Aristóteles foi seguramente, um pensador muito mais profundo que Peter Singer, Bernard Williams, Hillary Putnam, Nigel Warburton, Simon Blackburn, e a generalidade dos filósofos e parafilósofos contemporâneos editados e divulgados nos media. O nosso tempo caracteriza-se por um estranho paradoxo: uma precisão tecnológica de alto grau, consubstanciada na era da informática e da robótica, e uma imprecisão e banalidade filosófica generalizadas - com excepções, felizmente - consubstanciadas em obras de filosofia para o grande público, e dezenas de milhar de teses de mestrado e doutoramento mais ou menos superficiais e coalhadas de equívocos.
Na notável obra que é a Física, Aristóteles escreveu:
«Há pois um movente primeiro e algo que é movido, e também um tempo no qual, e ademais um desde o que e um para o que, já que todo o movimento é desde algo e em direcção a algo. Porque são coisas distintas o que é primitivamente movido, aquilo a partir do que e aquilo em direcção a que algo é movido, como no caso da madeira, do calor ou do frio que são, nesta ordem, o «o que», o «em direcção ao que» e o «desde o que». É claro neste caso que o movimento está na matéria da madeira, não na forma, porque nem a forma, nem o lugar, nem a quantidade movem nem são movidos, mas há um movente, algo movido e algo para o qual é movido. (Porque a mudança toma o seu nome mais do que «em direcção ao que» do que do «a partir do que» algo é movido. Por isso, de uma mudança para o não-ser diz-se que é uma destruição, ainda que o que é destruído mude desde o ser, e de uma mudança em direcção ao ser diz-se que é uma geração, ainda que mude desde o não ser). (Aristóteles, Física, Livro V, 224b; o negrito é colocado por nós).
Esta passagem, a todos os títulos notável - não circunscrevemos a excelência das interpretações do tempo a Kant e Heidegger... - assemelha o tempo ao movimento: em ambos há um desde ou a partir de (o passado, no caso do tempo), um que é, movente (o presente, no caso do tempo) e um para que ou em direcção a que (o futuro, no caso do tempo).
A dificuldade em aceitar na totalidade esta reflexão de Aristóteles reside no facto de este postular que o movimento está na matéria da madeira e não na forma, nem no lugar.
Por que não há-de o lugar mudar com o movimento dos corpos que nele se deslocam? Por que razão só a matéria muda na madeira e não a forma?
A tese aristotélica não implica sustentar que no final de uma viagem de automóvel a matéria corporal de uma pessoa se tenha alterado, movido, ainda que a forma, o contorno, permaneça a mesma? A matéria corporal não é em si mesma um conjunto de microformas invisíveis?
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
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