Na Prova 714 de Exame Nacional de Filosofia, 11º ano de escolaridade em Portugal, 2ª fase, de Julho de 2018, algumas das 8 perguntas de escolha múltipla, valendo 8 pontos cada, estão construídas sem clareza dialética.
Consideremos, por exemplo, a questão 4 do Grupo I, na qual só uma das quatro alíneas deverá ser a resposta correcta.
4. Considere o argumento seguinte.
Os enormes custos ecológicos do transporte aéreo deveriam ser integrados nos bilhetes de avião, pois
essa é a única coisa sensata a fazer.
Quem apresenta o argumento anterior
(A) não incorre numa falácia, porque todos os custos de um serviço devem ser pagos por quem o usa.
(B) incorre numa falácia, porque dá como provado o que pretende provar.
(C) incorre numa falácia, porque critica injustamente as transportadoras aéreas.
(D) não incorre numa falácia, porque dá razões, em vez de procurar explorar as emoções do auditório.
Os critérios de correção indicam que a resposta certa é a B.
Crítica nossa. Está errada a correção oficial ao indicar a B. A resposta A está correcta, porque de facto não é falácia nenhuma dizer que os passageiros devem pagar todos os custos de um serviço. É uma visão liberal economicista.
Vejamos a questão 7 do grupo I
7. A dúvida cartesiana também se aplica às crenças a priori. O argumento que permite pôr em causa as
crenças a priori é o argumento:
(A) das ilusões dos sentidos.
(B) do sonho.
(C) do génio maligno.
(D) da existência de Deus.
Segundo os critérios de correção a resposta correcta seria a C.
Crítica nossa: há 3 respostas correctas, A, B e C. Vejamos: no seu mais célebre raciocínio Descartes exprime o seguinte : «Se quando estou a sonhar me parecem verdadeiros os sonhos que tenho (argumento do sonho), posso pensar que continuo a sonhar quando estou de olhos abertos, logo duvido, ponho em causa as crenças a priori de que existem o mundo físico, o meu corpo, Deus.... » O argumento da ilusão dos sentidos nega também crenças a priori: «Uma vez que os sentidos me enganam muitas vezes posso presumir que me enganem sempre, logo duvido do meu corpo, do mundo físico, etc. Mesmo sem recorrer ao argumento da existência de um génio maligno que me enganasse em tudo o que vejo e sinto, os argumentos A e B bastam para negar as crenças a priori.
A questão está mal construída.
Vejamos a questão 8 do grupo I.
8. Imagine que Descartes era forçado a concluir que, afinal, Deus pode ser enganador; nesse caso, para ser
coerente, ele teria de aceitar que
(A) apenas as sensações corporais podem ser falsas.
(B) as ideias claras e distintas podem ser falsas.
(C) é falsa a ideia de que ele próprio existe enquanto pensa.
(D) os sentidos são mais importantes do que a razão.
Segundo os critérios de correção a única resposta certa é a B.
Crítica nossa: há duas respostas correctas, a B e a C. A ideia do penso logo existo está contida na hipótese C e é uma intuição, uma ideia clara e distinta, portanto está também implicada na hipótese B. Portanto, se a resposta B está certa a C está também certa porque está englobada na B. Que raciocínios tortuosos são os de quem gizou estas questões...É isto a filosofia analítica corrente, um emaranhado de arbitrariedades...
Johannes Hessen sustenta, erroneamente, que o idealismo não tem a intuição imediata do eu e afirma que esta está inerente ao realismo volitivo que derrotaria o idealismo. Escreveu:
«Frente ao idealismo, que pretendera fazer do homem um puro ser intelectual, o realismo volitivo chama a atenção sobre o lado volitivo do homem e sublinha que o homem é, em primeiro lugar, um ser de vontade e de ação. Quando o homem, no seu querer e desejar, tropeça com resistências, vive nestas, de um modo imediato, a realidade.»
«A nossa convicção da realidade do mundo exterior não descansa, pois, num raciocínio lógico, mas sim numa vivência imediata, numa experiência da vontade. Com isto, fica, com efeito, superado o idealismo.»
«Mas o idealismo fracassa também no problema da existência do nosso eu, da qual estamos certos por uma auto-intuição imediata. (...) Todo o idealismo fracassa, necessariamente, contra esta auto-certeza imediata do eu».
(Johannes Hessen, Teoria do Conhecimento, Arménio Amado- Editor Sucessor, Coimbra, 7ª edição, 1978, página 112; o bold é posto por nós).
Hessen fala como se fosse a vontade, mola do realismo volitivo, o orgão apreensor do eu. Mas a vontade é cega, funciona nos dois sentidos: tanto no sentido intuitivo, como no sentido contra-intuitivo, racional, tanto pode aperceber-se do eu como não se aperceber. Hessen está redondamente equivocado: todo o idealismo material parte do primado do eu que se descobre intuitivamente a si mesmo. A tese «ser é ser percebido» de George Berkeley é tanto intelectual como sensorial, isto é, o idealismo não é puramente intelectual: o mundo é o conjunto das percepções sensoriais formadas no meu eu e este apreende-se intuitivamente. Tanto Descartes (idealista provisório no início, realista crítico no final) como George Berkeley como Emanuel Kant partem do eu mental e espiritual como primeira certeza, anterior ao mundo dos objectos que é considerado como um aglomerado de sensações tácteis, visuais, olfactivas, sem autonomia própria. Kant fala na apercepção pura ou transcendental como base de todo o conhecimento, isto é, de um eu originário anterior à matéria não passando esta de representação, imagem, sensação. Só o idealismo de David Hume, fundador longínquo da filosofia analítica, coloca em dúvida a existência do eu afirmando que somos apenas um fluxo contínuo de percepções e ideias sem um substrato permanente. Dizer que o idealismo em geral não tem a intuição imediata do eu é um erro monumental.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Eis um teste de filosofia para o 11º ano do ensino secundário em Portugal.
Agrupamento de Escolas nº1 de Beja
Escola Secundária Diogo de Gouveia , Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 11º ANO TURMA B
1 de Fevereiro de 2016. Professor: Francisco Queiroz
I
“.O espaço não é um conceito empírico extraído de experiências externas…O entendimento faz a síntese do diverso da intuição empírica e é condicionado, ao passo que a razão é incondicionada e produz antinomias» (Kant, Crítica da Razão Pura)
1) Explique estes pensamentos de Kant.
2) Explique, como, segundo a gnosiologia de Kant, se formam o fenómeno ESCOLA, o conceito empírico de ESCOLA e o juízo a priori «Cinco mais seis é igual a onze».
3) Relacione, justificando:
A) As sete relações filosóficas em David Hume e as formas a priori da sensibilidade e do entendimento na teoria de Kant
B) As três res e três tipos de ideias em Descartes
C) Holismo e astúcia da razão em Hegel.
D) Idealismo, empirismo, teoria da tábua rasa e ideias de «eu», «alma» e «substância» em David Hume.
1) O espaço não é um conceito empírico extraído de experiências exteriores porque para o idealista Kant o espaço é a priori, existe antes de qualquer objecto físico, como sendo o lado externo, exterior ao nosso corpo, da sensibilidade. (VALE DOIS VALORES).O entendimento, faculdade que pensa os fenómenos mas não os sente, faz a síntese do diverso das intuições porque recebe milhares de intuições sensoriais de fenómenos (exemplo: muitas imagens de rosas brancas, vermelhas, etc) que sobem ao entendimento e este com as categorias de pluralidade, unidade, realidade, etc, reduzem-nas a um conceito único de rosa. É condicionado porque a sua atenção está centrada no mundo visível dos fenómenos (comboios a circular, salários dos trabalhadores, etc). A razão, faculdade que pensa os númenos ou objectos incognoscíveis (Deus, imortalidade da alma, a totalidade do mundo, não os objectos físicos) é livre, incondicionada porque vai além da experiência e entra na metafísica, pode «inverter» a ordem da natureza e imaginar que o filho nasça antes da mãe, etc. Balança ao gerar as antinomias, leis ou teses opostas, como por exemplo «Deus existe, Deus não existe, a liberdade existe, a liberdade não existe» (VALE TRÊS VALORES).
2) O númeno ou objecto metafísico afecta de alguma maneira a sensibilidade fazendo nascer nesta um caos empírico de matéria indeterminada e as formas a priori de espaço (figuras, extensão) e tempo (duração, simultaneidade, sucessão) moldam essa matéria transformando-a no fenómeno escola, que é o objecto visível ou coisa para nós. As imagens do fenómeno são levadas pela imaginação às categorias de unidade, pluralidade, realidade e outras do entendimento ou intelecto ligado ao mundo empírico e aí são reduzidas à unidade, a um conceito único de escola. Na forma a priori do tempo, na sensibilidade existem os números cinco, seis, onze e outros, estas intuições são elevadas ao entendimento, às categorias de unidade, pluralidade, totalidade, necessidade e estas categorias com a ajuda da tábua de juízos puros, em particular do juízo apodíctico, produzem o juízo a priori «Cinco mais seis é igual a onze» (VALE TRÊS VALORES).
3) A) As sete relações filosóficas são, segundo David Hume: identidade, semelhança, relações de tempo e de lugar, proporção de quantidade ou número, graus de qualidade, contrariedade e causação. É discutível saber se são noções a posteriori, ou seja, que surgem na experiência sensorial e não antes desta, ou se são formas a priori, isto é, estruturas vazias que estão antes da primeira experiência. As formas a priori da sensibilidade, em Kant, são: o espaço, cujo conteúdo é extensão e figuras geométricas, e o tempo, cujas determinações são duração, sucessão, simultaneidade e números.
É fácil detectar correspondências entre Hume e Kant: as relações de tempo e de lugar, em Hume, correspondem ao espaço e tempo à priori em Kant; a proporção de quantidade ou número, em Hume, equivale aos números contidos no tempo, em Kant.
As categorias, em Kant, são formas a priori do entendinento, isto é, mecanismos inatos do pensamento, anteriores a toda a experiência sensorial, como por exemplo, unidade, pluralidade e totalidade (categorias da quantidade). São 12 e constituem a seguinte tábua:
I
Da quantidade:
Unidade
Pluralidade
Totalidade
2 3
Da Qualidade Da relação
Realidade Inerência e subsistência
Negação ( substancia et accidens)
Limitação Causalidade e dependência
(causa e efeito)
.....................................................................................Comunidade
(acção recíproca entre
o agente e o paciente)
4
Da Modalidade:
Possibilidade-Impossibilidade
Existência-Não-existência
Necessidade-Contingência
Podemos fazer corresponder a relação filosófica de causação (determinismo), em Hume, à categoria de necessidade (lei infalível de causa-efeito) em Kant. Também podemos estabelecer correspondência entre a relação filosófica de identidade e a categoria de inerência e subsistência (substância e acidente). As formas a priori do entendimento incluem as categorias e os juízos puros (afirmativos, negativos, assertóricos, apodícticos, etc) que são doze (VALE TRÊS VALORES).
B) As três res ou substâncias primordiais em Descartes são: a res divina, Deus, espírito criador do universo, fonte das outras duas; a res cogitans ou pensamento humano sobre ciências, filosofia, senso comum, etc; a res extensa, isto é, a matéria, abstracta e indeterminada, constituída por comprimento, largura e altura dos corpos, destituída de cor, som, cheiro. Os três tipos de ideias são : inatas, nascem connosco (ideias de triângulo, corpo, número, etc); adventícias, isto é, percepções empíricas; factícias, isto é, forjadas na imaginação. Podemos fazer corresponder as ideias adventícias à res extensa, por exemplo, ou as inatas, conforme o ponto de vista.(VALE QUATRO VALORES).
C) Holismo é a teoria que diz que a verdade é o todo e que o comportamento de cada parte só pode ser explicado em função do Todo. A astúcia da razão universal é a utilização das ambições pessoais de cada homem de Estado pela razão extra hunana ou Deus de modo a fazer avançar a história para onde a razão quer. Sendo a astúcia da razão uma estratégia holística de manipular os homens ela é holismo, (VALE DOIS VALORES).
D) O idealismo, isto é, a doutrina que diz que o mundo material exterior à mente humana não existe, é ilusório, é base da teoria de Hume. Por exemplo, o"eu" em David Hume não é uma realidade, mas uma ideia ilusória, uma vez que somos apenas uma corrente de percepções empíricas a que a memória e a imaginação atribuem um núcleo invariável chamado «eu». Do mesmo modo, a substância (exemplos: as substâncias cadeira ou nuvem) é uma ideia fabricada pela nossa imaginação servindo-se das sete relações filosóficas que são disposições sensório-intelectuais a priori da mente humana: semelhança, identidade, relações de tempo e lugar, proporção de quantidade ou número, graus de qualidade, contrariedade e causação. A ideia de permanência, de continuidade entre as percepções empíricas forja as ideias de eu e de substância. As relações de tempo e lugar não estão em objectos materiais fora de nós mas são um modo de ver e pensar inerente à nossa mente - e isto é idealismo. David Hume é empirista porque sustenta que as nossas impressões de sensação ou percepções empíricas (exemplo: a visão de um gato, o sabor da açorda alentejana) são a fonte das nossas ideias. Sustenta a teoria da tábua rasa que diz que ao nascer a mente humana vem vazia de conhecimentos. (VALE TRÊS VALORES).
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© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Eis um teste de filosofia do 11º ano de escolaridade, o último do primeiro período lectivo.
Agrupamento de Escolas nº1 de Beja Escola Secundária Diogo de Gouveia, Beja TESTE DE FILOSOFIA, 11º ANO TURMA A
6 de Dezembro de 2016. Professor: Francisco Queiroz
I
“Alguns diretores de cinema são norte-americanos.
Alguns norte-americanos são racistas.
Os racistas não são directores de cinema.».
1-A) Indique, concretamente, três regras do silogismo formalmente válido que foram infringidas na construção deste silogismo.
1-B) Indique o modo e a figura deste silogismo.
II
“Um só caminho nos fica – o Ser é! Existem milhares de sinais de sinais demonstrativos de que o Ser é incriado…Ser e Pensar é um e o mesmo”(Parménides de Eleia).
2-A) Explique o que é o Ser segundo Parménides, com base no texto e em outras fontes, e relacione Ser com realismo, idealismo e fenomenologia.
3)Relacione, justificando:
A) Ser fora de si e ser para si, em Hegel, e lei do salto qualitativo.
B) Espírito de um Povo, Espírito do Mundo e Holismo, em Hegel
C) Percepção Empírica, Conceito, Juízo e Intuição Inteligível.
D) Falácia depois de por causa de e indução amplificante.
E) Idealismo, Realismo Crítico e os quatro passos gnoseológicos do raciocínio de Descartes.
CORREÇÃO DO TESTE DE AVALIAÇÃO COTADO PARA 20 VALORES
I
A) Três regras infringidas da validade do silogismo acima foram: de duas permissas afirmativas não se pode extrair uma conclusão negativa; nenhum termo pode ter maior extensão na conclusão do que nas premissas (alguns racistas na permissa menor/ os racistas na conclusão); o termo médio (norte-americanos ) tem de ser tomado pelo menos uma vez universalmente e está tomado apenas no sentido de «alguns» e não de «todos». (VALE TRÊS VALORES).
1-B) O modo do silogismo é IIE, a figura é PS (predicado e predicado refere-se à posição do termo médio nas premissas) ou 3ª figura.(VALE UM VALOR).
2) A ontologia de Parménides de Eleia diz que a única realidade é o ser, um ente uno, imóvel, imutável, esférico, invisível, imperceptível, eterno, que não foi nem será porque é eternamente o mesmo e diz que «ser e pensar são um e o mesmo». A mudança das cores, o nascimento, o crescimento, o decrescimento e a morte, a sucessão das estações do ano e todas as mudanças são aparências, ainda que o ser possa estar subjacente a elas, escondido atrás delas. A interpretação realista desta frase «ser e pensar são um e o mesmo». é: o pensamento é idêntico ao ser, é espelho do ser material ( e aqui podemos «ler» o ser como realismo, doutrina que sustenta que o mundo de matéria é real em si mesmo). A interpretação idealista da mesma frase é: o ser é pensamento, nada existe fora da ideia absoluta que é o ser, e o mundo de matéria, com a mudança das estações do ano, o nascimento e a morte não passa de ilusão (idealismo é a teoria que afirma que o mundo material é irreal é como um sonho dentro da minha ou das nossas imensas mentes). A fenomenologia é a doutrina céptica no seu fundo que afirma que a mente humana e a matéria são correlatas não se sabendo se o mundo material existe em si mesmo ou não. (VALE QUATRO VALORES)
3-A) Para Parménides, o ser é invisível, imóvel, imutável, exclui as aparências empíricas. O ser é significa a sua eternidade e imutabilidade: não principiou, não acabará. Para Hegel, o ser é invisível e visível consoante as épocas, é mutável, inclui as aparências empíricas (o verde das árvores, o calor do sol, etc) e desdobra-se em três fases, segundo a lei da tríade: fase lógica, Deus sozinho antes de criar o universo o espaço e o tempo (é a tese ou afirmação, o primeiro momento da tríade); fase da natureza ou do ser fora de si, na qual Deus se aliena ou separa de si mesmo ao transformar-se em espaço, tempo, astros, pedras, montanhas, rios, plantas e deixa de pensar (é a antítese ou negação, o segundo momento da tríade); fase da humanidade ou do espírito ou do ser para si, em que a ideia absoluta/Deus emerge com a aparição da espécie humana, que é Deus encarnado evoluindo em direção a si mesmo, por sucessivas formas de estado, desde o despótico mundo oriental (um só homem livre, o faraó ou o imperador oriental) passando pelo mundo greco-romano (alguns homens são livres, os escravos e os servos não) até ao mundo cristão da Reforma protestante onde todos os homens são livres (é a síntese ou negação da negação). A lei do salto qualitativo postula que a acumulação lenta e gradual em quantidade de um dado aspecto de um fenómeno leva a um salto brusco ou nítido de qualidade nesse fenómeno. Podemos dizer que na fase do ser fora de si foram surgindo, uma a uma, as espécies vivas de plantas e animais (acumulação em quantidade, lenta) até que com o aparecimento do homem se deu o salto de qualidade. (VALE TRÊS VALORES).
3-B) Espírito de um povo é o conjunto da sua filosofia, dos seus mitos, da sua organização política e social, do seu direito, arte, religião, literatura, folclore. O espírito do povo português inclui catolicismo com devoção a Fátima, chico-espertismo individualista (fuga aos impostos, etc.) ao passo que o espírito do povo sueco inclui protestantismo, amor à natureza florestal, trabalho em equipa descentralizada. O espírito do mundo é a soma dos espíritos de todos os povos do mundo e isso é holismo, visão de conjunto que lê as partes a partir do todo (VALE DOIS VALORES).
3-C) Percepção empírica é um conjunto organizado de sensações que, em regra, serve de base ao conceito, isto é, ideia de uma coisa ou classe de coisas (ver muitos cavalos leva à formação do conceito de cavalos). Juízo é uma afirmação ou negação, ligando entre si por um verbo dois ou mais conceitos. Intuição inteligível é a captação instantânea de uma realidade ou irrealidade invisível, metafísica ou cisfísica (VALE DOIS VALORES).
3-D) A falácia depois de por causa de é o erro de raciocínio que atribui uma relação necessária de causa efeito a dois fenómenos vizinhos por acaso (exemplo: «Há 10 dias vi um gato preto e caí da bicicleta, há 5 dias vi outro gato preto e perdi a carteira, ontem vi um gato preto e o meu telemóvel avariou, logo ver gatos pretos dá-me azar). A indução amplificante é a generalização de alguns exemplos empíricos similares segundo uma lei infalível (Ex: Depois de 1000 experiências, induzimos que os corpos largados no ar caem para a Terra). Ambas generalizam. (VALE DOIS VALORES).
3-E) Os quatro passos do raciocínio de Descartes são pautados pelo racionalismo, doutrina que afirma que a verdade procede do raciocínio, das ideias da razão e não dos sentidos, racionalismo esse que é uma forma de radicalidade filosófica. O idealismo, doutrina que postula que a matéria é irreal, não passa de conjunto de sensações ou ideias, está presente no segundo e no terceiro passos, e o realismo crítico, que afirma que vemos de forma distorcida o mundo real exterior, está no quarto passo:
1º Dúvida hiperbólica ou Cepticismo Absoluto( «Uma vez que quando sonho tudo me parece real, como se estivesse acordado, e afinal os sentidos me enganam, duvido da existência do mundo, das verdades da ciência, de Deus e até de mim mesmo »).
2º Idealismo solipsista («No meio deste oceano de dúvidas, atinjo uma certeza fundamental: «Penso, logo existo» como mente, ainda que o meu corpo e todo o resto do mundo sejam falsos»).
3º Idealismo não solipsista («Se penso tem de haver alguém mais perfeito que eu que me deu a perfeição do pensar, logo Deus existe).
4º Realismo crítico («Se Deus existe, não consentirá que eu me engane em tudo o que vejo, sinto e ouço, logo o mundo de matéria, feito só de qualidades primárias, objetivas, isto é, de figuras, tamanhos, números, movimentos, existe fora de mim»). Realismo crítico é a teoria gnosiológica segundo a qual há um mundo de matéria exterior ao espírito humano e este não capta esse mundo como é. Descartes, realista crítico, sustentava que as qualidades secundárias, subjectivas, isto é, as cores, os cheiros, os sons, sabores, o quente e o frio só existem no interior da mente, do organismo do sujeito, pois resultam de movimentos vibratórios exteriores e que o mundo exterior é apenas composto de formas, movimentos e tamanhos e uma matéria indeterminada. (VALE TRÊS VALORES).
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
A prova escrita 714 /2ª Fase, exame nacional de Filosofia, de 19 de Julho de 2016, contém, como as de anos anteriores, diversos erros na construção das perguntas da escolha múltipla, que prevêem uma só resposta certa entre quatro hipóteses. Eis exemplos na versão 1 da prova, de como a mentalidade hiper-analítica dos autores, que vê a árvore e não vê a floresta, produz a má filosofia e sujeita os alunos a perguntas deficientes.
Grupo I
4) «Não temos livre-arbítrio, porque ter livre.arbítrio é ter o poder de escolher algo, e nós apenas temos a ilusão de que podemos escolher».
O orador que apresenta o argumento anterior incorre na falácia
A) da petição de princípio.
B) da derrapagem.
C) do falso dilema.
D) do boneco de palha.
Crítica minha: não há qualquer falácia na frase acima. Schopenhauer e Nietzsche, além de outros filósofos, subscreveriam perfeitamente essa frase porque não acreditavam no livre.arbítrio. Petição de princípio seria dizer o seguinte «O livre-arbítrio existe porque eu sinto que posso escolher livremente».
Vejamos outra questão.
8. Segundo Kant, o imperativo categórico pode ser formulado do seguinte modo: age apenas segundo uma máxima tal que
(A) ela se torne uma lei universal.
(B) ela se torne um hábito para ti.
(C) possas ao mesmo tempo querer que ela se torne um hábito para ti.
(D) possas ao mesmo tempo querer que ela se torne uma lei universal.
Crítica minha: há duas respostas corretas, A e D, e não apenas uma como proclamam os critérios de correção. A diferença de conteúdo entre A e D é insignificante: os hiper-analíticos são formalistas até ao ridículo, para eles, ao contrário do que dizia Heráclito, «o caminho que sobe e o (mesmo) caminho que desce não são um e o mesmo».
Analisemos outra questão.
9. Kant consideraria que uma pessoa que, motivada unicamente por um sentimento de pena, ajudasse uma criança perdida na praia a encontrar os seus pais:
(A) Praticaria uma ação com valor moral.
(B) agiria em conformidade com o dever.
(C) praticaria uma ação imoral.
(D) agiria por dever.
Crítica minha: há três respostas certas, embora pressupondo dois ou três cenários diferentes, A, B e D. A acção de ajudar a criança teria sempre valor moral (hipótese A) - se Kant achava que mentir ou matar violava o dever então também abandonar a criança perdida na praia violaria o dever - e poderia constituir um agir por dever (hipótese D) já que a criança seria uma qualquer criança, sem distinção de sexo, classe social, raça ou idade, e, a ação se faria segundo a máxima sentimental «Restitui sempre aos pais qualquer criança perdida pois é uma coitadinha» - o sentimento se for universalizável não constitui lei moral? - e noutro cenário, poderia ser um agir em conformidade com o dever (hipótese D) porque a lei social impõe que se devolvam as crianças perdidas aos pais e a pessoa que o faz quer ficar bem vista, age por interesse egoísta. Não é uma ação imoral (hipótese C) se por imoral se entende «contra o dever».
10. Descartes considera que o cogito é um conhecimento especialmente seguro, porque é:
(A) obtido por um processo a priori.
(B) imune ao próprio processo de dúvida.
(C) confirmado pela experiência .
(D) o fundamento do conhecimento.
Crítica minha: há três respostas corretas, A,B, D, e não apenas uma. De facto, o cogito é pensado a priori, fora da experiência sensorial e isso torna-o uma certeza (hipótese A). Também o pensamento do cogito é imune à dúvida: «Eu penso, logo existo» (hipótese B). E o «eu penso, existo como mente» é o fundamento de todo o edifício do conhecimento (hipótese D).
É a esta lotaria, mais ou menos arbitrária, de respostas a que são sujeitos os estudantes de filosofia. Provas de exame deste teor envergonham a clareza que é apanágio da autêntica filosofia. Senhor ministro da Educação , faça o favor de mudar a equipa de autores desta prova de exame e de não ceder à pressão do desastroso lobby da filosofia analítica, um grupo de incompetentes que hoje domina a Sociedade Portuguesa de Filosofia e certas editoras de manuais escolares.
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f.limpo.queiroz@sapo.pt
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
O exame nacional de filosofia, prova 714 /1ª fase, de 15 de Junho de 2016, apresenta inconsistências na formulação das questões de escolha múltipla, que pedem selecionar uma só «resposta correta» de entre quatro hipóteses, a exemplo de outros anos. Vejamos alguns exemplos extraídos da versão 1 da prova.
GRUPO I
5. Considere as frases seguintes.
1. O italiano é a língua oficial da Itália.
2. Todos os sólidos ocupam espaço.
É correcto afirmar que:
(A) ambas exprimem conhecimento a priori.
(B) ambas exprimem conhecimento a posteriori.
(C) 1 exprime conhecimento a priori, 2 exprime conhecimento a posteriori.
(D) 1 exprime conhecimento a posteriori, 2 exprime conhecimento a priori.
Nota: A Grelha de correção oficial diz ser a resposta D a única correta.
Crítica: Não há resposta absolutamente objectiva e única a esta questão. É erróneo dizer que só uma destas hipóteses é correta e as outras erradas. Um empirista puro, como David Hume, dirá que todo o conhecimento é a posteriori e subscreveria como certa a hipótese B: na verdade, saber o que é a Itália implica um conhecimento proveniente da experiência, isto é a posteriori, exige ver o mapa do país com a forma de bota e ver imagens de Roma, Florença, Veneza, etc. E o facto de o italiano ser a língua da Itália é extraído da experiência porque, por hipótese, poderia ser a língua latim ou a língua inglesa o idioma oficial da Itália. De igual modo, um tal empirista puro diria que só pela observação a posteriori de cubos, esferas e outros sólidos se conclui que estes ocupam espaço.
Um empiro inatista - ou empiro-racionalista - como Kant diria que a hipótese D é a correcta: um juízo que fala da Itália, país que é um fenómeno, um objecto empírico, é a posteriori mas um juízo de geometria pura como «todos os sólidos ocupam espaço» é a priori, formado pelo entendimento puro sem recurso às sensações, ao ver ou tocar esferas ou cubos físicos, palpáveis, recorrendo apenas à intuição pura de espaço e de figuras geométricas. Os autores do exame considera, correta esta última resposta D
Vejamos outra questão.
6. Suponha que um vendedor incentiva um cliente a comprar um telemóvel nos seguintes termos.
«Eu, no seu caso, comprava este telemóvel. Pode parecer um pouco caro, mas os seus colegas vão de certeza ficar cheio de inveja, pois este modelo não está ao alcance de qualquer um e é o escolhido por pessoas que já têm um certo estatuto. Assim, até vai atender as chamadas dos seus amigos com mais gosto».
Este discurso é uma tentativa de
(A) persuasão racional, pois são apresentadas razões que permitem uma avaliação objetiva do produto.
(B) persuasão por meio de manipulação, pois pretende-se convencer apelando unicamente às emoções.
(C) persuasão racional, pois os factos apresentados nas premissas são evidentes e todos os reconhecem.
(D) persuasão por meio de manipulação, pois incentiva as pessoas a consumirem bens dispensáveis.
Nota: A Grelha de correção oficial diz ser a resposta B a única correta
Crítica: Há duas respostas corretas e não apenas uma como pretendem os autores do exame: a B e a D. Há, decerto, manipulação por via das emoções (vaidade, inveja) no texto do vendedor acima mas há igualmente um incentivo a consumir um bem dispensável, um telemóvel caro.
Passemos a outra questão.
7. Os relativistas acerca dos valores defendem que:
(A) a correção dos juízos de valor depende da cultura e, assim, o que é correto numa cultura pode não o ser noutra.
(B) todos os valores são relativos e, por isso, nenhum juízo de valor é correto ou incorreto.
(C) nenhuma cultura tem valores coincidentes com os valores de outra cultura.
(D) a correção dos juízos de valor depende inteiramente do que é aprovado nas sociedades mais evoluídas
Nota: A Grelha de correção oficial diz ser a resposta B a única correta.
Crítica: há duas respostas corretas, A e B, ainda que a A seja mais perfeita que a B. Esta última exprime a posição de uma parte dos relativistas, aquela que desemboca no ceticismo, no nivelamento igualitário de todas as culturas.
O que é o relativismo? É a doutrina que diz que a verdade, os valores variam de época a época, povo a povo, cultura a cultura, classe a classe social, etc. E é só isto. A alínea A da versão 1 (a correção dos juízos de valor depende da cultura e assim o que é correto numa cultura pode não o ser noutra) é a definição correcta de relativismo.
A alínea B (todos os valores são relativos e por isso nenhum juízo de valor é correto ou incorreto) mistura duas definições: relativismo e ceticismo.
Se eu digo «No mundo há democracias liberais, fascismos, ditaduras comunistas, os regimes políticos são relativos, mas eu acho que o melhor é a democracia» estou a ser relativista sem ceticismo, com dogmatismo, estou a diferenciar. A igreja católica romana que há séculos era absolutista («ninguém se salva fora da igreja de Roma») evoluiu para um relativismo diferencial, não cético; «Pode haver salvação no budismo ou no hinduísmo, as crenças em Deus são relativas às áreas geográficas, povos, etc., mas a melhor religião é a de Nosso Senhor Jesus Cristo centrada no Vaticano, nem todas valem o mesmo».
Ora este relativismo diferencial só está implícito na alínea A da versão 1, mas é negado pela alínea B.
Consideremos outra questão.
10. Kuhn considera que há períodos de consenso e períodos de divergência na comunidade científica. O fim de um período de consenso e a consequente entrada num período de divergência devem-se
(A) ao aprofundamento do paradigma.
(B) à acumulação de anomalias.
(C) à resolução de enigmas.
(D) à atitude crítica própria da ciência normal.
Nota: A Grelha de correção oficial diz ser a resposta B a única correta
Crítica: há duas respostas corretas, A e B, e não apenas uma, a B. Não é só a acumulação de anomalias o motor da mudança de paradigmas. O aprofundamento do paradigma - surgimento de novas ideias que completam e desenvolvem o paradigma vigente - é outra fonte da revolução científica e abre, quase sempre, um período de divergências entre os cientistas. A teoria da relatividade de Einstein não comporta, originalmente, a noção de matéria escura (buracos negros como portas de um multiverso) mas discípulos de Einstein como Roger Penrose e Stephen Hawking aprofundaram o paradigma, acrescentando-lhe o conceito de matéria negra. Há aqui acumulação de anomalias? Mas este aprofundamento do paradigma instalou a divergência no seio dos astro físicos: por exemplo, Alan Grants e Ted Woods, materialistas dialéticos, não aceitam que a relatividade einsteiniana implique o multiverso.
O MÉTODO DA DÚVIDA NÃO É MÉTODO CRÍTICO? PORQUÊ DIFERENCIÁ~LOS?
Na questão 2 do grupo IV, diz o seguinte:
Tanto Descartes como Popper consideram que a submissão das nossas crenças ou opiniões a um severo exame crítico é um aspecto central do método de procura da verdade. Porém, Descartes e Popper divergem quanto aos resultados da aplicação desses métodos.
Justifique as afirmações anteriores.
Na sua resposta explicite os aspectos relevantes do método defendido por Descartes e do método defendido por Popper.
A correção oficial desta prova diz o seguinte:
«Descartes recomenda o método da dúvida para procurar a verdade....
«Popper recomenda o método crítico para procurar a verdade...
Crítica minha: Esta nomenclatura é confusa. Então o método crítico de Popper não é um método da dúvida? Claro que é...A crítica pressupõe a dúvida e o dogma que sobrevive às dúvidas. E o método de Descartes não é um método crítico já que pressupõe a dúvida metódica e afirma dogmas como «Eu penso, logo existo», «Se em vez de um Deus verdadeiro existisse um génio maligno que me enganasse em tudo, eu não conheceria que o mundo é verdadeiro e de que modo o é» ? É óbvio que é...
Os autores desta prova de exame carecem de um verdadeiro pensamento de síntese, padecem de racionalidade fragmentária, isto é, de «ver a árvore e não ver a floresta». Estranho é que se repitam sempre os mesmos erros na concepção da prova de exame nacional de filosofia, erros que temos denunciado aqui em anos sucessivos.
Doutoramentos e mestrados em filosofia não dão garantias de pensamento correcto e criador. A docência universitária em filosofia, pública ou privada, está dominada por pequenos pensadores inflacionados socialmente pela retórica e a burocracia que confere títulos. A universidade é uma instituição de massas, onde o erro e uma certa mediocridade se infiltram, não é a cúpula do pensamento mais elevado.
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.Eis um teste do 11º ano de filosofia, o primeiro do primeiro período lectivo, numa escola secundária onde se pensa em profundidade, no Baixo Alentejo e em Portugal. .
Agrupamento de Escolas nº1 de Beja
Escola Secundária Diogo de Gouveia , Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 11º ANO TURMA B
28 de Outubro de 2015.
Professor: Francisco Queiroz
I
“Alguns operários são sindicalistas.».
Alguns sindicalistas não são anarquistas.
Logo, os operários são anarquistas.”
1-A) Indique, concretamente, três regras do silogismo formalmente válido que foram infringidas na construção deste silogismo.
1-B) Indique o modo e a figura deste silogismo
2) Construa o quadrado lógico das oposições à seguinte proposição«Os alentejanos são democratas».
3) Distinga realismo crítico de Descartes do idealismo não solipsista objetivo e da fenomenologia.
4) Aplique o princípio do terceiro excluído ao conjunto destas 3 correntes.
5) Tendo como primeira premissa a proposição «Se passar de ano, vou a Sevilha», construa:
A) Um silogismo condicional modus ponens
B) Um silogismo condicional modus tollens.
6)Construa um silogismo disjuntivo Tollendo/ ponens tendo como premissa inicial a frase «Ou és ateu ou és crente em divindades».
7) Distinga a percepção empírica, intuição inteligível, e do juízo.
CORREÇÃO DO TESTE COTADO PARA 20 VALORES
1-A) Três regras infringidas da validade do silogismo acima foram: de duas premissas particulares (alguns...alguns) nada se pode concluir; nenhum termo pode ter maior extensão na conclusão do que nas premissas (alguns operários / os (todos) operários); o termo médio (alguns sindicalistas) tem de ser tomado pelo menos uma vez universalmente. (VALE TRÊS VALORES).
1-B) O modo do silogismo é IOA e a figura é PS (predicado e sujeito é a posição do termo médio nas premissas) ou 4ª figura.(VALE DOIS VALORES).
2) O quadrado lógico é o seguinte:
Os alentejanos são democratas Nenhum alentejano é democrata.
(TIPO A- Universal Afirmativa) (TIPO E- Universal Negativa)
Alguns alentejanos são democratas. Alguns alentejanos não são democratas.
(TIPO I - Particular Afirmativa) (TIPO O - Particular negativa)
VALE TRÊS VALORES
3) O realismo crítico de Descartes é a teoria qiue sustenta que há um mundo real de matéria exterior às mentes humanas composto de uma matéria indeterminada, sem peso nem dureza/moleza, apenas formado de figuras geométricas, movimento, números (qualidades primárias, objetivas), sendo subjectivas, isto é exclusivamente mentais, as cores, os cheiros, os sabores, as sensações do tacto, o calor e frio (qualidades secundárias, subjectivas). O idealismo não solpsista ou pluralista e objetivo é a teoria que sustenta que o mundo material é ilusório, existe apenas dentro de uma multiplicidade de mentes humanas e cada uma delas constrói esse mundo de igual às outras ( «A torre de Belém que eu invento/vejo é igual à torre de Belém que tu inventas/ vês), A fenomenologia é a ontologia que sustenta não saber se o mundo material subsiste ou não fora das mentes humanas. (VALE CINCO VALORES).
4) O princípio do terceiro excluído diz que uma coisa ou uma corrente de pensamento pertence ao grupo A ou ao grupo não A, excluindo a terceira hipótese. Comparando as três correntes da pergunta anterior pode enunciar-se assim: ou se é realista, afirmando a certeza de um mundo material extramental, ou não se é realista negando isso (idealismo) ou duvidando disso (fenomenologia). (VALE TRÊS VALORES)-
5) a) Se passar de ano, vou a Sevilha.
Passei de ano.
Logo, vou a Sevilha. (VALE UM VALOR)
5.b) Se passar de ano, vou a Sevilha..
Não fui a Sevilha.
Logo, passei de ano.
(VALE UM VALOR)
6) Ou és ateu ou és crente em divindades
Não és ateu.
Logo és crente em divindades. (VALE UM VALOR)
7) A intuição intelígivel é uma apreensão imediata de algo metafísico, invisível, que pode até não ser real. Exemplo: a intuição de Deus, dos quarks e leptons, etc. O juízo é uma articulação lógica de dois ou mais conceitos mediante uma forma verbal, é uma frase simples que afirma ou nega algo. Exemplo:«Beja é a capital do Baixo Alentejo». A percepção empírica é um conjunto ordenado de sensações visuais, auditivas, tácteis, olfactivas. Exemplo: «Vejo esta paisagem de oliveiras e sinto uma suave brisa no rosto». (VALE DOIS VALORES).
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Vários equívocos integram o manual do professor Pensar, Filosofia 11º ano, de Fátima Alves, José Arêdes, Patrícia Bastos, com revisão científica de Luís Gomes (Tema III) e Maria Luísa Ribeiro Ferreira (Temas IV e V), da Texto Editora.
UMA EQUÍVOCA DEFINIÇÃO DE SENSO COMUM
No manual lê-se a seguinte definição de senso comum:
«O senso comum
«Dizemos que o conhecimento vulgar ou senso comum:
1. resulta de uma organização espontânea da racionalidade humana a partir da:
- actividade sensitiva e da experiência pessoal acumulada ao longo da vida;
- transmissão social da
2. é um conhecimento perceptivo, pois:
- é o modo mais elementar de conhecer o mundo;
- permite uma apropriação do mundo, associando representação e significado;
- fixa essa apropriação através de uma linguagem comum;
- é um conhecimento subjectivo;
- é acrítico ou dogmático, sem justificação racional, e identifica a representação com a realidade;
- é assistemático;
(Fátima Alves, José Arêdes, Patrícia Bastos, Pensar, Filosofia 11º ano, revisão científica de Luís Gomes (Tema III) e Maria Luísa Ribeiro Ferreira (Temas IV e V), Texto Editora., pág 186)
Esta definição é confusa, apesar de consensual entre os estudiosos de filosofia. Confunde o sociológico - a noção de senso comum designa a opinião da imensa maioria das pessoas, pertence ao género sociológico, ao qual pertence igualmente a noção de senso incomum (doutrinas esotéricas, filosofias complexas, ciências especializadas e abstractas) - com o epistémico.
O senso comum é subjectivo? Não parece. As matemáticas elementares com as suas operações do tipo « oito vezes oito é igual a sessenta e quatro», «trinta e cinco mais dezassete é igual a cinquenta e dois» pertencem ao senso comum. E não são conhecimento assistemático. Há, por conseguinte, muitas ciências e teses da ciência dentro do senso comum como por exemplo, "deve-se lavar as mãos para evitar doenças", "beber chá de folhas de oliveira faz descer a tensão arterial", "usar protector solar na pele durante a exposição ao sol na praia pode evitar cancro da pele", "votar em eleições autárquicas ou parlamentares nacionais assegura, em princípio. a eleição de deputados da nossa preferência".
O senso comum comporta: uma larga dose realismo ingénuo (por exemplo: a tese de que os corpos mais pesados caem sempre mais depressa para a Terra do que os mais leves; a tese de que as vacinas imunizam das doenças) e alguma dose de realismo epistémico, não ingénuo (por exemplo: a Terra é redonda). Portanto, o conhecimento «assistemático» e «subjectivo» é o conhecimento ingénuo, eivado de erros e superficialidade, e constitui apenas uma parte do senso comum, parte essa que se tem reduzido com a elevação do nível cultural das massas. O que este manual designa por "senso comum" deveria designar-se realismo ingénuo ou conhecimento ingénuo e fica aquém da vastidão do senso comum.
OMISSÃO DA TEORIA DAS QUALIDADES SECUNDÁRIAS E PRIMÁRIAS EM DESCARTES
Uma das pedras de toque que distingue os autores que sabem e os que não sabem ontognosiologia é a explanação que fazem do racionalismo de Descartes, da sua teoria do conhecimento, do percurso desde a dúvida hiperbólica até à demonstração do mundo exterior de matéria. Ora esse percurso não é explanado devidamente neste manual, com os pormenores essenciais:
«Descartes demonstra a existência de Deus e torna-o como garantia da indubitabilidade do critério da evidência, o critério da verdade que adoptou.»
«Neste sentido, por confiar nas capacidades da razão para atingir o conhecimento certo e indubitável, o racionalismo cartesiano é considerado uma teoria dogmática, ou um dogmatismo.»
(Fátima Alves, José Arêdes, Patrícia Bastos, Pensar, Filosofia 11º ano, revisão científica de Luís Gomes (Tema III) e Maria Luísa Ribeiro Ferreira (Temas IV e V), Texto Editora., pág 156)
Nem uma palavra há no manual sobre a demonstração do mundo material exterior, isto é, sobre o raciocínio que transita da existência, simultanea e única de Deus e do cogito humano, ao mundo exterior e à constituição ontológica deste. O raciocínio de Descartes, que o manual ignora, é do seguinte teor:
4º PASSO (da Existência de Deus e do eu pensante à existência do mundo material)
«Se Deus existe e é verdadeiro nos seus actos, não consentirá que eu me engane em tudo o que vejo, sinto e ouço, logo existe o mundo de matéria, feito só de qualidades primárias, objetivas, isto é, forma, tamanho, número, movimento. As cores, os cheiros, os sons, sabores, o quente e o frio só existem no interior da minha mente, do organismo do sujeito, pois resultam de movimentos vibratórios exteriores já que o mundo exterior é apenas composto de formas, movimentos e tamanhos. .Assim, a rosa não é vermelha, é apenas forma e tamanho. O ramo de rosas é apenas formas, tamanho e um certo número de unidades, não tem cor, nem cheiro, nem peso. O mármore não é frio nem duro, o céu não tem cor.»
Nada isto é explicado no manual. É a habitual vagueza da filosofia analítica na ontognosiologia, excepção feita a Johnathan Dancy que, no entanto, comete erros notáveis.
Realismo crítico é a teoria gnosiológica segundo a qual há um mundo de matéria exterior ao espírito humano e este não capta esse mundo como é, mas distorcido por alguma percepção empírica.
NENHUMA REFERÊNCIA AO IDEALISMO DE KANT E UMA ERRÓNEA SEPARAÇÃO ENTRE RACIONALISMO E APRIORISMO
À semelhança dos outros manuais, não há, neste, nenhuma referência ao idealismo de Kant. A teoria deste filósofo é classificada apenas de apriorismo. Os autores estabelecem como três perspectivas de conhecimento: racionalismo (Descartes), empirismo (Hume), apriorismo (Kant). (pág. 178).
Há uma confusão grande porque o apriorismo de Kant é um racionalismo. No espaço a priori, segundo Kant, encontram-se as intuições puras de triângulo, círculo e outras figuras geométricas - que são ideias inatas em Descartes. No entendimento a priori estão as categorias ou conceitos puros de unidade, pluralidade, realidade, causa e efeito, etc. A priori não se opõe a racional, opõe-se sim a a posteriori. A priori e a posteriori pertencem ao género origem formal do conhecimento, ao passo que empírico e racional pertemcem ao género origem "material" do conhecimento. A teoria de Descartes também constitui um apriorismo porque as ideias inatas, pilares do conhecimento cartesiano, são conhecimentos a priori.
O kantismo é, pois, um racionalismo idealista (a matéria é ilusão sensorial), ao passo que o cartesianismo é um racionalismo realista crítico (a matéria é real embora as suas propriedades cor, som, cheiro, sabor, dureza, calor e frio, etc, sejam ilusão). É nesta distinção que o manual é omisso por incompreensão de aspectos essenciais, quer da teoria de Descartes, quer da teoria de Kant.
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Eis um teste de filosofia, o primeiro do segundo período lectivo do 11º B.
Agrupamento de Escolas nº1 de Beja
Escola Secundária Diogo de Gouveia , Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 11º ANO TURMA B
14 de Fevereiro de 2014. Professor: Francisco Queiroz
“Pensamentos sem conteúdo são vazios; intuições sem conceitos são cegas…A razão é incondicionada, o entendimento é condicionado… O entendimento faz a síntese do diverso da intuição empírica… ” (Kant, Crítica da Razão Pura).
1-A) Explique, concretamente, cada uma destas frases de Kant.
1-B) Explique como, segundo a doutrina de Kant, se formam o fenómeno JANELA e o conceito empírico de JANELA.
2) Relacione, justificando:
2-A) Idealismo, realismo crítico, fenomenologia e doutrina de Parménides sobre o ser.
2-B) Método hipotético-dedutivo das ciências e teoria de Popper sobre as ciências.
2-C) Três tipos de substâncias na ontologia de Descartes e três tipos de ideias na gnosiologia de Descartes.
2-D) Anarquismo epistemológico de Paul Feyerabend, medicina universitária e mito.
.
CORREÇÃO DO TESTE (COTADO PARA UM TOTAL DE 20 VALORES)
1-A) Ao dizer «pensamentos sem conteúdo são vazios», Kant quer significar que o conteúdo, a matéria-prima do pensamento do entendimento, vem das intuições empíricas da sensibilidade, faculdade onde se formam os fenómenos ou objectos aparentes. Sem os dados da sensibilidade, o entendimento fica vazio. Só pela intuição empírica de «erva verde», o pensamento do entendimento consegue formar o conceito empírico de erva ou o juízo empírico «A erva é verde», por exemplo. Ao dizer «intuições sem conceitos são cegas» Kant queria dizer que a sensibilidade, lugar das intuições e fenómenos, é incapaz de interpretar o mundo físico que ela aberga, vê este mas não o pensa. (VALE DOIS VALORES) A razão é incondicionada porque, como faculdade das ideias e raciocínios, não está submetida à observação da natureza e às suas leis (sensibilidade+ entendimento), pensa livremente os númenos e pode até abdicar das categorias do entendimento como causa-efeito, etc. O entendimento, faculdade que pensa os fenómenos (exemplo: casa, rio, pássaro, céu) é condicionado porque está subordinado aos fenómenos da sensibilidade que ele pensa e está proibido de produzir juízos erróneos como por exemplo «As sementes de roseira geram pinheiros» porque isto viola as categorias de realidade e de necessidade. (VALE DOIS VALORES)
O entendimento, função que pensa os fenómenos, reduz à unidade, a um resumo, o diverso, as múltiplas intuições empíricas. Exemplo: depois de a sensibilidade ver centenas de rosas que ela mesma cria em si mesma, o entendimento recebe as imagens da sensibilidade e, munido de categorias ou conceitos puros como «unidade», «pluralidade», «totalidade», constrói uma única rosa intelectual, um conceito empírico de rosa, abstraindo de pormenores como a cor, o perfume, etc. (VALE UM VALOR)
1-B) O númeno afecta «do exterior» a sensibilidade e cria, nesta, um caos de matéria (madeira, terra, ferro, etc). Este caos é moldado pelo espaço que nele imprime figuras geométricas e pelo tempo que lhe confere duração, sucessão, simultaneidade. Assim nasce o fenómeno janela, na sensibilidade «externa», isto é, no espaço. O entendimento intervém na medida em que confere à janela o carácter de substância, de divisibilidade (em partes: caixilhos de madeira ou metal, vidros, fecho, etc). São enviadas ao entendimento imagens de diferentes fenómenos janelas - janelas rectangulares, redondas, etc - e as categorias ou conceitos puros do entendimento como pluralidade, unidade e realidade misturam e tratam essas imagens empíricas transformando-as num só conceito empírico, o de janela, abstraindo dos pormenores das janelas particulares. (VALE TRÊS VALORES)
2) A) A fenomenologia é um cepticismo moderado: cingindo-se aos fenómenos - o que é visível, o que se manifesta- ela não se pronuncia a favor do idealismo ontológico nem do realismo ontológico. O idealismo solipsista afirma que o mundo de matéria é irreal e interior a uma única mente, a minha. O realismo crítico sustenta que o mundo de matéria é real, exterior às mentes humanas, mas estas captam-no de forma distorcida (exemplo: as cores violeta, amarela e castanha não existem no mundo exterior, são fabricadas na minha mente a partir de movimentos vibratórios de partículas no exterior).
Em Parménides a percepção empírica é ilusão («Nascimento e morte, alteração das cores maravilhosas são ilusões» ), o pensar está a todo o instante centrado no ser uno, imóvel, homogéneo, imprincipial, invisível, esférico, eterno. É portanto, uma teoria racionalista, que não dá crédito às percepções empíricas mas sim ao raciocínio ("Só o pensar, o raciocínio e a intuição inteligível captam o ser"). Esse racionalismo pode ser um realismo crítico - a esfera do ser pode ter carácter material, pode ser formada por uma matéria imperceptível aos sentidos - ou um idealismo crítico como em Kant. (VALE TRÊS VALORES)
2) B) O método hipotético-dedutivo decompõe-se em quatro etapas: observação, hipótese (indução amplificante), dedução da hipótese e experimentação que confirma ou desmente a hipótese. Karl Popper opõe-se à indução amplificante, pois sustenta que a observação de casos particulares, por muito numerosos que sejam, não autoriza a formular leis gerais universais. Para Popper, as ciências empíricas são conjuntos de conjecturas, suposições, que podem ser temporariamente aceites enquanto não forem refutadas pelo debate de ideias e pelos testes experimentais que não verificam as leis mas apenas corroboram, isto é, confirmam exemplos. O princípio da falsificabilidade estabelece que só pode merecer o título de "ciência" provisória a doutrina que se exponha a testes (testabilidade) e propicie a sua auto-destruição ou rectificação. O conhecimento é uma perpétua aproximação à verdade, que nunca se atinge por completo. (VALE TRÊS VALORES)
2) C) Descartes admitia três tipos de ideias: adventícias, factícias e inatas. E três substâncias ontológicas: a res divina (Deus), a res cogitans (o pensamento humano) e a res extensa (o espaço com as figuras geométricas, os corpos na sua vertente de comprimentos, larguras e altura). Pode-se fazer corresponder a res divina Deus às ideias inatas porque estas são absolutamente seguras: as ideias de corpo, alma, Deus, figuras geométricas, números.
Por ideias adventícias, Descartes entendia as sensações e percepções empíricas. Exemplo: ver uma jarra de flores, saborear gaspacho, ouvir música. Ora, as percepções empíricas serão parcialmente ilusórias segundo Descartes: as cores (exemplo:o vermelho da rosa), os cheiros (exemplo: o perfume da rosa), os sabores, a dureza e a moleza, o calor e o frio, são qualidades secundárias, isto é não existem na realidade objectiva, no mundo material exterior ao corpo humano, surgem apenas na mente como ilusão, resultando do embate nos orgãos sensoriais de «poeiras» exteriores emanadas dos objectos. No entanto, as ideias adventícias, na medida em que reflectem as formas, o tamanho e o movimento dos objectos exteriores, isto é, as qualidades primárias, não transmitem ilusão mas sim verdade. Pode-se fazer corresponder as ideias adventícias à rex extensa.
Por ideias factícias, entende-se as ficções da imaginação (exemplo: uma sereia, um elefante com patas de leão, etc). Podemos fazê-las corresponder à res cogitans. (VALE TRÊS VALORES)
2) D) Anarquismo epistemológico de Paul Feyerabend é a doutrina segundo a qual não deve haver ciências contemporâneas - a biologia, a medicina, a física, a história, a filosofia, ensinadas nas universidades - em posição superior às ciências holísticas herdadas da antiguidade - astrologia, acupunctura, medicina natural, medicina hopi, alta magia, etc. Anarquismo significa autogestão, assembleias de base a decidir, ausência de chefes e de Estado. Epistemologia é reflexão sobre as ciências. A medicina universitária promove os diagnósticos com raios X, biópsias, o emprego massivo de vacinas, etc, que Feyerabend considera estupidez, tal como considera estúpida a teoria das causas locais da doença (Exemplo: «A doença de fígado nasceu no fígado devido a um vírus») porque a causa da doença é estrutural (holismo), geral, extensiva a todo o organismo. Feyerabend considerava os homens sapiens do mito como os criadores da cultura - as religiões, a magia, a ecologia, são frutos da mentalidade mítica, holística, ainda hoje presente em tribos índias afastadas da civilização tecnológica - e, portanto, mais inteligentes que os cientistas actuais que intoxicam a humanidade com drogas farmacêuticas e saturam o ar com radiações electromagnéticas (telemóveis, hi fi, etc) que causam cancros, perturbações nervosas e muitas outras doenças. (VALE TRÊS VALORES).
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Alfred Julius Ayer (Londres, 29 de Outubro de 1910- Londres, 27 de Junho de 1989), um dos filósofos analíticos mais célebres do século XX, positivista lógico, estabeleceu distinções imperfeitas do ponto de vista lógico-dialéctico. Uma delas é a oposição realismo ingénuo- teoria causal da percepção.
Escreveu:
«O herdeiro natural do realismo ingénuo é a teoria causal da percepção. Para ela se volta a maior parte dos convictos de haver base para sustentar que os objectos físicos não são directamente percebidos. Até certo ponto já a consideramos ao tratar da forma causal do argumento da ilusão. O ponto de partida é provar a ciência que os objectos ordinariamente percebidos, o mundo das cores, ruídos, aromas, do senso comum é criação nossa. De isto se infere ou que não há objectos físicos ou, mais vulgarmente, que eles estão disfarçados. Nesta concepção, embora percebamos objectos físicos, não os percebemos em seu estado natural; nunca aparecem em público sem retoque. Não podemos eliminá-lo pois a nossa presença é responsável pela sua existência, mas podemos teoricamente descontá-lo. »(A.J. Ayer, O Problema do Conhecimento, Editorial Ulisseia, pág. 94; o destaque a negrito é posto por mim).
Note-se a ambiguidade da frase:«Não podemos eliminá-lo pois a nossa presença é responsável pela sua existência...». Como pode a nossa presença ser responsável pela existência do objecto? Isso só acontece no idealismo - em Berkeley, David Hume ou Kant, por exemplo - em que a mente produz o objecto "físico". Ora estamos a tratar do realismo crítico - que Ayer designa por «teoria causal da percepção» - em que o objecto físico existe mesmo, no real exterior a nós, ainda que não o percebamos integralmente como é, e como tal não somos responsáveis pela existência dele...
Sublinho que revela falta de clareza opor a realismo ingénuo a denominação teoria causal da percepção. O termo causal pertence ao género etiológico e o termo realismo ingénuo pertence ao género ontognosiológico. As denominações não são contrárias, não pertencem ao mesmo género. Causalidade perceptiva e realismo ingénuo são definições colaterais, não se excluem. O deficiente raciocínio dialéctico de Alfred Julius Ayer é seguido, acriticamente, por dezenas de milhar de professores de filosofia.
Aquilo que Ayer designa por "teoria causal da percepção" deve ser designado, em nome do rigor de pensamento, por realismo crítico, doutrina que, numa das suas versões, de Descartes e Locke, sustenta que as cores, sabores, cheiros, dureza não existem nos objectos físicos exteriores à nossa mente mas apenas existem nesta (qualidades secundárias) sendo os objectos exteriores compostos de forma, tamanho, número e movimento e uma matéria ténue e indeterminada (qualidades primárias).
Porque o realismo ingénuo é uma teoria tão causal quanto o realismo crítico: para o primeiro, o objecto físico externo, com a sua forma, cor, tamanho, grau de ductilidade, etc., é a causa da percepção interna do objecto a qual inclui forma cor, tamanho, grau de ductilidade, similares ao objecto exterior, tipo imagem de espelho.
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