No seu artigo "A eliminação do Descritivismo através da Análise Lógica", Pedro Galvão, da Universidade de Lisboa, enreda-se na dicotomia confusa utilitarismo das preferências/ utilitarismo clássico em que Richard M. Hare se afunda igualmente. Escreve Galvão:
«O utilitarismo de Hare é também objectivo, e não subjectivo: o acto certo certo não é aquele que, ponderados os resultados possíveis de cada curso de acção disponível e as suas respectivas probabilidades, maximiza a utilidade esperada, mas aquele que efectivamente dá origem ao maior total de bem estar. Por fim importa sublinhar que Hare não identifica o bem-estar com o prazer e a ausência da dor, nem com a fruição de uma pluralidade de bens, mas com a satisfação de desejos ou preferências.Constitui assim um exemplo de utilitarismo de preferências.» (Pedro Galvão, A eliminação do descritivismo através da análise lógica da linguagem, in "Do Círculo de Viena à Filosofia Analítica Contemporânea", coordenação de António Zilhão, , Sociedade Portuguesa de Filosofia, Lisboa, 2007, pag 343; o negrito é nosso).
A confusão em que está imerso Pedro Galvão lança a perplexidade: então o bem-estar, para Hare, é a satisfação de desejos e preferências mas não o prazer e a ausência de dor? Mas é possível que a satisfação de desejos exclua o prazer?
É óbvio que não.
Na passagem acima, voltamos a encontrar a miragem ou imagem míope que é a distinção entre utilitarismo clássico que «maximiza a utilidade esperada» e utilitarismo «das preferências». Uma confusão típica dos pequenos intelectuais da ética que não atingem o patamar da visão de conjunto.
Qual a diferença entre "maximizar a utilidade esperada", expressão ambígua, e "dar origem ao maior bem-estar total"?
Quanto a proclamar que "o utilitarismo de Hare é objectivo e não subjectivo" constitui um erro parcial: todo o utilitarismo é simultaneamente objectivo e subjectivo. É objectivo no princípio de criar o maior grau de satisfação possível dos sujeitos envolvidos e subjectivo na determinação do modo concreto de o fazer.
No entanto, Hare é um filósofo confuso nas suas divisões teóricas taxonómicas: insere o subjectivismo como uma modalidade do descritivismo e não considera haver um prescritivismo subjectivista.
«Podemos citar aún otro tipo de descriptivismo, a saber, el subjectivismo. Este término se utiliza de manera muy vaga, pero aquí lo asociaremos en sentido estricto a aquel tipo de descriptivismo naturalista según el cual el significado de "debe" y otros términos morales es describir las actitudes o sentimientos de las personas - por ejemplo, atribuir a las personas en general, o a quien pronuncia la oración, una actitud o sentimiento de aprobación o desaprobación hacia cierto tipo de acto.» (R.M.Hare, El prescriptivismo universal, in Compendio de Ética, Peter Singer (ed), Alianza Diccionarios, pag. 609; o bold é posto por nós).
Ora é fácil conceber que há um prescritivismo subjectivista patente, por exemplo, na frase:
«Age como entenderes, no teu próprio interesse!»
Hare é, portanto, um teórico de segunda linhagem, envolto nas névoas da confusão. Não concebe o carácter ubíquo do subjectivismo, situado ora na planície do descritivismo ora no planalto do prescritivismo.
Voltando ao tema do utilitarismo, verifica-se que o seguinte excerto de R.M.Hare insere as preferências no utilitarismo clássico, pelo menos aparentemente, como fazia Mill, e em nada confirma, antes pelo contrário, a dicotomia mantida por Pedro Galvão entre utilitarismo de Mill e utilitarismo das preferências:
«Un posible recurso para quien busca las necesarias limitaciones al pensamiento moral consiste en decir que a menos que se considere a la persona, en cuyo lugar me imagino estar, en pie de igualdad conmigo mismo, mostrando un igual interés por ella, en realidad no me imagino que yo sea esa persona. Esto supone considerar que sus propias preferencias tienen igual importancia que mis propias preferencias actuales, y formar así preferencias para la situación hipotética en la que yo soy ella, de igual fuerza que las que ella tiene en realidad.»
«Esto es lo que supone seguir la Regla de Oro, hacer a los demás lo que deseamos que nos hagan a nosotros, y querer a nuestro prójimo como a nosotros mismos. También está implícito en la máxima de Bentham «todo el mundo vale lo que uno, nadie más que uno» (citado in Mill, 1861, cap 5, s.f.) » (R.M.Hare, El prescriptivismo universal, in Compendio de Ética, Peter Singer (ed), Alianza Diccionarios, pag. 617; o bold é posto por nós).
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Prescritivismo ético é a doutrina ou conjunto das doutrinas éticas que formula ou prescreve conceitos e regras morais a partir da autonomia da consciência de um sujeito ou conjunto de sujeitos e que, em diversos casos, faz tábua rasa da tradição ética e se opõe ao costume social.
Quase todas as correntes éticas são prescritivistas, ainda que este não seja o ponto de vista de Peter Singer e dos mais renomados teóricos da ética. A moral deontológica de Kant com o seu imperativo categórico (Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal) é um exemplo de prescritivismo. Na classificação parcialmente errónea de R.M. Hare prescritivismo opor-se-ia a descritivismo: ao contrário dos descritivistas «naturalistas» que extraem a norma moral da lei geral sociológica em vigor ( Exemplo: «Se estou na Suíça, não atirarei um papel sequer ou uma ponta de cigarro para o chão, na via pública porque neste país a limpeza na via pública é norma naturalista de aceitação geral»), os prescritivistas delineriariam a sua moral em bases autónomas (Exemplo de um prescritivista: «Mesmo na Suíça, como em qualquer outro país, atirarei os papéis ao chão em protesto contra a existência da pasta de papel que considero ser um crime ecológico contra as árvores do planeta»). A minha posição é distinta: o descritivismo, exemplificado no primeiro caso, é simultaneamente prescritivismo, dado que além de descrever o conteúdo do juízo ético recomenda implicitamente aplicá-lo.
Hare que situa o descritivismo como teoria externalista e o prescritivismo como doutrina internalista, opondo-os de forma antidialéctica, escreveu:
«O prescritivismo pertence assim à classe das teorias éticas conhecidas como «internalistas": as que afirmam que aceitar certo juízo moral é estar eo itso motivado de determinada maneira.(...) As teorias internalistas contrastam com as teorias externalistas, segundo as quais se pode aceitar um juízo moral independentemente das próprias motivações» (R.M.Hare in Compendio de Ética, de Peter Singer, Alianza Diccionarios, pag 614).
Alguns como Michael Smith incorporam o prescritivismo no irrealismo :
«Segundo os irrealistas, não existem factos morais, nem tão pouco se necessita de factos morais para entender a prática moral. Felizmente podemos reconhecer que os nossos juízos morais exprimem simplesmente o nosso desejo de como as pessoas se comportam. Esta posição, a contrapartida psicológica ao irrealismo, denomina-se "não-cognotivismo" (o irrealismo tem diferentes versões: por exemplo, o emotivismo, o prescritivismo e o projectivismo).» (Michael Smith, El realismo in Compendio de Ética, de Peter Singer (ed), Alianza Diccionarios, pag 544).
Parece-nos errada esta hierarquização, pois mistura o axiológico-práxico (prescritivismo é valoração e apelação moral ) com o ontológico (irrealismo/ realismo, existência ou não em si mesmos dos valores).. Existe um prescritivismo realista, que se integra no realismo ético exemplo: «A democracia liberal é o modelo que deve ser instaurado em todos os países porque o bem da liberdade colectiva e individual é real em todas as latitudes e povos»; a ética de Kant é um prescritivismo realista ético subjectivista, uma vez que o supremo bem existe objectivamente ainda que cada um lhe confira uma coloração ética subjectiva e um prescritivismo irrealista exemplo de pragmatismo psicologista: «É imprescindível implantar, por mero pragmatismo, o valor de existência de um Deus justo e igualitário para toda a humanidade ainda que esse facto moral não seja real mas apenas uma irrealidade imanente à consciência de milhões ou biliões de seres humanos».
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