Ali Ahmad Saïd Esber, poeta surrealista árabe, conhecido como Adonis, nasceu em 1 de Janeiro de 1930, na aldeia de Kassabine, perto de Lattaquié, na Síria. Teve de refugiar-se em França em 1985 após ser ameaçado de morte. Preconiza o intercâmbio de civilizações dizendo que o islamismo, como outras religiões, é um véu de cegueira lançado sobre a vida, a liberdade, a fruição dos prazeres. Afirmou que o «regresso à pureza do mundo árabe» rejeitando o contributo da democracia ocidental reduziria o mundo árabe a mesquitas e camelos. Disse: «Os meus desejos são permanecer estrangeiro rebelde. E libertar as palavras da escravatura das palavras.»
O surrealismo é uma corrente artística e filosófica, nascida oficialmente em 1924, em França, que visa eliminar a razão e a lógica e projectar na poesia, na literatura, na pintura, na arquitectura ou na escultura, no cinema, os desejos e as imagens criativas imersas na obscuridade do inconsciente humano. O sufismo (em árabe: تصوف;) é uma corrente mística e contemplativa do Islão. Os sufis visam uma relação íntima, direta e constante com Deus, aplicando ensinamentos do profeta Maomé com relevo para o zikr (a lembrança de Deus), orações e jejuns. Um dia, um sufi mergulhado em êxtase num lugar público disse «Eu sou Deus» e foi de imediato assassinado por adeptos do Corão que o qualificam como «blasfemo». Adonis compara o sufismo ao surrealismo pois ambos dão prioridade à imaginação, ao mistério e ao inconsciente ou ao génio imanente:
«Tanto para a o sufismo como para o surrealismo a razão e a lógica podem equivocar-se, já que se fixam na parcialidade das coisas e pretendem ter resposta para a sua universalidade. Ademais, a resposta é o sustentáculo da razão e da lógica porque ambas toman a existência como um problema que há que resolver. Sem embargo, o sufismo e o surrealismo contemplam a existência como mistério, e a questão para eles é a união com o dito mistério. A ausência de resposta é sinal, aqui, da intenção de fusão com a existência , enquanto que a presença de resposta é sinal, ali, da intenção de domínio sobre a existência, quer dizer, de separar-se dela. O primeiro é amor, o segundo dominação. »
«A resposta encerra, por conseguinte uma traição ao ser humano, além de ser um encadeamento, quer dizer, uma renúncia à liberdade. A resposta separa o ser humano de si mesmo, da sua essência: o ser humano é linguagem, busca do outro, da coisa, mas não para submetê-los ao conhecimento que se forja deles, mas para comunicar com eles em igualdade e amor. A resposta pressupõe que na existência não há nada que não possa ser conhecido, o que é uma afirmação falsa, completamente equivocada, já que na existência há coisas que não conhecemos, que não podemos conhecer racional ou logicamente, mas com as quais, não obstante, nos comunicamos e nos unimos.»
« A razão social-quotidiana não só reprime e dobra o ser humano, mas também o atraiçoa. Essa razão define, e portanto, a sua resposta define. Quando definimos uma coisa negamo-la, já que a encerramos no arco da definição e excluimos tudo o que não esteja nele. A definição é negação, como dizia Spinoza. Quando defines Deus nega-lo, porque o colocas ao nível das coisas definidas. Definir o ser humano ou a existência nega a essência de ambos. O ser humano, do mesmo modo que a existência, é uma realidade de liberdade, é possibilidade e necessidade, não uma realidade de certeza definitiva.»
( Adonis, Sufismo y Surrealismo, Ediciones del Oriente y del Mediterráneo, Madrid, 2008, pp. 68-69; o destaque a negrito é posto por nós ).
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Aristóteles distinguiu quatro predicáveis: o próprio, o acidente (symbebêkós), a definição e o género. Predicável significa uma entidade da qual se predica (diz, qualifica) algo - por exemplo, a espécie homem é predicável porque de homem predica-se animal («O homem é um animal») e o género animal é predicável porque de animal predica-se ente vivo («Todo o animal é um ente vivo»). Parece haver alguma subtil confusão, nesta classificação, entre dois planos: o ontológico (do ser) e o eidológico (da essência). O grande filósofo grego escreveu:
«Toda a proposição e todo o problema (problemata) indicam ora um género (génos), ora um próprio (ídios), ora um acidente (pois também a diferença, ao ser genérica, há-de ser colocada no mesmo lugar que o género); e, já que entre o próprio, há o que significa quê é o ser (Tò tí en eînai) e há o que não significa isso, há-de dividir-se o próprio nas duas partes anteriormente ditas, e a uma se chamará definição (horismós, em grego), que significa quê é o ser, e a outra, de acordo com a designação dada em comum a ambas, se chamará próprio. Assim pois é evidente, a partir do que foi dito, por que razão, de acordo com a presente divisão, tudo vem a reduzir-se a quatro coisas: próprio, definição, género ou acidente. (Aristóteles, Tópicos, Livro I in Tratados de Lógica (Órganon), pag 94-95, Editorial Gredos, Madrid).
O texto alude à diferença genérica. A diferença é genérica ou específica? Dentro de um género, as diferenças entre as diferentes espécies - exemplo, no género animal - são específicas e não genéricas. Não é clara, pois, a alusão à diferença genérica - existe, de facto uma diferença entre os géneros, mas existem também as diferenças específicas no seio de cada género.
Sobre a definição, essência traduzida no plano verbal, Aristóteles sustenta, acima, que faz parte do próprio tal como o próprio. Há aqui uma certa ambiguidade, uma duplicação de sentidos de próprio: há o próprio substância (exemplo: este vaso de barro), que inclui a forma comum, não própria, que lhe veio de cima, e o próprio acidente (exemplo: este barro), que é a porção de matéria ordenada e individuadora, aquilo que é mesmo singular e único. Não esqueçamos que para Aristóteles, a matéria é o princípio da individualização, a concreção no máximo grau.
A relação entre a substância e o acidente desenrola-se no plano ontológico, do que é e do que não é: a substância é, o acidente é e não é. O acidente é algo mas não é intrínseco à substância - referimo-nos ao acidente extrínseco, como por exemplo, a esferográfica (acidente) pousada sobre a substância mesa. Quando se trata do acidente intrínseco à essência (exemplo: o piscar de olhos ou o sorrir de cada ser humano) a descontinuidade mantém-se como característica do acidente: este é descontínuo, ora acontece ora desaparece, e só a sua forma, em conexão necessária com a substância, o classifica como acidente intrìnseco à substância, ao próprio.
A essência é, sempre, captada por abstracção, imprescindível no plano filosófico e científico; a essência existe misturada com a existência, com o existir ou ser puro.
Mas a relação entre o género, a essência-definição e o próprio - este entendido como substância, isto é, um composto de forma e matéria - desenvolve-se primariamente, não no plano ontológico, mas no plano eidológico, que é um plano formal concreto.
Assim, o termo próprio encontra-se na encruzilhada do seu duplo sentido: é o que é (tó on) - sentido ontológico em comparação com o acidente - e é o quê é (tó tí)- sentido eidológico, que lhe é dado pelo facto de ser constituido por uma forma individual participada pela forma-espécie-definição e pelo género.
O aparente paradoxo da concepção aristotélica é o de duas entidades não individuais mas colectivas - a forma comum (definição) ou espécie e a matéria-prima (Hylé) - forjarem entes individuais concretos ao unirem-se, sendo a matéria o princípio da individuação.
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