Centrado nos grandes temas da filosofia antiga (ontologia de Platão e Aristóteles, ética do taoísmo) na teoria da acção humana e dos valores, na lógica dialética, eis um teste de filosofia para o 10º ano de escolaridade, no Alentejo, região onde a profundidade da planície suscita a profundidade das ideias
Agrupamento de Escolas nº1 de Beja
Escola Secundária Diogo de Gouveia, Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 10º ANO TURMA C
9 de Dezembro de 2016. Professor: Francisco Queiroz
I
“Na cosmologia de Aristóteles, há teleologia nos movimentos que ocorrem nos dois mundos que formam o cosmos. O realismo crítico é um racionalismo e não um empirismo. O fatalismo não é o mesmo que o determinismo biofísico com livre-arbítrio (vulgo determinismo moderado).”
1)Explique, concretamente este texto.
2)Relacione, justificando;
A) Essencialismo transcendente em Platão e Essencialismo imanente em Aristóteles
B) Proté Ousía, Hylé e Eidos, em Aristóteles, e três partes da alma, em Platão.
C) Esfera dos valores espirituais, esfera dos valores vitais, na teoria de Max Scheler e lei dos dois aspectos da contradição.
D).Ética de Aristóteles, Ética do Taoísmo e pragmatismo.. .
CORREÇÃO DO TESTE ESCRITO COTADO PARA 20 VALORES
1) No cosmos de Aristóteles há dois mundos, o mundo sublunar, composto de quatro esferas concêntricas, a Terra (imóvel no centro) e as esferas de água,ar e fogo, no qual o movimento dos corpos não é circular e é teleológico, obedece a finalidades inteligentes, isto é, os corpos desejam voltar à origem do seu constituinte principal (exemplo: a pedra largada no ar cai porque o seu télos, finalidade, é voltar à «mãe», a Terra); o mundo celeste, composto de 54 esferas de cristal incorruptíveis com astros incrustados, 7 delas de planetas (Lua, Mercúrio, etc) e 47 de estrelas, que giram circularmente de modo teleológico, finalista, já que estrelas e planetas, seres inteligentes, desejam alcançar, fora do cosmos, Deus, o pensamento puro, que se pensa a si mesmo e não se importa com o cosmos. Deus não é a causa formal (o modelo) do cosmos nem a causa eficiente (o construtor) do cosmos, mas apenas a causa final, o télos, do movimento dos astros inteligentes e das respectivas esferas. Ele nada faz mas suscita e atrai o movimento das estrelas. (VALE TRÊS VALORES).O realismo crítico é a teoria que afirma que há um mundo material anterior às mentes humanas e independente destas que o captam de maneira distorcida. O realismo crítico em Descartes consiste em postular o seguinte: há um mundo de matéria exterior às mentes humanas, feito só de qualidades primárias, objetivas, isto é, forma, tamanho, número, movimento. As cores, os cheiros, os sons, sabores, o quente e o frio só existem no interior da minha mente, do organismo do sujeito, pois resultam de movimentos vibratórios de partículas exteriores já que o mundo exterior é apenas composto de formas, movimentos e tamanhos. .Assim, a rosa não é vermelha, é apenas forma e tamanho. O ramo de rosas é apenas formas, tamanho e um certo número de unidades, não tem cor, nem cheiro, nem peso. O mármore não é frio nem duro, o céu não tem cor. O realismo crítico é um racionalismo porque esta doutrina diz que só a razão é a fonte do verdadeiro conhecimento, desprezando muitas das percepções empíricas (neste caso, desprezando as cores, os sons, os cheiros , etc). Não é empirismo porque esta é a doutrina que sustenta que a fonte principal ou única dos nossos conhecimentos é a experiência sensorial, as percepções empíricas (o que vemos, tocamos, cheiramos, etc). Fatalismo é a teoria segundo a qual tudo na vida está predestinado e os homens não dispõem de livre-arbítrio nem existe o acaso. Determinismo com livre-arbítrio (vulgo: determinismo radical) é a teoria segundo a qual, na natureza, as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos e o homem dispõe de liberdade racional de escolha (livre-arbítrio) existindo ainda o factor acaso na natureza. Exemplo: um diabético sabe que ingerindo açúcar refinado a taxa de açúcar no seu sangue sobe para valores anormais, isto é o determinismo ou lei necessária biológica, mas pondera racionalmente e decide (livre-arbítrio) se deve comer doces ou não. (VALE DOIS VALORES).
2)A) Essencialismo é toda a filosofia que sustenta que a essência ou forma fundamental dos entes e dos fenómenos precede a existência destes. As essências são as formas eternas e imutáveis tanto em Platão como em Aristóteles. Em Platão, elas são arquétipos de Bem, Belo, Justo, Número Um, Número Dois, Triângulo, Homem, etc, existentes no mundo Inteligível acima do céu visível, por isso são transcendentes, estão além (trans) do universo físico. Em Aristóteles, as essências são formas eternas inerentes ou imanentes aos objectos físicos - exemplo: a essência sobreiro está em todos os sobreiros reais, físicos, porque não há mundo inteligível- daí ser um essencialismo imanente (VALE TRÊS VALORES).
2-B) A teoria hilemórfica (hyle é matéria-prima universal; morfos é forma) de Aristóteles sustenta que cada coisa individual ou primeira substância (proté ousía) como, por exemplo, este cavalo cinzento, se forma da união entre a forma eterna de cavalo (eidos)que existe algures e a hylé ou matéria-prima universal, indiferenciada, que não é água nem fogo nem ar, nem terra mas que passa a existir ao juntar-se à forma. A teoria de Platão sustenta que a alma se divide em três partes: o nous ou parte superior, razão intuitiva que capta os arquétipos ou formas puras e que, por isso, corresponde ao eidos ou essência em Aristóteles; a epitimya ou parte inferior da alma, a concupiscência, onde reinam os apetites carnais desordenados e que, por isso, fazemos corresponder à matéria prima universal ou hylé; a parte média da alma, o tumus, coragem e valentia militar que, tal como a proté ousía, é uma síntese. (VALE TRÊS VALORES)
C) A esfera dos valores espirituais, na concepção de Scheler, engloba os valores estéticos (belo e feio), éticos ( bom e mau, justo e injusto), jurídicos (legal, ilegal; justo, injusto), filosóficos (verdade e erro) científicos (verdade e erro por referência, isto é, na experiência, no pragmatismo). Há valor de coisa - por exemplo, o quadro Mona Lisa de Leonardo da Vinci - valor de função - no exemplo olhar o quadro, apreciar o sorriso de Mona Lisa - e valor de estado - no exemplo: a felicidade resultante dessa contemplação visual. A esfera ou modalidade dos valores vitais e sentimentais é a esfera anímica que inclui os valores do nobre e do vulgar, ciúme e ausência deste, orgulho e humildade, coragem e cobardia, sentimento de vitória ou de juventude, sentimento de derrota ou de velhice, etc. A lei dos dois aspectos da contradição sustenta que numa contradição (contrariedade) há dois aspectos, em regra desigualmente desenvolvidos, o principal e o secundário, que podem inverter posições passando o dominado a dominante. A relação pode ser percebida de muitas maneiras, como por exemplo: em uma pessoa é dominante a esfera dos valores vitais, vive centrada nos triunfos do desporto, nos valores do orgulho da pátria e da família mas em dado momento dedica-se à arte (estética) e à filosofia, que pertencem à esfera dos valores espirituais e esta passa a ser dominante.(VALE TRÊS VALORES).
2-D) A ética de Aristóteles é a de que a virtude está no meio termo (mésotes): por exemplo, não se deve ser avarento nem gastar o dinheiro todo de uma vez, mas antes gastar e poupar equilibradamente; não se deve ser ditador tirânico nem anarquista anti poder, mas exercer a autoridade com prudência, etc. A ética do taoísmo consiste no não agir (não entrar na política nem nos altos negócios, não ter estudos universitários para não se corromper, etc) ser astucioso e louvar aquele que é mais forte que nós e um dia tirar-lhe o tapete, não lançar guerras, viver uma vida simples de camponês respeitando o Tao, isto é, o ritmo natural ondulatório do universo, a alternância verão-inverno, sementeira-colheita, etc.
O pragmatismo é a corrente que sustenta que se deve pôr de parte os altos princípios morais e metafísicos impossíveis de pôr em prática e agir de modo útil e eficaz no mundo empírico, buscar o lucro com realismo. Tanto a ética de Aristóteles como a ética taoísta são, de algum modo, pragmáticas, porque buscam a utilidade no modo de viver, têm bom senso. (VALE TRÊS VALORES).
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© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Eis um teste de filosofia, para o terceiro período lectivo, para o 11º B. O teste centra-se na teoria do conhecimento (Hume, Descartes; idealismo, pragmatismo, fenomenologia) na ontologia (Parménides, Pitágoras, David Hume, Descartes) na teleologia/ sentido da existência (Kierkegaard, Hegel). Evitaram-se as escorregadias questões de escolha múltipla que, em muitos casos, não permitem ao aluno exibir e desenvolver o seu saber filosófico.
Agrupamento de Escolas nº1 de Beja
Escola Secundária Diogo de Gouveia, Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 11º ANO TURMA B
16 de Maio de 2014. Professor: Francisco Queiroz
I
“A angústia é uma liberdade travada...Deus é, não existe, o homem existe, mas não é“ Kierkegaard
1-A) Explique estes pensamentos.
II
2) Disserte sobre o seguinte tema:
" O ser em Parménides, em Pitágoras e em David Hume".
III
3) Relacione, justificando:
A) Eu em Descartes e Eu em David Hume.
B) Realismo Crítico em Descartes e Conjecturalismo/falsificacionismo em Popper.
C) As três fases da Ideia Absoluta em Hegel e o Existencialismo de Kierkegaard.
D) Idealismo, Fenomenologia, Pragmatismo.
CORRECÇÃO DO TESTE DE FILOSOFIA (COTADO PARA 20 VALORES)
1) A angústia é uma categoria da vida intermédia, entre a liberdade e a necessidade. Ao olharmos de cima um precipício, sentimos alguma angústia: desejo de voar (ser livre) e medo, ditado pela necessidade ou lei infalível de causa-efeito de morrer esmagados em consequência da queda. Por isso se diz que a angústia é uma liberdade bloqueada por si mesma devido a compreender os limites da possibilidade: queremos e não queremos porque receamos. (VALE UM VALOR E MEIO). "Deus é mas não existe" significa: Deus existe eternamente, fora do tempo, e como está fora das contingências da existência (nascer, crescer, tranalhar, morrer, etc) diz-se que não existe.». "O homem existe e não é" significa: o homem está em perpétuo devir, a existência é feita de mudanças, altos e baixos, por isso existe e deixa de existir, mas não é, se por é se entende ser eterno, sempre o mesmo (VALE UM VALOR E MEIO).
2) O ser em Parménides é, não foi nem será. É uno, homogéneo, imóvel, incriado, invisível e imperceptível aos sentidos, esférico. Ser e pensar é um e o mesmo. A alteração das cores, a mutação, o nascimento e a morte são ilusões, reais só na aparência.
Ser é um termo ambíguo, polissémico: por um lado é o existir em geral; por outro lado é o existente, algo que existe, o essente, uma essência ou substância de carácter universal. Parménides usa o termo nos dois sentidos, de existência e de essência. Neste segundo sentido, pode interpretar-se como o cosmos esférico ou como o pensamento divino estruturante do cosmos (sentido hegeliano). Fica em aberto a questão de saber se Parménides era idealista ou realista crítico.
Em Pitágoras, o ser pode interpretar-se como: Deus, o supremo geómetra, o supremo arquitecto do cosmos; os quatro números figura essenciais - o um ou ponto, o dois ou recta, o três ou plano, o quatro ou tetraedro- que compõem todas as coisas materiais.
O ser em David Hume é antropológico: percepções empíricas ou impressões dos sentidos, razão, imaginação mas não um «eu-substância» coeso como em Kant ou em Descartes. O ser do mundo exterior é inexistente (idealismo) ou duvidoso (cepticismo) e, portanto, é não-ser efectivo ou provável. (VALE QUATRO VALORES)
3) A) O "eu" em Descartes é uma substância: no essencial, é res cogitans, pensamento, e secundariamente, o corpo humano, res extensa (extensão dotada de formas, comprimento, largura e altura). Em David Hume, o "eu" não é substância, não existe sequer (idealismo) ou é duvidoso (cepticismo) tal como não existem ou são duvidosas as noções de "alma", "substância", "essência". No entanto, Hume discrimina sete relações filosóficas ou noções que, à falta de um "eu", parecem ser estruturas a priori: semelhança, identidade, relações de tempo e lugar, proporção de quantidade ou número, graus de qualidade, contrariedade e causação. (VALE TRÊS VALORES)
B) O realismo crítico em Descartes consiste no seguinte: há um mundo de matéria exterior às mentes humanas, feito só de qualidades primárias, objetivas, isto é, forma, tamanho, número, movimento. As cores, os cheiros, os sons, sabores, o quente e o frio só existem no interior da minha mente, do organismo do sujeito, pois resultam de movimentos vibratórios de partículas exteriores já que o mundo exterior é apenas composto de formas, movimentos e tamanhos. .Assim, a rosa não é vermelha, é apenas forma e tamanho. O ramo de rosas é apenas formas, tamanho e um certo número de unidades, não tem cor, nem cheiro, nem peso. O mármore não é frio nem duro, o céu não tem cor.
O princípio da falsificabilidade de Popper estabelece que as ciências são conjuntos de conjecturas (conjecturalismo), isto é, as suas leis ou teses são hipóteses, conjecturas potencialmente falsas, falsificáveis, refutáveis. Isso exige aplicar permanentemente o princípio da testabilidade: há que submeter a constantes testes experimentais as teses de uma ciência. Entre as várias teorias na mesma área científica ( exemplo: vacinar ou não vacinar na medicina preventiva; heliocentrismo versus geocentrismo na astrofísica) Popper defende que se deve escolher a mais verosímil, a que dá mais garantias, sublinhando que a ciência é uma aproximação incessante à verdade sem nunca abarcar o todo desta.
O que há de comum entre Descartes e Popper é o cepticismo como método de pesquisa da verdade e, por vezes, como horizonte final da investigação. Como é evidente, Popper não aceitou a hipótese cartesiana de Deus ser o garante da existência do mundo material porque a existência de Deus mão pode ser testada experimentalmente, não é falsificável. (VALE TRÊS VALORES).
C)- Hegel divide a história universal da ideia absoluta ou Deus em três fases: a fase lógica ou do ser em si, na qual só existe um espírito, Deus, antes de criar o universo material o espaço e o tempo, espírito ou ideia absoluta que se limita a pensar (isto corresponde ao teísmo, doutrina segundo a qual há um ou vários deuses independentes da natureza física); a fase da natureza ou do ser fora de si em que Deus se aliena em matéria bruta, isto é, se transforma em astros, sol, montanhas, rios, rochas, plantas e animais não humanos (isto corresponde ao panteísmo, doutrina que sustenta que Deus é a natureza física e biológica); a fase da humanidade ou do ser para si, em que Deus renasce, como espírito livre, em forma de homens que lentamente, progridem em direcção à liberdade de espíriro que é regresso à primeira fase. (esta terceira fase corresponde ao panenteísmo, doutrina que afirma que Deus é tudo, a natureza material, a humanidade e é Ele mesmo como espírito transcendente). Este progresso exprime-se através de três formas de estado sucessivas- no início, o despotismo oriental, em que só um homem é livre, séculos depois o estado greco-romano, em que só alguns homens são livres e por último o estado do cristianismo reformado por Lutero em que todos os homens são livres de examinar a Bíblia sem a manipulação do clero católico romano, completado em 1789-1799 pela revolução francesa que implantou a democracia baseada na liberdade, igualdade e fraternidade. Hegel dizia «o Estado é tudo, o indivíduo é nada», é essencialista - a essência Deus planeia, à partida, a existência histórica, a natureza biofísica, os diversos tipos de sociedades humanas - ao contrário do existencialista Kierkegaard que proclamava o primado do indivíduo sobre a massa, a sociedade, a imprevisibilidade da vida, e a não intervenção de Deus na história humana cheia de pecados.
Segundo Kierkegaard, filósofo existencialista cristão, há três estádios na existência humana: estético, ético e religioso. No estádio estético, o protótipo é o Don Juan, insaciável conquistador de mulheres que vive apenas o prazer do instante, e sente angústia se está apaixonado por uma mulher e teme não a conquistar. O desespero é posterior à angústia: é a frustração sobre algo que já não tem remédio ou que se esgotou. Ao cabo de conquistar e deixar centenas de mulheres, o Don Juan cai no desespero: afinal nada tem, o prazer efémero esvaiu-se. Dá então o salto ao ético: casa-se. No estado ético, o paradigma é do homem casado, fiel à esposa, cumpridor dos seus deveres familiares e sociais. Este estado relaciona-se com o essencialismo, doutrina que afirma que a essência, o modelo do carácter ou do comportamento vem antes da existência e condiciona esta. A monotonia e a necessidade do eterno faz o homem saltar ao estádio religioso, em que Deus é o valor absoluto, apenas importa salvar a alma e os outros pouco ou nada contam. Abraão estava no estádio religioso, de puro misticismo, quando se dispunha a matar o filho Isaac porque «Deus lhe ordenou fazer isso». O estádio religioso é o do puro existencialismo, doutrina que afirma que a existência vive-se em liberdade e angústia sem fórmulas (essências) definidas, buscando um Deus que não está nas igrejas nem nos ritos oficiais. Neste estádio, o homem casado pode abandonar a mulher e os filhos se «Deus lhe exigir» retirar-se para um mosteiro a meditar ou para uma região subdesenvolvida a auxiliar gente esfomeada. A escolha a cada momento ante a alternativa é a pedra de toque do existencialismo. (VALE QUATRO VALORES).
D) O idealismo sustenta que o mundo material exterior se reduz a percepções empíricas e ideias, a matéria não existe em si mesma. A fenomenologia balança entre aceitar essa posição e a do realismo: para a fenomenologia o mundo de matéria existe fora do corpo físico do sujeito, mas não sabe se este mundo está dentro ou fora da mente (envolvente) do sujeito. Portanto, não se aventura na metafísica e nesse sentido é pragmática porque pragmatismo significa ater-se àquilo que é empírico e verificável e guiar-se pela utilidade das coisas (VALE TRÊS VALORES).
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Eis um teste de final de 3º período de uma turma que escolheu tratar os valores religiosos no programa de 10º ano de filosofia em Portugal. Um teste sem perguntas de escolha múltipla, que permite aos alunos exprimir uma opinião própria, relacionar criativamente conteúdos e mostrar que sabem filosofar.
Escola Secundária Diogo de Gouveia com 3º Ciclo, Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 10º ANO TURMA C
3 de Junho de 2013. Professor: Francisco Queiroz
I
“A religião, segundo Freud, implica neurose e sublimação e terá tido origem num parricídio. Nietzshe, no século XIX, defendeu a teoria do eterno retorno e propôs a transmutação dos valores.»
1) Explique concretamente este texto.
II
2) Relacione, justificando:
A) As três fases da Ideia Absoluta na História segundo Hegel e o dualismo do Tao.
B) Os três estádios da existência segundo Kierkegaard, o existencialismo e o essencialismo.
III
3) Exponha, em síntese, os seguintes temas:
«Como a gnose resolveu filosoficamente o problema da existência do mal no mundo. Os dharmas e o nirvana no budismo. O argumento ontológico de Santo Anselmo para demonstrar Deus. O panteísmo, o teísmo e a metafísica.»
.
CORRECÇÃO DO TESTE (COTADO PARA 20 VALORES)
1) A religião, isto é, a veneração de deuses ou Deus, da natureza física como sagrada ou de anjos e almas metafísicas, implica a neurose, isto é, a tristeza ou frustração resultante da repressão da energia sexual e a sublimação ou seja espiritualização de instintos recalcados, em especial do instinto sexual. Exemplo: «Procura ser pura, abstém-te de práticas sexuais, imita a Virgem Maria». Segundo Freud, em tempos primordiais, no seio de um clã, os filhos, cansados da autoridade do pai que os proibia de possuir as mulheres que quisessem, mataram o pai (parricídio) e comeram o corpo em banquete. Depois, arrependeram-se imaginando que o espírito do Pai os perseguia desde o «Além» e aplacaram-no mediante preces e sacrifícios religiosos que, no caso do catolicismo, se exprimem no «comer o meu Corpo» (a hóstia na missa) e «beber o meu sangue» (o vinho no cálice). (VALE TRÊS VALORES). Nietzsche defendeu o eterno retorno: a história repete-se, o tempo gira em círculo. Aos «gloriosos» tempos dos valores nobres, em que a aristocracia, feliz e cruel, reinava (escravatura, feudalismo) sucedem-se os «tenebrosos» tempos da civilização dos escravos e da plebe, isto é, da democracia liberal, em que a burguesia, classe intermédia reina, ou do socialismo, do comunismo e do anarquismo, episódios em que o proletariado reina e que são o ponto «mais baixo» da escala de valores. Mas o regresso ao antigo é inevitável e para isso Nietzsche propõe a transmutação ou inversão dos valores: o bem, que para os cristãos era cuidar dos fracos, dos doentes e idosos, estabelecer a igualdade social, fazer a paz, passa a ser, na preferência de Nietzsche, esmagar os fracos, os velhos e os doentes e impor a desigualdade social, os direitos desiguais, com a ditadura dos nobres e fazer a guerra; o mal passa a ser a piedade cristã, a repressão dos instintos sexual e guerreiro, o sacrifício da cruz, o niilismo (reduzir a vida ao nada) em nome do «Além». (VALE TRÊS VALORES).
2) a) Para Hegel, a ideia absoluta ou Deus desenvolve-se em três fases: a primeira é o Ser em si, ou Deus espírito, sozinho, antes de criar o universo, o espaço, o tempo, a matéria e pode comparar-se ao Tao, a mãe do Universo, algo invisível e misterioso que circula por toda a parte; a segunda é o Ser fora de Si ou transformação de Deus no seu oposto (alienação), a matéria física, em astros, céus, montamnhas, oceanos, vulcões, plantas e animais e pode equiparar-se ao Yang, dilatação, sair fora de si, visto que Deus se exteriorizou em matéria; a terceira é o Ser para si ou transformação de Deus em humanidade que vai progredindo lentamente em direcção à liberdade - desde o mundo oriental, em que só um homem é livre, até ao cristianismo reformado por Lutero e completado pela revolução francesa de 1789, em que todos os homens são livres - que é o fim da história, fase que pode comparar-se ao Yin, isto é, à contracção ou movimento para dentro, uma vez que, através da humanidade, Deus volta a si mesmo.Yang-Yin, ou seja, dia-noite, sol-lua, alto-baixo, verão-inverno, expansão-contracção, são as duas partes da onda que perpetuamente agita o universo. (VALE TRÊS VALORES).
2) B) Segundo Kierkegaard, filósofo existencialista cristão, há três estádios na existência humana: estético, ético e religioso. No estádio estético, o protótipo é o Don Juan, insaciável conquistador de mulheres que vive apenas o prazer do instante, e sente angústia se está apaixonado por uma mulher e teme não a conquistar. O desespero é posterior à angústia: é a frustração sobre algo que já não tem remédio ou que se esgotou. Ao cabo de conquistar e deixar centenas de mulheres, o Don Juan cai no desespero: afinal nada tem, o prazer efémero esvaiu-se. Dá então o salto ao ético: casa-se. No estado ético, o paradigma é do homem casado, fiel à esposa, cumpridor dos seus deveres familiares e sociais. Este estado relaciona-se com o essencialismo, doutrina que afirma que a essência, o modelo do carácter ou do comportamento vem antes da existência e condiciona esta. A monotonia e a necessidade do eterno faz o homem saltar ao estádio religioso, em que Deus é o valor absoluto, apenas importa salvar a alma e os outros pouco ou nada contam. Abraão estava no estádio religioso, de puro misticismo, quando se dispunha a matar o filho Isaac porque «Deus lhe ordenou fazer isso». O estádio religioso é o do puro existencialismo, doutrina que afirma que a existência vive-se em liberdade e angústia sem fórmulas (essências) definidas, buscando um Deus que não está nas igrejas nem nos ritos oficiais. Neste estádio, o homem casado pode abandonar a mulher e os filhos se «Deus lhe exigir» retirar-se para um mosteiro a meditar ou para uma região subdesenvolvida a auxiliar gente esfomeada. A escolha a cada momento ante a alternativa é a pedra de toque do existencialismo. (VALE TRÊS VALORES).
3) A gnose é uma filosofia de carácter dualista que explica o mal no mundo através da existência da matéria e do seu criador, o demiurgo ou Satã ou Iavé, e o bem através da existência de um mundo espiritual, da Luz (o Pleroma) acima da sete esferas de planetas, mundo aquele onde vivem Cristo, Sofia e os Éons . Assim, o mal é intrinseco ao corpo, ao mundo material. Estes não são obra do verdadeiro deus da Luz. (VALE DOIS VALORES). Os dharmas são qualidades psíquicas e psicofísicas (inteligência, imaginação, memória, visão, audição, olfacto, tacto, etc) que existem por si mesmas no espaço e quando se reunem num feixe formam a personalidade de uma pessoa. Desaparecem ou dispersam-se com a morte corporal, restando apenas a consciência que pode estar, ou não, apta para atingir o nirvana, espaço vazio de repouso absoluto, sem desejos, segundo o budismo. (VALE DOIS VALORES). O argumento ontológico de Santo Anselmo diz o seguinte: Deus é um ser sumamente perfeito, é omnipotente, omnisciente, bondade, justiça e misericórdia absolutas, possui todas as perfeições, logo tem de ter a perfeição de existir (VALE DOIS VALORES). O panteísmo identifica a natureza biofísica com Deus ou deuses. O teísmo diz que Deus ou deuses são transcendentes à natureza biofísica, podendo ser os criadores desta. Ambas as correntes são metafísicas, isto é, doutrinas que descrevem o invisível, o impalpável, o transcendente, ainda que o teísmo seja, aparentemente, mais metafísico.(VALE DOIS VALORES).
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© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Com prefácio do catedrático medievalista Mário Santiago de Carvalho, a Contraponto editou em 1995 "O ente e a essência" de São Tomás de Aquino. Servi-me dessa edição para leccionar a estudantes alentejanos uma parte do já "desaparecido", na minha escola, programa de Filosofia do 12º ano do ensino secundário em Portugal, que incluía a escolha de três entre vinte obras conceituadas de filosofia. Tanto o texto original de São Tomás como o prefácio de Mário Santiago de Carvalho padecem de imprecisões teóricas, algumas das quais passo a explanar.
O ARISTOTELISMO NÃO É ESSENCIALISMO?
Em prefácio de uma edição portuguesa de "O Ente e a Essência" de São Tomás de Aquino escreveu Mário Santiago de Carvalho:
« Como se insistiu, este é um mérito de Tomás de Aquino, e ele terá consistido em servir-se com rigor da lógica, elucidando-a e pondo-a ao serviço das tarefas da ontologia Este é portanto um aspecto que não quereríamos desvalorizar , pois é, de facto, a linguagem da lógica, o aristotelismo, com o avicenismo e o essencialismo, que galvanizam este texto. » (Mário Santiago de Carvalho in prefácio de "O Ente e a essência" , pag 61, Contraponto, Porto).
Que significa para Mário Santiago o termo essencialismo? Tudo leva a crer que significa platonismo, pois separa aristotelismo de essencialismo. Trata-se de um equívoco: o aristotelismo é um essencialismo, uma vez que nele as essências antecedem a existência das coisas materiais, tal como em Platão.
A AMBÍGUA DISTINÇÃO ENTRE ESPÉCIE E "NATUREZA HUMANA"
São Tomás, enquanto fiel a Aristóteles, distinguiu entre a essência em si mesma (segundo a sua absoluta consideração) e a essência individuada (segundo o ser que possui em cada indivíduo):
«Mas a natureza ou essência assim compreendida pode ser considerada de dois modos. Do primeiro modo, segundo a sua noção própria, que é a sua absoluta consideração. (...) Por exemplo, ao homem enquanto homem, corresponde-lhe "racional" e "animal" e outros predicados que entram na definição; mas ser branco ou negro, ou qualquer outra coisa semelhante que não pertença à noção de "humanidade" não corresponde ao homem enquanto homem». (...)
«Do segundo modo considera-se (a essência) segundo o ser que possui neste ou naquele indivíduo. Neste caso, pode atribuir-se-lhe algo por acidente, em razão daquilo em que se encontra. Por exemplo, diz-se que o homem é branco, porque Sócrates é branco, embora isso não pertença ao homem enquanto homem.» (São Tomás de Aquino, "O Ente e a Essência", pag 82-83)
«Compete pois à "natureza humana", segundo a sua consideração absoluta, ser atribuída a Sócrates. A noção de espécie, por sua vez, não lhe compete segundo a sua absoluta consideração, mas deriva de acidentes que a acompanham segundo o ser que possui no intelecto. Por esse motivo, o termo de espécie não é atribuído a Sócrates, como se se dissesse "Sócrates é espécie". Mas isso teria necessariamente de suceder, se a noção de espécie conviesse ao homem segundo o ser que tem em Sócrates, ou segundo a sua absoluta consideração, quer dizer enquanto é homem.» (Tomás de Aquino, ibid, pag 85).
Se a "natureza humana", que é o mesmo que a essência homem, como .São Tomás diz no início do livro, convém ao indivíduo Sócrates, porque razão "espécie ´não poderia ser atribuída a homem? É óbvio que, no sentido da extensão, da quantidade dos indivíduos que a integram, Sócrates não é a (toda a) espécie humana, e neste sentido, espécie não lhe convém. Mas do ponto de vista da essência, da forma comum à espécie, esta convém a Sócrates a ponto de se poder dizer: "Sócrates é uma incarnação ou exemplificação da espécie humana" . Aristóteles identificou bem a essência com a espécie (eidos) .O texto de Aquino acima tem falta de clareza.
O ABSOLUTO É EXTERIOR AO SINGULAR E AO UNIVERSAL? A ESSÊNCIA É MÚLTIPLA NA ALMA?
Referindo-se aos dois modos de considerar a essência teorizados por São Tomás, escreveu Mário Santiago de Carvalho:
«A consideração absoluta é evidentemente o ideal da ciência, o índice de que é genuinamente científica a linguagem que fazemos. (...) Sempre que possível, o ontólogo deve privilegiar este plano que não é singular nem universal, mas é absoluto.»
«No segundo modo, a natureza ou essência já não se considera na sua significação, mas na sua realização. Encontramo-nos a um nível menos abstracto. Neste segundo plano acontece aquilo que se recusava ao primeiro. Se, neste, a essência não podia ser una nem múltipla, já no segundo caso é isso que acontece, ela é múltipla na alma (qualquer conceito é universal) e é una na realidade (os unissingulares)». (Mário Santiago de Carvalho, in introdução de "O Ente e a Essência", pag 36; o negrito é de minha autoria).
Por que razão o plano da essência na sua consideração absoluta (exemplo: "o homem enquanto homem") «não é singular, nem universal, mas absoluto», segundo Santiagpo de Carvalho?
Há uma confusão antidialéctica de níveis neste pensamento de Mário Santiago. O absoluto engloba o singular, o particular (no sentido de parte, regional, grupo de entes da mesma espécie) e o universal. Absoluto não se opõe a singular e universal mas sim a relativo: há um singular absoluto e um universal absoluto, um singular relativo e um universal relativo.
Mário Santiago de Carvalho afirma que no caso do seu modo da consideração absoluta «a essência não poderia ser una nem múltipla». Mas sustentar isto é violar o princípio do terceiro excluído: ou as coisas são unas ou não unas, isto é, são múltiplas. Há coisas que são unas e múltiplas em simultâneo, segundo a perspectiva. A essência é sempre una. A essência "cavalo" no seu modo de consideração absoluta - o cavalo enquanto cavalo - é única em todas as mentes humanas: um quadrúpede, mamífero hipomorfo, da ordem dos ungulados, com crinas, veloz, uma das três sub-espécies da espécie Equus Ferus.
Como pode Mário Santiago asseverar que a essência não é una? É um paralogismo.
E afirma ainda que a essência no modo que tem em cada singular "é múltipla na alma (qualquer conceito é universal) e una na realidade (os unissingulares).» Grande nuvem de confusão aqui paira! A essência de Sócrates, que é a essência homem individuada em Sócrates, é una na alma (na percepção, no pensamento) e não múltipla. Podemos admitir que diferentes pessoas conceptualizem Sócrates de modo diferente - e aqui entra a multiplicidade - mas cada uma delas o conceptualiza de forma una.
Quando Santiago de Carvalho diz que «qualquer conceito é universal» equivoca-se no que toca à filosofia de Aristóteles: segundo este, as espécies não são conceitos universais mas sim comuns, isto é, «regionais», abrangendo comunidades sectoriais. Só o género e os universais supra-genéricos, como o ser, o uno, o semelhante, etc, são universais.
ARISTÓTELES NÃO CONCEBIA COMO UMA ESSÊNCIA CHEGA À EXISTÊNCIA?
Escreve ainda Mário Santiago de Carvalho, referindo-se à pretensa superioridade do pensamento de Tomás de Aquino sobre o de Aristóteles:
«Podemos dizer, em resumo deste capítulo, o seguinte: ao substituir a teoria do hilomorfismo universal São Tomás pôs em relevo um tipo de composição muito particular, o da essência com a existência. (...) Considerada deste ponto de vista, à substância ou ao concreto como primeiro objecto da ontologia acresce uma consideração que Aristóteles não podia conceber (como é que uma essência chegou à existência? - como é que esta essência se mantém em existência?)» (Mário Santiago de Carvalho in Introdução de "O Ente e a Essência", pag 49: o negrito é posto por mim).
Ao contrário da tese que sustenta Mário Santiago de Carvalho de que o Estagirita grego não concebia como é que as essências se mantinham em existência, Aristóteles concebia as essências como autosubsistentes, eternas, incriadas, acto, e, portanto, não se punha o problema de as essências chegarem à existência como o põe o cristianismo de São Tomás que identifica Deus com a existência pura, suporte das essências:
«As coisas eternas são, quanto à substância, anteriores às coisas corruptíveis e nada que esteja em potência é eterno. (...) O corruptível em sentido absoluto é o corruptível quanto à substância. Portanto, nenhuma das coisas que são incorruptíveis em sentido absoluto está em potência em sentido absoluto. (Nada impede que o esteja em algum aspecto, por exemplo, quanto à qualidade ou ao lugar.) Logo todas elas estão em acto. Tão pouco está em potência qualquer das coisas que são necessariamente. (Certamente, estas são as realidades primeiras; e, desde logo, se elas não existissem, não existiria nada.)» (Aristóteles, Metafísica, Livro IX, 1050 b, 15-20)
Este texto é muito claro: as essência, por exemplo a essência cavalo ou a essência árvore são incorruptíveis, anteriores aos cavalos e às nuvens físicas, e estão em acto. Isto é platonismo. Essas essências, actos em si mesmas, estão em potência para os cavalos e nuvens que se gerarem, materialmente, no futuro próximo ou longínquo.
O mundo em Aristóteles, é eterno e incriado. Tanto quanto me é dado perceber, o cosmos apenas passou do repouso ao movimento dos astros e esferas celestes quando os planetas e estrelas contemplaram Deus, o pensamento puro e imóvel, e desejaram alcançá-lo pondo-se a rodar. As essências eternas - Sol, Lua, Vénus, Júpiter, esferas celestes, árvore, montanha, homem, cavalo, etc - não foram criadas por Deus, como sustentavam São Tomás e os teólogos cristãos, coexistem desde a eternidade com o próprio Deus, não recebem deste a existência.
O problema da essência (to ti en einai) e da existência (einai, to ón) já está colocado por Aristóteles, não é um tema que principiasse com São Tomás de Aquino. A essência eterna, forma pura, já possui existência, uma existência imaterial.
A INTENÇÃO (INTENTIO) É UM CONHECIMENTO DE MÉDIA DIMENSÃO?
Sobre a intenção (intentio), noção existente na filosofia do Aquinate e em outras da escolástica, escreveu Mário Santiago de Carvalho:
«Examinando mais atentamente o que isto quer dizer, verifica-se que entre a singularidade individual (cada um dos homens) e a universalidade (o conceito, que enuncia o que há de comum aos homens) há um modo de ser próprio, intermediário, que é o modo de ser de uma determinada natureza na inteligência. O modo de ser na inteligência (i.e. o modo como se concebe uma dada realidade) partilha de ambas as notas. Ele é universal (porque se aplica uniformente aos vários indivíduos da mesma espécie) e particular (porque é apenas e sempre a representação mental do indivíduo que num certo momento pensa,»
«É este modo de ser intermediário (a que se dá o nome de "intencional") com as suas notas, que mais nos deve ocupar...» (Mário Santiago de Carvalho, Introdução a "O ente e a essência", pag 37, Contraponto; o negrito é colocado por mim).
A intentio é a percepção empírica, o dado fenoménico, ou o conceito, isto é a ligação entre o cérebro/ inteligência ou orgão sensorial e os objectos físicos exteriores,que pode ou não exprimir integralmente o ser dos objectos exteriores. Guilherme de Ockham escreveu:
«É pois, a saber, que se chama intenção da alma algo que há nela apto para significar outra coisa (...)assim as palavras são signos secundários daquelas coisas das quais são signos primários as intenções da alma. Isso que há na alma, e que é signo da coisa, e do qual se compõe a proposição mental ao modo como a proposição oral se compõe de palavras, se chama algumas vezes intenção da alma; outras, conceito da alma; outras, paixão da alma; outras, semelhança da coisa..» (Ockham, Suma de la lógica in Los filósofos medievales, selección de textos, de Clemente Fernandez, pag 1074, Biblioteca de Autores Cristianos; o negrito é por mim colocado)
Daqui se conclui apenas que a intentio é posicionalmente um intermédio entre o mundo físico exterior e a consciência vazia ou parcialmente vazia do indivíduo. Mas não se pode dizer que a intentio é, por natureza, um intermédio no plano gnosiológico, um conhecimento misto de singular e universal, como sustenta Santiago de Carvalho no texto acima. Os números um, dois, três e quatro são intenções e constituem conceitos universais que se aplicam a biliões de singulares. Em si o conceito de dois não é singular: é um universal, aplicável universalmente a casos singulares.
A ESSÊNCIA DE HOMEM E A DE SÓCRATES DIFEREM SÓ NA QUESTÃO DO LIMITADO/ILIMITADO? OU TAMBÉM NO QUID DA FORMA?
Por matéria delimitada, São Tomás de Aquino entende a matéria concreta, tridimensional, com dimensões corporais definidas. Por exemplo: este homem de 189 centímetros de altura, aquela casa de 120 metros quadrados de área coberta. Escreveu o Aquinate:
«Por esta razão, deve saber-se que o princípio de individuação não é a matéria considerada de qualquer modo mas unicamente a matéria delimitada. Chamo "matéria delimitada" à que se considera submetida a dimensões determinadas. Ora esta matéria não entra na definição de homem, mas entraria na definição de Sócrates, se Sócrates tivesse definição. Na definição de homem, ao contrário, entra a matéria não-delimitada. Na definição de homem, não se põem estes ossos e esta carne, mas os ossos e a carne tomados em abstracto, que constituem a matéria não-delimitada do homem. É evidente, por conseguinte, que a essência de homem e a essência de Sócrates não diferem senão quanto ao "delimitado" e ao "não-delimitado" ». (Tomás de Aquino, O Ente e a Essência, pag 75, Contraponto; o negrito é posto por mim).
O equívoco de São Tomás é considerar o delimitado como a diferença entre a essência Sócrates com a essência homem que não tem limites mas apenas a proporção entre as diferentes partes. Mas falta uma diferença essencial que reside no "quid" de cada uma das essências, a individual e a específica: a forma de Sócrates, calvo, nariz achatado, lábios grossos difere da forma homem como espécie - homem não calvo, nariz correcto, etc. É, pois, a disparidade entre duas formas, a que envolve a matéria de cada corpo e a que paira como espécie.
A FORMA É RECIBIDA NA MATÉRIA DELIMITADA?
Depois de se referir a duas modalidades de essências - a de Deus, que é apenas existir puro, e a das inteligências separadas, que são forma e existência - São Tomás escreve:
«Na terceira modalidade, a essência encontra-se nas substâncias compostas de matéria e de forma, nas quais o existir é igualmente recebido e finito, já que recebem o existir a partir de outro. Além disso a sua natureza ou quididade é recebida na matéria delimitada. Por esse motivo são finitas, quer pela parte superior quer pela inferior.» (Tomás de Aquino, O ente e a essência, pag 96, Contraponto; o negrito é posto por mim).
Neste texto há um erro de São Tomás: originalmente, e na natureza, a forma não é, em regra, recebida na matéria delimitada mas sim na matéria não delimitada, delimitando ou confinando uma porção desta. Pois a matéria só se torna delimitada, isto é, condensada, sujeita a dimensões singulares e concretas, ao receber a forma específica. As árvores nasceram quando a forma árvore se uniu à matéria-prima indeterminada, infinita, não delimitada (hylé). É óbvio que o oleiro faz o vaso imprimindo a forma numa matéria delimitada: uma certa porção de barro. Mas aqui trata-se da arte humana de produzir e não da génese originária na natureza.
A CONTRADIÇÃO DE ARISTÓTELES PATENTE EM SÃO TOMÁS: A ESSÊNCIA SÓ EXISTE NAS COISAS SINGULARES MAS TEM DE EXISTIR PREVIAMENTE ÀPARTE COMO FORMA ETERNA
Toda a "Metafísica" de Aristóteles gira em torno de um eixo dinâmico: um essencialismo ( "as formas ou essências são eternas e preexistem aos objectos materiais" e nisto é igual a Platão) que se procura converter em existencialismo (" as formas essenciais não existem fora dos objectos materiais, fora da existência material" e aqui opõe-se a Platão) mas não tem como fazê-lo, senão mediante uma certa incoerência.
Aristóteles é um platónico envergonhado. Critica a existência das formas platónicas mas ele mesmo é levado a admitir que as formas são eternas e têm de subsistir por si, fora da matéria. Mário Santiago de Carvalho não dá conta de se ter apercebido desta inconsistência do aristotelismo na introdução à edição que traduziu para português. Neste excerto da "Metafísica" Aristóteles admite que há formas eternas não geradas, ou seja, formas fora da matéria, tal como Platão postulava, e em seguida afirma que não existe a essência esfera fora das esferas materiais (de bronze, pedra, etc) nem a forma casa fora das casas plasmadas na matéria:
«Assim pois, é evidente por aquilo que foi dito que não se gera o que se denomina forma ou substância, enquanto que o composto que se denomina segundo esta gera-se, sim, e que em todo o gerado há matéria, e um é isto, e outro é aquilo.»
«Mas existe acaso uma esfera fora de estas ou uma casa fora dos tijolos? A ser assim, não ocorreria que não se geraria nenhum objecto determinado? (...) Assim, pois, é evidente que se existem realidades fora dos indivíduos, tal como alguns costumam falar das Formas, a causalidade das Formas não terá utilidade nenhuma para explicar as gerações e as substâncias.» (Aristóteles, Metafísica, Livro VII, 1033 b, 15-30).
São Tomás cai na mesma incoerência inerente ao aristotelismo:
« De maneira semelhante, também não se pode dizer que as noções de género ou de espécie correspondam à essência, enquanto que esta é uma realidade fora das coisas singulares. como afirmavam os PLATÓNICOS» ( Tomás de Aquino, O ente e a essência, pag 82; o negrito é posto por mim).
Neste excerto acima, o Aquinate nega que a essência exista fora do objecto singular.
Compare-se agora com o excerto seguinte em que o filósofo dominicano afirma que a essência está fora do objecto singular e fora da alma, o que nega o nominalismo e o conceptualismo irrealista e afirma um realismo platonizante das essências:
«Com efeito, é falso dizer que a essência do homem, enquanto tal, tem o ser neste singular. Na verdade, se ser neste singular pertencesse ao homem enquanto é homem, nunca estaria fora deste singular. Paralelamente também, se pertencesse ao homem enquanto é homem não ser neste singular, nunca seria nele. A verdade porém está em dizer que o homem enquanto é homem, não tem que existir neste singular ou naquele, nem na alma.» (Tomás de Aquino, O ente e a essência, paginas 83-84, Contraponto; o negrito é posto por mim).
De duas uma: ou a essência «Homem» existe no colectivo de todos os homens e não em cada homem singular; ou existe, algures, aparte, para gerar cada homem ao unir-se à matéria-prima indeterminada (hylé).
A única diferença significativa entre Platão e Aristóteles, neste aspecto da cosmogénese, é que o primeiro introduz o demiurgo, um deus-operário, que imprime formas dos arquétipos na matéria e o segundo faz desaparecer, aparentemente, o demiurgo e confere às formas eternas mobilidade, autonomia, para se imprimirem na matéria, uma vez que o Deus aristotélico é imóvel e não intervém no mundo.
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Em uma passagem fundamental de "O Ser e o Tempo" Heidegger caracteriza assim a essência e a existentia do "ser aí" (Dasein), isto é, cada homem na sua singularidade:
«Desta caracterização do "ser aí" resultam duas coisas:
«1. A essência de este ente está no seu "ser relativamente a". O "quê é" (essentia) de este ente, até onde se pode falar dele, tem que conceber-se partindo do seu ser (existentia). (...) este termo não tem nem pode ter a significação ontológica do termo existentia: existentia quer dizer ontológicamente "ser diante dos olhos" , uma forma de ser que, por essência não convèm ao ente do carácter do "ser aí". Evitamos a confusão usando sempre em vez do termo "existentia a expressão exegética "ser diante dos olhos" e reservando o termo de existencia como determinação do ser, para o "ser aí".
«A essência do "ser aí" está na sua existência. As características que se pode pôr em evidência neste ente não são, portanto, "peculiaridades" "diante dos olhos" de um ente "diante dos olhos" de tal ou qual "aspecto", mas sim modos de ser possíveis para ele em cada caso e só isto. Todo o "ser tal" de este ente é primariamente "ser". Daí que o termo "ser aí", com que designamos este ente não expresse o seu «quê é», como mesa, casa, árvore, mas o ser.» (Martin Heidegger, El Ser y el Tiempo, pag 54, Fondo de Cultura Económica).
Por conseguinte, existência, em Heidegger, significa não a realidade ôntica, visível e palpável, de cada ente mas antes o "ser", na sua dupla faceta de existir universal e essência/estrutura geral que atravessa os entes (o homem, o céu, o cavalo, a casa, etc).
Que significa o "ser relativamente a"? É o "ser" universal que podemos imaginar como o centro do círculo e a totalidade deste, isto é, os raios que emana até à circunferência cujos pontos (desta) seriam os entes (o "ser aí" ou homem, as árvores, os rios, as casas, etc).
A essência de cada ente foi extraída da existentia - ou existir universal e estrutura geral do "ser" - do mesmo modo que a figura da estátua (essência, quê é) foi extraída do bloco de mármore ("ser", existência transcendente e imanente à estátua). O mármore, que uso como imagem do "ser", transcende a estátua, é mais vasto que ela e, ao mesmo tempo, é imanente a ela. As leis da estrutura do mármore, a coesão entre as moléculas dos seus componentes ´físico-químicos, é o modo do "ser" relativamente à estátua.
Em vez de usar o termo existência, que confunde muitos dos seus leitores, Heidegger deveria ter usado in-sistência e dizer que «a essência do "ser aí" está na sua in-sistência», na interioridade do "ser" . A frase «a essência do homem está na sua existência» é interpretada, na filosofia de Sartre, de forma inversa à de Heidegger: como acidentalismo, construtivismo da essência, sempre incompleta, esboçada, através da acção objectiva. Para Sartre, a essência do homem não existe a priori, nasce da acção. Mas para Heidegger a essência do homem existe a priori, nasce, não da acção mas do "ser" transcendental e, obviamente, tempera-se e consolida-se na acção.
Por isso existencialismo, em Heidegger, é essencialismo. E em Sartre, é acidentalismo, libertismo.
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Karl Popper estabeleceu, de forma equívoca, uma divisão triádica da perspectiva científica: essencialista, instrumentalista e conjecturalista (teoria das conjecturas e refutações, posição de Popper).
Escreveu Popper:
«O essencialismo, a primeira das três perspectivas da teoria científica a ser discutida, faz parte da filosofia galilaica da ciência. Dentro desta filosofia podemos distinguir três elementos ou doutrinas que nos dizem aqui respeito: o essencialismo (a nossa primeira perspectiva) é aquela parte da filosofia galilaica que não desejo defender e que consiste numa combinação das doutrinas (2) e (3). São estas as três doutrinas:
1) O cientista tem por finalidade descobrir uma teoria ou descrição verdadeira do mundo (e, em especial, das suas regularidades ou leis), que constituirá igualmente uma explicação dos factos observáveis. (Isto significa que a descrição desses factos tem de ser dedutível da teoria, em conjunção com determinados enunciados, as chamadas condições iniciais).
«Esta é uma doutrina que desejo apoiar. Faz parte da nossa terceira perspectiva.»
2) O cientista consegue comprovar em definitivo a verdade dessas teorias, para além de qualquer dúvida razoável .
«Esta segunda doutrina, segundo creio, necessita de correcção. Tudo o que o cientista pode fazer, em minha opinião, é testar as suas teorias e eliminar todas aquelas que não consigam fazer face aos testes mais rigorosos que for capaz de conceber. Mas não pode estar nunca inteiramente seguro de que os novos testes (ou mesmo uma nova discussão teórica) não possam levá-lo a modificar, ou a abandonar, a sua teoria. Neste sentido, todas as teorias são e permanecem hipóteses: são conjecturas (doxa), por contraste com o conhecimento indubitável (epistemé).»
3) As melhores teorias, as teorias verdadeiramente científicas, descrevem as essências ou as naturezas essenciais das coisas as realidades que subjazem às aparências. Esta terceira doutrina (em conexão com a segunda) é aquela a que chamei essencialismo. Estou convencido de que, à semelhança da segunda, é uma doutrina errónea.
«Ora o que os filósofos instrumentalistas da Ciência, de Berkeley a Mach, Duhem e Poincaré, têm em comum é o seguinte: todos eles afirmam que a explicação não é um objectivo da ciência física, dado que esta não pode descobrir a essência oculta das coisas. ( )(Karl Popper, Conjecturas e Refutações, Almedina, pag 147-148; o bold é de nossa autoria)
«O instrumentalismo pode ser formulado como a tese de que as teorias científicas as teorias das chamadas ciências puras não são mais do que as regras de computação (ou regras de inferência), que têm, fundamentalmente, o mesmo carácter que as regras de computação das ciências aplicadas. (Poderíamos inclusivamente formulá-lo como a tese de que a Ciência pura é uma designação imprópria, e que toda a Ciência é aplicada). ( )(Karl Popper, Conjecturas e Refutações, Almedina, pag 157; o bold é nosso.)
«Poderíamos formular esta terceira perspectiva das teorias científicas de forma breve, dizendo que são conjecturas genuínas suposições altamente informativas acerca do mundo que, apesar de não verificáveis, (isto é, susceptíveis de ser demonstradas como verdadeiras) podem ser submetidas a rigorosos testes críticos. São sérias tentativas de descobrir a verdade. Neste aspecto, as hipóteses científicas são exactamente como a famosa conjectura de Goldbach na teoria dos números. Goldbach pensava que essa conjectura podia ser eventualmente verdadeira. E é efectivamente possível que o seja, ainda que nós não saibamos e possamos talvez, nunca vir a saber se ela é ou não verdadeira.» ( )(Karl Popper, Conjecturas e Refutações, Almedina, pag 162; o bold é nosso)
Que confusões impregnam Popper?
Em primeiro lugar, a imprecisão do conceito de essencialismo. Na verdade, essencialismo não se opõe, como contrário, a instrumentalismo. O que se opõe a este é não instrumentalismo, ou racionalismo especulativo. É óbvio que entendemos o que Popper quer dizer por essencialismo, ele pretende designar um platonismo epistemológico em que as explicações últimas (essências) ou pelo menos algumas destas não se podem testar mas pensa confusamente e utiliza um termo inapropriado.
Não há um, mas dois essencialismos, pelo menos. A teoria de Platão é um essencialismo transcendente- as essências estão situadas num mundo inteligível fora da experiência mas a teoria de Aristóteles é um essencialismo imanente as essências ou formas comuns estão nos objectos físicos e no pensamento que as abstrai deles. Assim, há um instrumentalismo essencialista, que reduz as essências a regras procedimentais gerais, a métodos práticos, sem metafísica, e um instrumentalismo não essencialista, isto é, acidentalista.
O contrário de instrumentalismo é racionalismo especulativo, não experimental ou não instrumental, e não essencialismo como Popper sustenta equivocamente.
A TEORIA DAS CONJECTURAS E REFUTAÇÕES É UM ESSENCIALISMO NÃO DOGMÁTICO
Por outro lado, a incapacidade de Popper manejar habilmente o princípio do terceiro excluído três ou mais domínios reduzem-se à dualidade A ou não-A é visível. Aplicando este princípio, infere-se que, sob certa óptica, as teorias podem dividir-se em : essencialistas e não essencialistas. É lógica aristotélica inultrapassável, que Popper não aplica.
Escreveu:
«O essencialismo olha para o nosso mundo quotidiano como uma mera aparência, por detrás da qual descobre o mundo real. Esta perspectiva tem de ser abandonada assim que tomamos consciência do facto de que cada uma das nossas teorias pode ser, por seu turno, explicado por outros mundos, que são descritos por outras teorias teorias de um mais elevado nível de abstracção, universabilidade e testabilidade. A doutrina de uma realidade essencial ou última desmorona-se juntamente com a doutrina da explicação última.»
«Na medida em que, de acordo com a nossa terceira perspectiva, as novas teorias científicas são, à semelhança das antigas, verdadeiras conjecturas, elas constituem verdadeiras tentativas de descrever esses outros mundos. Somos assim levados a tomar todos esses mundos, incluindo o nosso mundo quotidiano, como igualmente reais; ou talvez, melhor dizendo, como aspectos ou estratos igualmente reais no mundo real.» ( )(Karl Popper, Conjecturas e Refutações, Almedina, pag 162-163; o bold é nosso)
Em primeiro lugar, não é verdade que todo o essencialismo olhe para o nosso mundo quotidiano como mera aparência: só algum essencialismo - o de Platão, o de Kant, por exemplo o faz. O próprio Galileu, que Popper classifica como essencialista, vê o mundo como um sistema de fenómenos e coisas reais, considerando apenas as cores, sons, cheiros e sabores como aparências.
Em segundo lugar, Popper admite que as novas teorias científicas as suas, em especial - são, à semelhança das antigas, que eram essencialistas, verdadeiras conjecturas, isto é, essências teóricas, especulativas, verosímeis. Que é a conjectura, senão um conjunto de essências indemonstráveis ou não demonstradas até agora?
Assim, a teoria das conjecturas e refutações de Popper integra-se no dualismo essencialismo- não essencialismo (instrumentalista ou não) que o princípio do terceiro excluído impõe: o conjecturalismo de Popper é um essencialismo não dogmático, mutabilista, que se distingue do essencialismo dogmático de Galileu, Newton e outros e se opõe ao não essencialismo instrumentalista.
A divisão triádica feita por Popper essencialismo, instrumentalismo, teoria das conjecturas e refutações popperiana subsiste, pois, na névoa de confusão.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
A revista Crítica (www.criticanarede.com), a propósito da Dissertação de Mestrado "Essencialismo Naturalizado, de Desidério Murcho sob a Supervisão de João Branquinho, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,no ano 2000, de 97 páginas, insere a seguinte definição de essencialismo:
.«O essencialismo é a doutrina que defende que certos particulares, como Sócrates, têm certas
propriedades essencialmente, ao passo que têm outras propriedades apenas acidentalmente. Assim, uma doutrina essencialista poderá afirmar que Sócrates é essencialmente um ser humano, ao passo que só acidentalmente vivia em Atenas. Isto significa que Sócrates não poderia não ter sido um ser humano, ao passo que poderia não ter vivido em Atenas.» (o negrito é nosso).
Esta definição de essencialismo é, no fundo, uma tautologia. Na verdade, todos os seres ou fenómenos são dotados de uma essência ou estrutura fundamental e,assim sendo, todas as ciências e todas as filosofias seriam essencialismos a partir do momento em que postulam propriedades fundamentais inerentes a qualquer ser ou ente (a alma ou a forma física como essência do homem, o átomo como essência da matéria, a célula como essência da vida, etc). Definir desta maneira essencialismo equivale a definir racionalismo como «doutrina que sustenta que todo o homem é dotado de razão».
Ora, também os empiristas sustentam que o homem é dotado de razão...
Creio que a definição de essencialismo não pode cingir-se a uma tautologia onde cabem todas as correntes filosóficas. A história da Filosofia, tão menosprezada por alguns revisionistas do ensino filosófico hoje, coloca-nos uma distinção entre existencialismo e essencialismo.
Ora a definição de essencialismo expressa na «Crítica» e no Dicionário Oxford de Filosofia de Simon Blackburn, presumivelmente defendida por Desidério Murcho, levaria a classificar a doutrina de Sartre, expressa em «O ser e o nada», como um essencialismo: é que Sartre, que se considerava um existencialista oposto ao essencialismo, sustentava que a essência do homem é a liberdade, a existência pura. Sartre não seria, portanto, existencialista mas sim essencialista, o que levanta uma nuvem de imprecisão conceptual..
A definição por excelência de essencialismo não é a tautologia pobre expressa na «Crítica» de que há coisas com propriedades inerentes ou essenciais. Não. A definição mais rica de essencialismo remonta à coluna vertebral da história da filosofia - Platão, Aristóteles, Ockham, Tomás de Aquino, Hegel - e inscreve-se na problemática do ser enquanto essência na sua relação com a existência material e de movimento.
(Direitos de autor reservados para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
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