Eis um teste de filosofia do 11º ano em Portugal, centrado nas unidades IV (O conhecimento e a racionalidade científica e tecnológica) e V ( Unidade final- Desafios e Horizontes da Filosofia) do programa da disciplina. Este teste evita as perguntas de escolha múltipla que, na maioria dos casos, são mal concebidas pelos professores de filosofia, autores de provas de exame nacional ou autores de testes em cada escola, prisioneiros da visão compartimentada da chamada «filosofia analítica». As perguntas de escolha múltipla não permitem aos alunos desenvolver livremente os seus raciocínios e explanar conteúdos e conduzem a inúmeras injustiças na avaliação cognitiva dos alunos.
Perguntemo-nos que razões levaram a classe dominante, desde há uma década, a insubstancializar a filosofia, retirando conteúdos de cariz metafísico e ideológico-político do programa escolar (exemplo: as teorias de Platão, Hegel, Nietzschze, Marx, Freud, Kierkegaard, etc) e substituindo-os por regras lógicas vazias, formais, e por retórica. A resposta mais plausível é: a burguesia mundialista promove a estupidificação filosófica dos adolescentes para os tornar em tecnocratas ou operários dóceis e para evitar as revoltas, como a do Maio de 1968 em França, em que os estudantes estavam muito politizados e liam Bakounine, Marx, Mao, Guy Débord, Marcuse.
Vejamos o teste.
Escola Secundária Diogo de Gouveia com 3º Ciclo, Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 11º ANO TURMA A
4 de Junho de 2012 Professor: Francisco Queiroz
I
«Tanto a teoria da relatividade geral como a teoria da relatividade especial de Einstein podem ser classificadas de realismo crítico. A teoria de Imre Lakatos sobre os programas de investigação científica distingue três regiões dentro de cada ciência e, segundo alguns, é compatível com a teoria das revoluções científicas de Thomas Kuhn. O anarquismo epistemológico de Paul Feyerabend não implica necessariamente o grau de cepticismo contido na teoria de Popper sobre as ciências. Há juízos sintéticos e juízos analíticos, sustentou Kant.»
1) Explique, concretamente, cada uma das frases deste texto, em especial os conceitos e afirmações em destaque.
II
2) Relacione, justificando:
A) Existencialismo (incluindo 3 estádios) em Kierkegaard e Astúcia da razão universal em Hegel.
B) Fenómenos, formas a priori da sensibilidade, formas a priori do entendimento e razão, em Kant.
C) Materialismo dialético e doutrina de Hegel.
D)“Relógio químico” e leis dos dois aspectos da contradição e do salto qualitativo.
E) Vitalismo/ mecanicismo e teoria cosmológica de Aristóteles.
III
3) Disserte livremente sobre o seguinte tema:
«Racionalismo, empirismo, misticismo e intuicionismo no carácter alentejano e na vida quotidiana na cidade e no distrito de Beja»
CORREÇÃO DO TESTE (COTADO PARA 20 VALORES).
I-1) O realismo crítico é toda a doutrina que reconhece a existência de um mundo material exterior às mentes humanas e independente delas mas sustenta que estas não captam o mundo como ele é, mas sim de forma distorcida. A teoria geral da relatividade de Einstein que trata essencialmente do espaço geométrico e da gravitação, da forma do universo, é um realismo crítico: o espaço que parece, aos sentidos, ser formado de planos e linhas rectas infinitas, é ondulatório, encurva, tal como os raios de luz encurvam, na proximidade de grandes massas, e o universo é fechado, esférico. A teoria da relatividade especial ou restrita trata, sobretudo, da velocidade e do tempo (não esquecendo que Einstein fala do espaço-tempo), é um realismo crítico na medida em que admite que há diversos tempos simultâneos e que, contra o que os sentidos nos sugerem, um observador que viaje a velocidades próximas da velocidade da luz ( 300 000 quilómetros por segundo) quase não avança no tempo e fica mais jovem do que nós. É também realismo crítico por sustentar que quanto mais alta for a velocidade a que um corpo viaja mais aumenta a sua massa. (estas frases acima valem dois valores). A teoria das revoluções científicas de Thomas Kuhn estabelece que o desenvolvimento de uma ciência ao longo da história comporta dois ritmos: a um longo período de um paradigma científico estável dito «ciência normal»- o paradigma é um modelo teórico dotado de metodologias práticas - segue-se um curto período de anomalias em que desponta um paradigma de oposição, chamado «ciência extraordinária», que, após ser aceite pela comunidade científica da época, se transforma na nova «ciência normal». Imre Lakatos, epistemólogo, distingue três regiões em cada ciência: o núcleo duro (hard core), conjunto das teses indiscutíveis, imutáveis, que pode relacionar-se com a ciência normal dada a estabilidade; o cinto protetor (protective belt), conjunto das teses revisíveis, que pode relacionar-se com a ciência extraordinária dado o carácter de mutação; a heurística, conjunto de regras de investigação a usar (heurística positiva) e das regras a não empregar (heurística negativa). (Estas frases valem dois valores no seu conjunto). O anarquismo epistemológico de Paul Feyerabend contesta o conjunto das ciências dominantes nas universidades e na vida social - a medicina alopática, as tecnociências de efeitos agressivos, a historiografia anti-astrológica, etc - dizendo que servem os interesses de alguns poucos - cientistas e políticos muito bem pagos, industriais e comerciantes farmacêuticos e outros - e eliminam antigas ciências como a medicina natural, a astrologia e práticas mágicas eficazes como a dança da chuva e outras. Ao contrário de Popper, um verdadeiro céptico probabilista que não aceita a astrologia e considera que todas as ciências empírico-formais são conjuntos de conjecturas, sujeitas ao princípio da falsificabilidade, que exige a testabilidade e a revisibilidade das teses, Feyerabend é um dogmático crítico, aceita a certeza da verdade das ciências alternativas, com métodos heterodoxos, desde que ofereçam resultados práticos incontestáveis. ( Estas frases valem dois valores no seu conjunto). Os juízos sintéticos, que podem ser a priori ou a posteriori, são aqueles em que o predicado acrescenta algo de novo ao sujeito, os juízos analíticos são aqueles em que o predicado não acrescenta nada ao sujeito. (Esta frase vale um valor).
2) A) O existencialismo de Kierkegaard é a filosofia que defende que a existência humana é imprevisível e coloca a cada instante a pessoa na alternativa, na iminência de decidir, livremente, esta ou aquela atitude. O filósofo dinamarquês diz que há três estádios da existência humana: o estádio estético, personificado pelo Don Juan, o conquistador que salta de mulher em mulher, na procura do prazer do instante; o estádio ético, personificado no homem casado, fiel à esposa e aos seus deveres familiares e sociais; o estádio religioso, personificado em Abraão que se dispunha a matar o seu próprio filho Isaac, rompendo com a ética, por Deus lhe ter solicitado esse sacrifício. A astúcia da razão em Hegel é a manipulação pela razão universal (Deus) da vontade e das acções dos grandes homens de modo a que realizem o plano da razão universal para o seu povo ou a sua época. Há várias correlações possíveis: a astúcia da razão manipula o homem nos três estádios da existência, levando a ser esteta, depois etico e por último religioso místico; a astúcia da razão só manipula o homem nos dois estádios iniciais, estético e ético, mas não no estádio religioso em que o homem é livre de escolher salvar ou perder a alma; a astúcia da razão só manipula o homem no estádio religioso... (a resposta vale dois valores).
2)B) Em Kant, os fenómenos são objectos aparentemente reais, como árvores, animais, rios, que se formam na sensibilidade externa ou espaço, dentro do espírito humano, por ação dos númenos, objectos reais incognoscíveis. O caos sensorial que estes geram, desde o exterior, é moldado pela formas a priori da sensibilidade que são o espaço ( extensão e figuras geométricas) e o tempo (duração, sucessão, simultaneidade). As imagens dos fenómenos são levadas, pela imaginação, às categorias do entendimento (unidade, pluralidade, totalidade, realidade, limitação, negação, etc) que, junto com a tábua de juízos puros, são as formas a priori do entendimento que sintetizam, reduzem à unidade, o diverso da intuição empírica. A razão não pensa os fenómenos, está desligada do mundo empírico, só pensa os númenos (metafísica) e as categorias e juízos puros do entendimento (lógica). (a resposta vale dois valores)
2) C) O materialismo dialético é a filosofia que sustenta que a matéria é eterna, incriada, e está em perpétuo devir e que não há deuses nem Deus. Ao contrário, a doutrina de Hegel sustenta que o eterno é o espírito, a ideia absoluta ou Deus, que atravessa três fases na história: ser em si ou Deus antes de criar o universo, o espaço e o tempo; ser fora de si, ou Deus que se aliena em natureza biofísica, em astros, montanhas, vegetais, aninais, e deixa de pensar; ser para si, ou Deus encarnado em humanidade que através de diversas e sucessivas formas de estado (mundo oriental, um só homem livre; mundo greco-romano, alguns homens livres; mundo do cristianismo reformado a partir do sécilo XVI, todos os homens são livres) se vai elevando no sentido da liberdade e regressando à fase do ser em si. Hegel é espiritualista dialético. (a resposta vale dois valores)
2) D) O "relógio químico" é um fenómeno de ordem a partir do caos que consiste no seguinte: as moléculas de um gás, suponhamos vermelhas e azuis, em vez de se misturarem e darem uma tonalidade heterogénea, num estado de caos, movendo-se ao acaso, alternam entre dois tipos de estado, um em que todo o gás adquire a coloração azul e o outro em que todo o gás adquire a cor vermelha. Isto demonstra a lei dos dois aspectos da contradição que afirma que esta se compõe de dois aspectos, raramente em equilíbrio, sendo um o dominante e o outro o dominado, que invertem posições: o aspecto dominante do gás ora é azul, ora é vermelho. A lei do salto qualitativo afirma que a acumulação lenta e gradual de um aspecto de um fenómeno origina um brusco salto de qualidade nesse fenómeno: a multiplicação de colisões de moléculas do gás faz, num dado instante, a tonalidade do gás mudar bruscamente de azul para vermelha (salto qualitativo) e uma ulterior acumulação gradual de colisões faz que todas as moléculas mudem de repente de vermelho para azul. (A resposta vale dois valores).
2)E) Vitalismo é a corrente que afirma que a vida não nasce da matéria mas que, vinda de uma região superior, se aloja na matéria. Defende igualmente que os processos vitais são inteligentes, obedecem a finalidades inteligentes. Na cosmologia de Aristóteles, há vitalismo no facto de as estrelas e os planetas serem entidades inteligentes que começaram a girar em círculo presos às respectivas esferas de cristal com a finalidade de alcançar Deus, o pensamento puro, imóvel, exterior ao cosmos. Mecanicismo é a corrente que afirma que a vida nasce de movimentos mecânicos ( e químicos) da matéria e que o universo é como uma grande máquina regida por leis deterministas.(A resposta vale dois valores).
3) A resposta é livre. (A resposta vale dois valores).
Nota para a correção: nas perguntas de relacionação entre dois ou mais conceitos, a cotação para cada resposta dada deve obedecer a um princípio de premiar o aluno que estuda e sabe as definições separadamente: assim deverá receber 50% a 60% da cotação da pergunta desde que defina correctamente os conceitos, embora não consiga interligá-los
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