Hegel postulou que o ser, entendido como Ideia absoluta, Deus-Espírito, se desdobra em três fases: em si, fora de si e para si. Mas na «Fenomenologia do Espírito» coloca frequentemente os processos do devir em termos de dualidade, de ser em si e para si e ser para outro. Escreve:
«A coisa é um uno, reflectido em si; é para si mas também é para outro, e é tanto um outro para sí como é para outro. A coisa é, segundo isto, para si e também para outro, um ser duplicado e diferenciado, mas é também um uno, ainda que o ser um contradiga esta sua diversidade; a consciência deveria, pois, assumir de novo esta unificação, mantendo-a afastada da coisa. Deveria, portamto, dizer que a coisa, enquanto é para si, não é para outro.» (Hegel,Fenomenología del espíritu, pag 78, Fondo de Cultura Económica, México).
O que aqui parece estar pensado é o seguinte: a coisa é um, una, no primeiro momento - exemplo:a árvore isolada é uma unidade - e, em um segundo momento, estalece relações com os outros - exemplo: a árvore liga-se ao solo, às outras árvores, ao vento, ao céu - e é para estes outros, e, num terceiro momento, a consciência capta a coisa e o mundo dos outros que a envolve - no exemplo: a consciência humana vê e pensa a árvore em si e no seu contexto ambiental. Temos aqui a tese, a antítese e a síntese.
A DIVERSIDADE OU MULTIPLICIDADE NÃO FAZ PARTE DA ESSÊNCIA DO OBJECTO?
Hegel escreveu sobre a determinabilidade ou forma específica/ singular de uma coisa: , o tó ti e o tó tí en einai de Aristóteles:
«Esta determinabilidade, que constitui o carácter essencial da coisa e a distingue de todas as outras determina-se agora de modo que a coisa se acha assim em contraposição a outras mas deve manter-se nisso para si. (...)
«De facto, a determinação do objecto tal como se tem manifestado não contém nada mais que isto: o dito objecto deve ter uma propriedade essencial, que constitui o seu simples ser para si , mas deve ter também nele, nesta simplicidade, a diversidade, que apesar de não ser necessária, não constitua a determinabilidade essencial. Mas esta é uma distinção que já só reside nas palavras; o não essencial, que deve ser ao mesmo tempo necessário, supera-se a si mesmo ou é aquilo que acaba de ser chamado à negação de si mesmo»(Hegel, Fenomenología del espíritu, paginas 78- 79, Fondo de Cultura Económica, México; o destaque a negrito é colocado por mim).
Hegel ilude, nestas passagens, que a essência da coisa é unidade e diversidade interna. E coloca toda a diversidade na rede de relações externas da coisa, o que é insuficiente. Eis um erro de um grande pensador dialético: apresentar a essência da coisa como o Um, o Uno, - o ser para si - e a relação com os outros, necessária, isto é imprescindível, como o múltiplo, a diversidade.
Mas como não perceber que o Um, a essência, se compõe de múltiplas partes, isto é, de diversidade? Por exemplo, a essência de uma determinada mulher é Una, é Um, mas é diversa, pois inclui lábios carnudos, olhos grandes, seios altos, anca estreita, etc. Aqui a diversidade não é inessencial, mas essencial, ao contrário do que escreveu Hegel.
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Concretividade, na linguagem de Scheler, designa o mesmo que talidade na filosofia de Zubiri e que determinabilidade na filosofia de Hegel. Em Hegel, o termo concreto adquire, ademais, o sentido de unidade ou síntese das diversas determinações dos concretos parcelares isto é um sentido não de tal qualidade mas de tais qualidades em bloco, como unidade estrutural do fenómeno.
A concretividade ou concrecção é a qualidade ou o conjunto de qualidades que essencializam ou individuam, caracterizam algo. Por exemplo, a concretividade de uma rosa é: tal tipo de pétalas, tal cheiro, tais espinhos, tal cor, etc; A concretividade de Portugal continental é: país no extremo ocidental da Europa, com 89 000 quilómetros quadrados, de forma aproximadamente rectangular, com orla marítima a oeste e a sul, tendo Lisboa e Porto como cidades principais, etc.
Scheler escreveu:
«Quien afirma un pensar concreto o un querer concreto, supone sin más el totum de la personalidad, pues de otro modo se trataría unicamente de esencias abstractas de actos. Empero, la concretividad pertenece a la esencia, no a la posición misma de la realidad.» (Max Scheler, Ética, Caparrós Editores, Pág 529; a letra negrita é nossa).
Por que razão diz Scheler que a concretividade pertence à essência e não à posição?
Porque entende por posição a ontologia, a teoria do ser, que cada um adopta. Por exemplo, o realismo ontológico é uma posição que sustenta que o universo material está «ali fora» e é independente da minha e das outras consciências humanas mas o idealismo defende uma posição diversa. Ora a eidologia, a teoria da essência (eidos), não é uma posição entre outras nem um conjunto de posições. É metaposicional, no sentido scheleriano do termo.
Assim tanto materialistas como espiritualistas têm a mesma descrição eidética, essencial, de Deus - ser espiritual, infinito, autosubsistente, omnipresente, omnisciente, etc - mas uma diferente posição ontológica: os materialistas dizem que a essência Deus não existe, a não ser na imaginação dos crentes, e os espiritualistas asseguram que a essência Deus é um ser realmente existente.
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