São quatro os tipos de oposição delineados por Aristóteles : a contradição, a contrariedade, a relação (os termos relativos) e a privação-possessão.
Julgo que há quatro tipos de oposição: a contrariedade (exemplo: fogo versus terra), a diferença intermédia (exemplo: homem é uma diferença intermédia entre dois contrários, espírito e animalidade), a diferença colateral ( exemplo: automóvel é uma diferença colateral ao casal que nele se encontra a conversar, o acidente do lugar, segundo Aristóteles; o número cinco tem uma diferença colateral com os números quatro e seis) e a contradição ( exemplo: ser /não ser, uma coisa ou é amarela ou não amarela). Talvez a concepção que neste artigo se expõe seja um pequeno contributo algo inovador para a consolidação da ciência dialéctica de que Aristóteles foi, na Antiguidade, um grande impulsionador. A «Metafísica» de Aristóteles é uma obra chave no pensamento dialéctico, ainda que não seja perfeita e contenha equívocos anti dialécticos..
DIFERENÇA INTERMÉDIA E DIFERENÇA COLATERAL
O que distingue a diferença intermédia da diferença colateral?
A primeira abarca no mesmo género ou intersecta no mesmo ente individual duas espécies ou géneros diferentes. Exemplo: homem é um misto do género animal e do género racional, possui uma diferença intermédia com animal e uma diferença intermédia com racional, isto é, inclui-se em cada um desses géneros, como espécie ou como substância individual.
A segunda, isto é, a diferença colateral ou mínima, engloba lado a lado entes de espécies diferentes ou espécies de géneros diferentes. Exemplo: há uma diferença colateral entre realismo e pragmatismo, porque pode ser-se, em simultâneo, realista e pragmático. A diferença colateral não significa mais do que uma oposição secundária, comporta ausência de intersecção ou pertença mútua entre os dois termos.
A contradição é a mais extensa de todas as diferenças porque abarca as outras três. A mais intensa de todas é a contrariedade porque é feita de polos opostos que se atraem e repelem reciprocamente. A mais ténue ou menos intensa de todas é a diferença colateral - que está por assim dizer «encostada», contígua, ao ente de que se trata como ponto de referência.
TODAS AS DIFERENÇAS PERTENCEM AO SUPRA-GÉNERO RELATIVO
Estas diferenças são todas relativas, isto é, pertencem todas ao supra-género relativo. Dois ou mais entes podem, num certo sentido (perspectiva), apresentar uma diferença colateral - estarem em géneros diferentes, como por exemplo, idealismo, no género ontognoseologia, e pragmatismo, no género ergológico/praxiológico - e em outro sentido (perspectiva) formar uma contrariedade ou diferença extrema - estarem no mesmo género, como por exemplo, idealismo e realismo, ambos no género ontognoseológico. Nesta minha classificação, elimino o relativo teorizado por Aristóteles como um tipo particular de oposição, porque a relação, característica inerente à multiplicidade, impregna todas as formas de oposição, isto é, todos os tipos de diferença.
A contrariedade nasce, pois, da proximidade que torna incompatíveis dois entes, ou é anterior e externa a essa proximidade.
Se falassemos em termos de ângulos astronómico-astrológicos, dir-se-ia que a contrariedade ou oposição de contrários é o ângulo de 180º; a diferença intermédia é o quadrado ou ângulo de 90º , a diferença colateral os ângulos de 30º (semi-sextil ) e 45º (semi quadrado). A contradição é a diferença em toda a sua extensão - desde o ângulo de 1º até ao ângulo de 180º, em termos de amplitude do círculo.
Encontramos assim os quatro tipos de oposição em cada situação: a mais intensa, por isso mais próxima emocional ou electromagneticamente, é a contrariedade (exemplo: a contrariedade entre a Alemanha e a Grã-Bretanha entre 1940 e 1945, na guerra mundial, eram inimigos encarniçados, destruiam mutuamente as cidades, fábricas e forças militares); a moderada, é a diferença intermédia (exemplo: a posição de Portugal na segunda guerra mundial, neutral, por ter no governo de Salazar anglófilos e germanófilos e por vender volfrâmio, quer à Alemanha, quer à Grã-Bretanha); a externa e indiferente ao conflito, isenta de qualquer um dos contrários, é a diferença colateral (exemplo: a Lua e os planetas do sistema solar ou zonas inóspitas de África onde o conflito não se fez sentir); a mais extensa, que nada deixa de fora mas abarca as diferenças nos seus diferentes graus, é a contradição (exemplo: a Alemanha nazi em guerra, de um lado, e a Inglaterra, os EUA, Portugal, o planeta inteiro, a galáxia e tudo o resto, do outro lado).
Em termos figurativos podemos ainda esboçar a seguinte imagem: a contrariedade e a diferença intermédia são simbolizáveis no globo terrestre, sendo a contrariedade consubstanciada na oposição entre as zonas dos polos norte e sul e a diferença intermédia nas zonas média e equatorial do globo, a diferença complementar no resto do universo que envolve a Terra e a contradição, consubstanciada no todo dividido arbitrariamente em duas metades desiguais como por exemplo, o polo norte e tudo o que não é polo norte, ou a Terra e tudo o que não é a Terra.
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Na linha do racionalismo francês, com fina análise psicológica, Gilles Deleuze (18 de Janeiro de 1925- 4 de Novembro de 1995, o dia do assassínio do primeiro-ministro israelita Itzak Rabin) foi um pensador académico poderoso. Uma das suas ideias chave é a de que a Diferença se sobrepõe à Mesmidade/Identidade, embora andem de mãos dadas. Deleuze possui uma influência considerável de Leibniz - note-se que, em brincadeira cabalística, a imaginação sugere-nos que Giles De...Leuze poderia chamar-se Giles De..Leibniz.
Sabe-se que para Leibniz a mónada - um conceito retirado de Aristóteles: o ponto inespacial, que está em parte nenhuma - era a fonte primordial do universo. a mónada é uma unidade de força e movimento, tal como a Diferença que cria a intensidade e a profundidade, na teoria de Deleuze.
Leibniz, que me parece um vincado inspirador de Deleuze, escreveu sobre a mónada ou substância simples sem partes, hermeticamente fechada ao exterior:
«10. Dou também por concedido que todo o ser criado está sujeito à mudança e, por consequência, também a Mónada criada, e também que essa mudança é contínua em cada uma.» (Gottfried W. Leibniz, Monadologia)
Isto corresponde, na teoria de Deleuze, à Diferença, essa espécie de arquétipo em mutação incessante de intensidade, que cria a profundidade, o espaço, o tempo, o mundo dos fenómenos caracterizado por extensão e qualidade (qualitas) e corpos materiais (quales):
«No ser, a profundidade e a intensidade são o Mesmo - mas o mesmo que se diz da diferença. A profundidade é a intensidade do ser ou inversamente. E dessa profundidade intensiva, desse spatium, saem ao mesmo tempo, a extensia e o extensum, a qualitas e o quale.» (Gilles Deleuze, Diferença e Repetição, pag 375).
O CONCEITO DE DIFERENÇA, UM MISTO DE ARQUÉTIPO EM PLATÃO E MÓNADA EM LEIBNIZ
Sobre o conceito de Diferença, capital na sua filosofia., Deleuze escreveu:
«A diferença não é o diverso. O diverso é dado. Mas a diferença é aquilo pelo qual o dado é dado. É aquilo pelo qual o dado é dado como diverso. A diferença não é o fenómeno, mas o númeno mais próximo do fenómeno. É, portanto, verdade que Deus fez o mundo calculando, mas os seus cálculos nunca estão correctos; e é mesmo esta injustiça no resultado, esta irredutível desigualdade que forma a condição do mundo. O mundo «faz-se» enquanto Deus calcula; não haveria mundo se o cálculo fosse correcto. O mundo é sempre assimilável a um "resto" e o real no mundo só pode ser pensado em termos de números fraccionários ou mesmo incomensuráveis. Todo o fenómeno remete para uma desigualdade que o condiciona. Toda a diversidade e toda a mudança remetem para uma diferença que é a sua razão suficiente. Tudo o que se passa e aparece é correlativo de ordens de diferenças: diferença de nível, de temperatura, de pressão, de tensão, de potencial, diferença de intensidade.» (Gilles Deleuze, Diferença e Repetição, pag 361, Relógio d´Água; o negrito é colocado por mim).
Para Deleuze, a diferença é a forma principial dinâmica, por assim dizer, o arquétipo em movimento: enquanto que em Platão o arquétipo ou essência estática é reproduzido no mundo da matéria - é deficientemente clonado - por acção do demiurgo, que constitui a força dinâmica que plasma a essência na matéria, na chora ou espaço material caótico. Assim, a Diferença é como a mónada de Leibniz : originária, imune a influências exteriores, variando de intensidade porque em contínua transformação.
No entanto, neste texto acima a palavra diferença reveste-se de dois sentidos distintos, o que parece ter escapado a Deleuze: diferença como forma principial dinâmica (nas primeiras linhas do texto) e diferença como diversidade entre objectos e estados, como diversidade no interior do cosmos (nas últimas linhas do texto). No primeiro caso, a Diferença, como arquétipo-demiurgo, não é diferença em relação a algo, mas tem um estatuto ontológico primordial, em si: é princípio da diversidade.
Não parece ser esta a leitura que Fernando Gil faz no prefácio da edição portuguesa do "Diferença e repetição" de Deleuze.
A DIFERENÇA É O CENTRO DO PROCESSO DO ETERNO RETORNO E O MESMO SÓ ESTÁ NA CIRCUNFERÊNCIA?
Retomando o tema do eterno retorno, que é caro a Nietzschze e aos estóicos, Deleuze escreveu:
«O génio do eterno retorno não está na memória, mas no desperdício, no esquecimento tornado activo(...) Assim, a negação como consequência resulta da plena afirmação, consome tudo o que é negativo e consome-se a si próprio no centro móvel do eterno retorno. Se o eterno retorno é um círculo, é a Diferença que está no centro, estando o Mesmo apenas na circunferência - centro descentrado a cada instante, constantemente tortuoso, que gira apenas em torno do desigual.»
«A negação é a diferença mas a diferença vista do lado menor, de baixo.Invertida, vista de cima para baixo, a diferença é a afirmação. Mas esta proposição tem muitos sentidos: que a diferença é objecto de afirmação; que a própria afirmação é múltipla; que ela é criação, mas também deve ser criada, afirmando a diferença, sendo a diferença em si mesma. Não é o negativo que é o motor...» (Gilles Deleuze, Diferença e repetição, pags 120-121, Relógio d´Água; o negrito é posto por mim).
Um dos problema que esta citação levanta é: se a Diferença gira em torno do Desigual - comparemos a Diferença ao sol que tudo ilumina e gira em torno de um centro, apesar de o Sol/Diferença ser o centro irradiante do universo - como classificar a instância do Desigual? Como uma diferença formal, ontologicamente anterior à Diferença-Arquétipo-Mónada?
Há erros antidialécticos neste texto de Deleuze. Não é possível opor a Diferença ao Mesmo como o centro do círculo se opõe à circunferência. A Diferença em si é um Mesmo, porque tem consistência ontológica. Ela só é um Outro em relação a outra Diferença ou ao mundo dos fenómenos.
Também ao afirmar que "a negação é a diferença... vista de baixo" está a atribuir à negação (uma predicação) o significado de "diferença", isto é, diferença numa perspectiva de visão ... da Diferença, como ser principial. É um uso anfibólico, falacioso, do termo "diferença", - diferença em si, ou seja, Forma-Energia, e diferença para outrém, ou seja, desigualdade (negação ou afirmação de algo). É, pois, a pura sofística no texto de Deleuze - escreve muito bem mas afasta-se, poeticamente, do rigor epistémico da descrição ontológica. Lembra "O sofista" de Platão. E a mesma crítica se aplica à frase "invertida, vista de cima para baixo, a diferença é a afirmação".
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Um dos textos de "O Ente e a Essência" de São Tomás de Aquino atravessados por alguma névoa de confusão é o seguinte:
«Assim se torna evidente que quer o termo "homem" quer "humanidade" significam a essência do homem, mas de maneira diversa, conforme se disse. Isto porque o termo "homem" significa-a como um todo, enquanto não suprime a concretização da matéria, mas implícita e indistintamente a inclui, da maneira como o género, conforme se disse, contém a diferença. É por esta razão que se predica o termo "homem" dos individuais. Já o termo "humanidade" significa-a como parte, pois só contém na sua significação aquilo que é próprio do homem, e suprime toda a delimitação da matéria. De onde a não predicamos dos indivíduos humanos. É também por esse motivo que o termo "essência" é algumas vezes predicado numa realidade - dizemos, de facto, que Sócrates é de uma certa maneira uma essência - enquanto, outras vezes é negado, como quando dizemos que a essência de Sócrates não é Sócrates.» (Tomás de Aquino, O Ente e a essência, Contraponto, pag 81).
Que diferença há entre homem e humanidade, segundo São Tomás? Ambas representam a essência homem - ser racional, antropóide, dotado de rosto, mãos com um polegar oposto aos restantes quatro dedos, etc - com a única diferença de "homem" se poder materializar neste ou naquele ente, ao passo que "humanidade" seria irredutível a cada indivíduo concreto. Ora isto não é, senão, platonismo oculto visto que Platão sustentou que as Formas incorruptíveis ou arquétipos permanecem num mundo superior aparte. Neste caso, o arquétipo seria humanidade e a projecção do arquétipo na matéria individuante seria homem.
Por isso é incoerente a crítica que São Tomás faz aos platónicos:
«De maneira semelhante, também não se pode dizer que as noções de género ou de espécie correspondam à essência, enquanto que esta é uma realidade existente fora das coisas singulares, como afirmavam os PLATÓNICOS. É que assim o género e a espécie não poderiam ser atribuídos a um indivíduo determinado.» (São Tomás de Aquino, O Ente e a Essência, Contraponto, pag 81; o negrito é de minha autoria).
Se Tomás de Aquino colocou «humanidade» fora dos seres singulares, à maneira de um arquétipo, como pode criticar o mundo platónico das formas autosubsistentes e eternas?
Existe, aliás, um nítido afastamento de Tomás de Aquino em relação a Aristóteles: este, embora considerando o eidos - essência integral ou forma comum da espécie - capaz de existência separada, fá-lo descer e plasmar-se em cada indivíduo ao passo que São Tomás separa a essência humanidade e o género animalidade dos homens concretos e dos animais concretos, considerando-os uma meia essência e um semi género.´
São Tomás escreve, contra o pensamento de Aristóteles:
«Com efeito, é falso dizer que a essência do homem, enquanto tal, tem o ser neste singular. Na verdade, se ser neste singular pertencesse ao homem enquanto é homem, nunca estaria fora deste singular.Paralelamente também, se pertencesse ao homem enquanto é homem não ser neste singular, nunca seria nele. A verdade, porém, está em dizer que o homem, enquanto é homem, não tem que existir neste singular ou naquele, nem na alma.» (Tomás de Aquino, O Ente e a Essência, Contraponto, págs 83-84; o negrito é posto por mim).
É um raciocínio inconsistente, paradoxal: São Tomás afirma que a essência homem não pode estar em nenhum singular senão ficaria capturada nele - pensamento falacioso - mas com a frase «paralelamente também, se pertencesse ao homem enquanto é homem não ser neste singular, nunca seria nele.» sugere o inverso, isto é, que essência homem pode descer ao singular.
Ao invés, Aristóteles afirmou que a essência está na substância singular (ainda que esteja também fora desta):
«De estes argumentos se conclui que cada realidade singular e a sua essência são uma e a mesma coisa, e não acidentalmente, e que conhecer uma realidade singular não é senão conhecer a sua essência, de modo que inclusive por indução se mostra que ambos são a mesma coisa.» (Aristóteles, Metafísica, Livro VII, 1031b, 19-22; o negrito é posto por mim).
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