o ser, e de uma mudança em direcção ao ser diz-se que é uma geração, ainda que mude desde o não ser). (Aristóteles, Física, Livro V, 224b; o negrito é colocado por nós).
Esta passagem, a todos os títulos notável - não circunscrevemos a excelência das interpretações do tempo a Kant e Heidegger... - assemelha o tempo ao movimento: em ambos há um desde ou a partir de (o passado, no caso do tempo), um que é, movente (o presente, no caso do tempo) e um para que ou em direcção a que (o futuro, no caso do tempo).
A dificuldade em aceitar na totalidade esta reflexão de Aristóteles reside no facto de este postular que o movimento está na matéria da madeira e não na forma, nem no lugar.
Por que não há-de o lugar mudar com o movimento dos corpos que nele se deslocam? Por que razão só a matéria muda na madeira e não a forma?
A tese aristotélica não implica sustentar que no final de uma viagem de automóvel a matéria corporal de uma pessoa se tenha alterado, movido, ainda que a forma, o contorno, permaneça a mesma? A matéria corporal não é em si mesma um conjunto de microformas invisíveis?
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