Toda a vida humana é essencialmente sublinhada e polarizada na existência de pontos de inflexão, verdadeiros picos de montanha, que são ao mesmo tempo pontos de culminação e salto qualitativo. Assim, por exemplo, gasta-se entre 15 a 18 anos de vida a conseguir um diploma universitário, que dê qualificação para o desempenho de uma profissão. O exame final ou a festa de fim de curso são o ponto culminante, o pico da alta montanha cognitivo-activa que constitui o percurso escolar desde os seis anos de idade até à universidade. O casamento é outro ponto de inflexão na vida. Quantos meses ou anos se gastam a namorar ou a acumular dinheiro para comprar o vestido de noiva ou o fato do noivo e pagar a festa da cerimónia - e tudo se dissipa em breves horas.
Com o acto sexual passa-se o mesmo: gastam-se minutos, dezenas de minutos nas carícias preliminares para atingir uns segundos de orgasmo, o ponto culminante, o salto qualitativo entre a excitação e a satisfação repousante. As revoluções libertadoras - por exemplo o dia 25 de Abril de 1974, em que a ditadura de Marcelo Caetano e Tomás foi derrubada, ou o período 25 de Abril de 1974 a 25 de Novembro de 1975 em Portugal - são precedidas por dezenas de anos de lutas e sofrimentos prolongados. A eleição legislativa ou presidencial é um dia culminante no final de campanhas eleitorais de 15 dias e pré-eleitorais de 4 ou 5 anos. O lançamento de um livro ou a inauguração de uma nova fábrica ou escola são momentos culminantes, saltos qualitativos, no final de longos processos de trabalho quotidiano.
Os pontos de inflexão e culminação são os momentos de deboche, de celebração dionisíaca e ao mesmo tempo de perfeição e acabamento de obra.
www.filosofar.blogs.sapo.pt
f.limpo.queiroz@sapo.pt
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Engels teorizou um laço entre o movimento operário alemão e a filosofia de Kant, Schelling e Hegel, caracterizando o povo alemão como o mais teórico da Europa, o que parece, ainda hoje, ser verdade. Escreveu:
«Os operários alemães têm sobre os do resto da Europa duas vantagens essenciais. Em primeiro lugar, a de pertencerem ao povo mais teórico da Europa e terem conservado o sentido teórico que a chamada "gente culta" da Alemanha tão completamente perdeu. Sem a precedência da filosofia alemã, nomeadamente de Hegel, o socialismo científico alemão - o único socialismo científico que jamais existiu - nunca teria nascido. Sem esse sentido teórico entre os operários este socialismo científico nunca lhes teria entrado como entrou na massa do sangue (...)
«A segunda vantagem é a de os Alemães terem sido quase os últimos no tempo a entrar no movimento operário. Tal como o socialismo teórico alemão nunca esquecerá que está aos ombros de Saint-Simon, de Fourier e de Owen, três homens que apesar de todas as fantasias e apesar de todo o utopismo se contam entre as cabeças mais importantes de todos os tempos e anteciparam genialmente coisas cuja correcção nós agora demonstramos cientificamente -assim também o movimento operário prático alemão não deve nunca esquecer que se desenvolveu aos ombros do movimento inglês e francês, pôde aproveitar-se simplesmente das suas
Friedrich Engels, Nota prévia a «A guerra dos camponeses alemães», in Marx e Engels, Obras Escolhidas 2, pag. 186, Edições Avante)
Sem contrariar Engels, pergunto: a aprendizagem de um proletariado nacional com a experiência de outros proletariados basta? Como explicar que o proletariado russo, que não acumulou a experiência do proletariado alemão, e atrás de si tinha a vida de combate de Lenine, Kropotkine e Bakunine, tenha superado, momentameamente, em 1917-1921, o proletariado alemão na revolução anticapitalista, engolida em poucos anos pela ditadura estalinista? Não será necessário, para a revolução, a par da filosofia um impulso dionisíaco, irracional, um instinto revolucionário de massas, impossível de reflectir por completo no espelho da teoria e com uma importância tão grande quanto esta?
www.filosofar.blogs.sapo.pt
f.limpo.queiroz@sapo.pt
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Livraria online de Filosofia e Astrologia Histórica