Em «Ritos e Mistérios Secretos do Wicca» Gilberto de Lascariz, nascido na Venezuela, esoterista da Bruxaria Iniciática e Neo-Pagã adverso à sua superficialização New-Age, escritor que, em 1989 criou em Portugal o Conventículo TerraSerpente de Wicca Alexandriano e lançou a Confraria Sol-Negro, revela-se um conhecedor profundo de uma religião da Natureza, o Wicca, e das suas componentes bruxaria e feitiçaria, dos seus arquétipos primordiais.
Não se trata de um livro «light», isto é, superficial ao alcance de qualquer semi-analfabeto como há livros de divulgação que deturpam o Wicca, mas de um estudo sério e denso. Referirei apenas alguns apontamentos sobre este livro rico em sabedoria filosófica e antropológica.
O ANJO-BODE E A NUDEZ SAGRADA DAS BRUXAS
Lascariz refere que os Anjos Guardiões ou Grigori desobedeceram a Deus ao darem aos homens livre-arbítrio e conhecimentos de tecnologias da guerra e da beleza, da agricultura e da medicina, e Deus puniu-os ao expulsá-los do éter superior e fazê-los descer ao mundo da matéria visível. Passaram a ser Demónios ou Daimonius. Estes anjos amaldiçoados uniram-se a mulheres da Terra e deram origem à mais antiga linhagem das bruxas. São os autores da civilização, os libertadores da humanidade, ao promoverem a ciência e a gnose (conhecimento global, dos princípios do universo) que se opõem ao obscurantismo das religiões cristã, islâmica e outras. Escreve Lascariz:
«O líder desta campanha prometeica foi Azael, o Anjo-Bode. Trata-se do bode saudado e reverenciado na Bruxaria Arcaica e que, em lembrança da sua origem estelar, traz uma tocha entre os seus cornos, símbolo do meteoro incandescente que no passado remoto da humanidade desceu do céu para a primeira assembleia de bruxos e bruxas. Ele foi o primeiro nascido do Fogo Divino, antes de todas as demais criaturas! Foi através da atração sexual que estes seres desceram à essência da humanidade. Esta lenda revela a emergência da sacralidade do sexo oposta à sexualidade animal e reprodutiva, celebrada pelas bruxas antigas e modernas ao exigirem que a nudez fosse o seu único vestuário. Vestuário branco de carne e que na sua alvura lembra as sombras do Submundo onde reina Azael! Mas também vestuário celeste de um corpo que está coberto apenas pelas estrelas de onde vieram os Grigori. A Instrução do Wicca, por isso, é muito clara: E como sinal que estais verdadeiramente livres estais nús nos nossos ritos. Gardner que, provavelmente conhecia a lenda dos Grigori, transvasada no Aradia de Charles Leland dizia que a nudez era «estar vestido de céu», isto é, no estádio primeiro em que os Anjos viram as primeiras feiticeiras e as fecundaram com o fogo cósmico do seu espírito. Os Grigori são a corrente da Iniciação Primordial ainda hoje invocada no seio da Bruxaria Tradicional pela críptica palavra "atalaia" quando o Alto Sacerdote clama por exemplo: Eu vos evoco, convoco e chamo Senhores do Fogo, Senhores das Atalaias do Sul.
(Gilberto de Lascariz, «Ritos e mistérios secretos do Wicca», Zéfiro, Sintra, 2ª edição, Novembro de 2014, pag.281; o destaque a old é colocado por nós)
Há, pois, um erotismo mágico, sagrado, fundador da Wicca, visto como demoníaco e anti sagrado por parte da igrejas católica, evangélicas, judaica e outras. Note-se que o bode sagrado é, decerto, o Baphomet venerado secretamente pelos templários que eram um elo da cadeia não cristã da sabedoria primordial, da tradição hermética.
O REINO DE DEUS ESTÁ DENTRO DE VÒS
Em Platão, um gnóstico da antiguidade, a anamnese é a recordação intuitiva dos arquétipos de Bem, Belo, Justo, Círculo, Triângulo, Número, etc. Ora a Iniciação na Magia é uma anamnese operacionalizada através de ritos. A divindade está dentro do iniciado e ao mesmo tempo extravasa-o, está por toda a natureza biofísica, é esta natureza. Escreve Gilberto Lascariz:
«O que determina o processo de Iniciação é um acto de vontade dinamizada pela meditação e o ritual, transfigurando o indivíduo e fazendo-o transitar para um outro estado de consciência: o da anamnese. Por isso, a palavra Iniciação vem da palavra in re, ir para dentro de si mesmo. Neste estado transfigurado de recordação das suas origens ele pode comunicar com os princípios arquetípicos e as forças divinas dentro de si mesmo. O Iniciado é, assim, aquele que se recorda! Ele torna-se um Portador da Luz da Gnose. Daí o epíteto que se dava antigamente aos Iniciados de Portadores do Fogo. Eles eram aqueles que seguravam as tochas de Hécate durante a Iniciação ao Mundo Subterrâneo e lhes revelavam os Mistérios! A religião com o seu misticismo depende, pelo contrário, de um estado de graça concedida pela imprevisibilidade do seu Deus e de um sacrifício do seu "eu" para o receber, até alcançar o estado de êxtase. Visto de outro ângulo, pode dizer-se que enquanto a religião vê Deus fora de si e apela para a sua misericórdia, o Iniciado vê Deus dentro de si e apela para a sua força de vontade. Deus est Hommo, como dizia Crowley com o seu travo poético nietzschiano. Na Magia, o Iniciado gira à volta de si-mesmo, do seu Daimon. Deuses e Demónios existem dentro de nós! Os Demónios somos nós próprios.»(...)
«Na Instrução do Wicca a Deusa adverte de forma semelhante ao Evangelho de Tomé: se o que procuras não o encontras dentro de ti mesmo então nunca o encontrarás fora de ti próprio. (...) O wiccan tem uma religiosidade que é fundamentalmente mágica, caracterizada pela re-santificação do corpo e do mundo natural, síntese exaltante do Cosmos que ele abençoa pela quíntupla benção dos seus beijos veneráveis sobre o corpo desnudado da Grande Sacerdotisa nos ritos do plenilúnio».
(Gilberto de Lascariz, «Ritos e mistérios secretos do Wicca», Zéfiro, Sintra, 2ª edição, Novembro de 2014, pag.109; o destaque a bold é de nossa lavra)
UNIR-SE COM A FLORESTA E NÃO CONQUISTAR A FLORESTA
O templo por excelência da maggia wicca é a floresta, o mundo da natureza vegetal e mineral e não os templos em pedra ou tijolo construídos por mão humana. Escreve Lascariz:
«O efeito da floresta e da natureza selvagem, seja num deserto ou numa floresta, é de quatro ordens:
1. Expor-se a um lugar de forte ionização negativa.
2. Desencadear uma forte dinamização dos sonhos visionários e de arquétipos específicos da sua criação.
3. Dissolver as limitações do ego.
4. Estimular energicamente o duplo astral.
«Para que este efeito seja garantido é necessário ir para a floresta, não na perspectiva dos desportos radicais, que se baseiam numa filosofia que está totalmente centrada no ego e nos seus valores de domínio e auto-suficiência, mas na perspectiva mágica. Os desportos radicais são um sucedâneo do cartesianismo e do materialismo moderno, que vêem o mundo natural apenas como um obstáculo a ser vencido e conquistado, reforçando assim a sua alteridade em relação à Natureza. No ideário mágico-pagão vamos para a Natureza com o fim de regressar, na medida do possível, ao estado selvagem e numa perspectiva não de controlo mas de empatia».
(Gilberto de Lascariz, «Ritos e mistérios secretos do Wicca», Zéfiro, Sintra, 2ª edição, Novembro de 2014, pag.149; o destaque a bold é de nossa lavra).
BRUXARIA, SIMBOLIZADA NO SAPO, É DIFERENTE DE FEITIÇARIA
Gilberto de Lazcariz distingue a bruxaria, um poder inato em muitas pessoas, como por exemplo, a intensidade do olhar capaz de «mau olhado» e a crença em Hecate e no Bode Sagrado, da feitiçaria, a técnica operativa de mediante rituais alcançar efeitos mágicos.
«O povo português tem um provérbio antigo que diz: «feiticeira é quem quer e bruxa é quem puder» (...)
«Existe um sapo chamado bruca, que em castelhano se pronuncia brucha, que foi aplicado às mulheres que praticavam as artes da goetia. O bruca é um sapo dos pântanos que condensa a ideia, muito em voga em Espanha, de que a bruxa vive nos lugares isolados da terra, como o Caim bíblico, onde o ser humano não pode viver. Neste sentido a bruxaria integra-se num mito europeu de origem xamânica, que acredita que ela habita "entre os mundos": de um lado o mundo civilizado e do outro o mundo sobrenatural.»
«(Gilberto de Lascariz, «Ritos e mistérios secretos do Wicca», Zéfiro, Sintra, 2ª edição, Novembro de 2014, pag.102-103; o destaque a bold é de nossa lavra).
A ESTACA DO WICCA, SÍMBOLO DA ÁRVORE DO MUNDO
A religião Wicca contrapõe à cruz de Cristo a Estaca, símbolo do martírio de milhoes de mulheres e homens dissidentes ou contrários à igreja católica e a outras. Escreve Gilberto de Lascariz:
«A Bruxaria Tradicional conserva no seu memorial um símbolo fundamental que traz consigo recordações angustiosas: a Estaca. Sobre ela os cristãos amarraram milhares de pessoas inocentes acusadas de bruxaria, cujo única nota de culpa era o de terem uma opinião diferente daquela que a leitura eclesiástica da Bíblia impunha. Trata-se de um genoicídio macabro, executado por uma religião cega e embebedada pelo seu poder. (...) Na realidade, eles não adoravam estátuas da mesma forma que o cristão não adora os títeres de pau que vemos nos seus altares, mas adoravam o princípio espiritual que eles representavam. Os objectos de culto são suportes visuais que facilitam à nossa imaginação os meios físicos para transpor as dificuldades de apreensão do mundo invisível. Símbolo da Árvore do Mundo, Eixo cósmico que perfura a terra no seu eixo norte-sul, a Estaca Tradicional apresenta a particularidade de ser bifurcada na sua extremidade superior e, por vezes, adornada de um círio onde brilha e lembrança dos nossos antepassados.»
«A Estaca é o altar mais básico e fundamental de um feiticeiro tradicional e é o símbolo do Deus de Chifres, com as suas duas pontas erguidas e abertas como se fossem cornos. A sua origem aparece sugerida num outro Deus de Chifres da antiguidade pagã: Hermes. O seu nome deu o epíteto às pedras fálicas que se encontravam distribuídas pela Grécia Arcaica e marcavam os cruzamentos dos caminhos por entre florestas e montanhas, desde que Pisístrato (527-514 A.E.C.) as mandara restaurar. Deus das Encruzilhadas como a Deusa das bruxas Hécate, Hermes era o protector da transição entre os mundos visíveis e invisíveis, subterrâneo e cósmico».
(Gilberto de Lascariz, «Ritos e mistérios secretos do Wicca», Zéfiro, Sintra, 2ª edição, Novembro de 2014, pag.263-264; o destaque a bold é de nossa lavra).
Note-se que na teologia esotérica de Aleister Crowley (1875-1947), fundador da igreja católica gnóstica, Hermes era o deus protector da homossexualidade: Crowley colocava a estátua deste deus grego no centro do quarto quando iniciava uma magia sexual, uma cópula com o seu amante.
HECÁTE, A DEUSA DAS TRÊS FORMAS E DAS TRÊS FASES DA LUA VISÍVEL
A figura de Hecaté, deusa do mundo subterrâneo, protectora das bruxas na Ibéria, representada em três posições, com três corpos, na mesma estátua - de frente, de perfil direito e de perfil esquerdo, isto é, como se fossem três mulheres encostadas umas às outras - é merecedora de nota. As três figuras unidas numa só são as três fases da lua visíveis: o quarto crescente, a lua cheia (a figura daestátua voltada de frente para nós) e o quarto minguante. Escreve Lascariz:
«O erro da concepção tripla da divindade feminina no Wicca é vê-la dividida quando ela é apenas uma só! Isso deve-se ao facto de esta triplicidade ser as três fases visíveis e principais da lua. Nós devemos habituar.nos a vê-las as três ao mesmo tempo. É esse o caminho do trabalho mágico e a solução do paradoxo tão difícil de compreender durante a aprendizagem wiccan. Através de exercícios meditativos e rituais o wiccan acaba por apreender os fenómenos da sua existência a partir de uma matriz tripla e não de maneira dualista. Essa triplicidade permite aceder à unidade subjacente de todas as coisas. Esse ponto de fusão e exclusão das três forças é a Lua Negra que não se vê no horizonte. É o olho da visão panorâmica e da clarividência que permite essa experiência da Alma. Assim a esmeralda perdida é restituída à fronte do Antigo Portador da Luz» (...)
«Deve-se lembrar que a Deusa por excelência da Bruxaria, segundo a tradição greco-romana, é Hecáte, conhecida por muitos nomes, sobretudo como Hecáte Trimorphus, a das Três Formas. (...)
«A encruzilhada tornou-se pela possessão hecatiana, o lugar onde, com as suas chaves simbólicas, se abrem as portas de comunicação com o Mundo dos Mortos e dos Antepassados. A encruzilhada é um perigoso ponto de colisão entre transeuntes visíveis e invisíveis e um lugar de poder. Lugar de sacrifício, como os automobilistas sabem pela experiência, onde ela sacrificava com o cutelo as suas vítimas e com a sua corda amarrava os encantamentos de benção e maldição, a Hécate Tripla tornou-se desde muito cedo, por isso, a figura predilecta das bruxas latinas.»
(Gilberto de Lascariz, «Ritos e mistérios secretos do Wicca», Zéfiro, Sintra, 2ª edição, Novembro de 2014, pag.354-355; o destaque a bold é de nossa lavra).
A encruzilhada, note-se, é a interseção de três caminhos que formam, simbolicamente, vistos do céu, a Estaca sagrada, dois cornos e um tronco vertical de onde eles saem - os quartos crescente e minguante e a lua cheia ou plenilúnio. É pois, de certo modo, a figuração estilizada do Deus Cornudo ou do Anjo-Bode na superfície da terra. E a realidade é, de facto, triádica como dizia Hegel: tese, antítese e síntese. Infância (tese), velhice (antítese) e idade adulta jovem (síntese). Dia de plena luz, noite escura e crepúsculo. Marte (masculinidade), Vénus (feminilidade), Mercúrio (hermafroditismo, androginia). Capitalismo (patrões e assalariados), Comunismo (Partido único marxista e assalariados) e Produtores Independentes.
A ESPADA E O CALDEIRÃO
A espada e o caldeirão, instrumentos da liturgia Wicca, são, como se detecta intuitivamente, materializações do princípio masculino e do princípio feminino, do Yang (luz, fogo, grande, movimento) e do Yin (escuridão, água, pequeno, imobilidade). Escreve Lascariz:
«O caldeirão de ferro, redondo como um ventre prenhe de vida e assente sobre os seus três pés, como um tripé de pitonisa, é um dos objectos mais belos e mais ricos de significado entre os wiccans (...).»
«O caldeirão, seja pela sua função de suporte à transformação das plantas alimentares ou das poções e dos metais na forja, era o recipiente sagrado das transmutações.»
«Na realidade, o caldeirão que vemos no círculo nada mais é do que uma representação da "alma do lugar". (...) Se o caldeirão representa a Água Cósmica, então o seu princípio complementar é o Fogo Cósmico. O símbolo ideal desse Fogo Cósmico é a Espada. Antigamente, o caldeirão seria feito de ferro terrestre extraído das minas enquanto a espada seria feita do ferro cósmico dos meteoros caídos do céu». (...)
«No Wicca tradicional, a Espada está profundamente ligada ao Mundo Subterrâneo. No mito wiccan, ela é conferida pelo Deus Cornígero à Deusa quando ela se encontra com ele nas suas profundezas. Esse mito iniciático em que o Deus Cornígero deposita a Espada aos pés da Deusa, nas trevas do Mundo Subterrâneo, refere-se ao facto do poder da Deusa ser um poder delegado, da mesma maneira que a luminosidade da Lua é um dom delegado do Sol. Esta alegoria subverte o mito a que estamos habituados nas lendas arturianas, em que a espada é concedida a um soberano por uma entidade feminina guardiã do Submundo, como vemos na história da Dama do Lago e do Rei Artur.»
(Gilberto de Lascariz, «Ritos e mistérios secretos do Wicca», Zéfiro, Sintra, 2ª edição, Novembro de 2014, pag.255-257; o destaque a bold é de nossa lavra).
A VASSOURA E A TÚNICA NEGRA COM CAPUZ
A dualidade masculino-feminino está igualmente presente na estrutura da vassoura das Bruxas. Eis uma passagem muito bonita desta obra de Gilberto de Lascariz:
«No Wicca a vassoura ritual é um símbolo bicéfalo: é o emblema do triângulo público da Deusa, quando erguida e fincada no solo, mas quando usada para montar, cavalgar e dançar à volta do Circulo, torna-se a insígnia do Falo Divino do Deus de Chifres. Na essência, é um símbolo ambivalente: o bastão é o princípio masculino e as ramagens o elemento feminino, unidos um ao outro. Mas nem todas as tradições usam este símbolo litúrgico, que pode ser completamente dispensado da prática wiccam. Depois de usada para limpar o espaço cerimonial a vassoura ritual deve ser deitada a noroeste ou mantida pela Donzela nesse ponto do círculo. Existem muitas variações na escolha da madeira utilizada na vassoura ritual, variando de grupo para grupo e de indivíduo para indivíduo (...) Na Tradição Nórdica, por exemplo, o primeiro homem e mulher nasceram de um freixo e de um ulmeiro. Tradicionalmente o cabo da vassoura é de freixo e as suas ramagens são de bétula, unidas por flexíveis ramos de salgueiro, símbolismo das forças lunares. Algumas tradições usam uma mistura de varas de aveleira, bétula e sorveira, na sua ramagem, simbolizando a Sabedoria, Purificação e a Protecção.»
(Gilberto de Lascariz, «Ritos e mistérios secretos do Wicca», Zéfiro, Sintra, 2ª edição, Novembro de 2014, pag.260; o destaque a bold é de nossa lavra).
Note-se que no Feng Shui, filosofia e ciência chinesa da geografia cósmica milenar, o noroeste é a região dos antepassados, dos deuses e isso coaduna-se com a colocação nessa orientação da vassoura do Wicca. No que respeita à túnica, escreve Lascariz:
«Sempre fez parte dos hábitos rituais do Wicca, na sua fase gardneriana, estar em círculo completamente desnudado. Chamava-se a isto Skyclad, isto e, vestido de céu.» (..)«
«O uso do vestuário cerimonial que vemos em algumas fotos da época, com Alexander Sanders ou Doreen Valiente, na sua fase em que era discípula de Robert Cochrane, apresenta algumas diferenças subtis do vestuário usado noutros grupos mágicos como os da Golden Dawn. Em ambos os casos o vestuário é um robe negro que cobre o corpo inteiro, da cabeça à ponta dos pés mas o vestuário ritual wiccan tem um pormenor muito específico: o do seu capuz ser pontiagudo.»(...)
«Num culto mistérico onde a Deusa predomina, haveria razão para o Grande Sacerdote estar sugestivamente vestido de vestes femininas. Assim se passava no culto de Hércules, na Lídia, e de Sabazius, na Frigia, onde os sacerdotes se vestiam de mulheres, e o mesmo se passava entre as tribos germânicas do norte e entre os sacerdotes de Cibele, em Creta e em Roma, e um pouco por todo o mundo desde a Patagónia ao Equador. (...) Os longos robes não deixam de estar associados às vestes femininas no subconsciente do homem ocidental e o seu porte cria um sentimento de incontida feminilidade na rígida mentalidade masculina do homem de hoje».
(Gilberto de Lascariz, «Ritos e mistérios secretos do Wicca», Zéfiro, Sintra, 2ª edição, Novembro de 2014, pag.261-263; o destaque a bold é de nossa lavra).
Note-se que o negro da túnica associa-se á terra, ao mundo subterrâneo, ao mundo das Bruxas e inspira-se na veste negra com capuz dos cátaros, gnósticos cristãos dos séculos XI-XIV perseguidos e chacinados pela igreja católica romana como «herejes».
O CÍRCULO MÁGICO E O SAGRADO EM TODA A PARTE
Sabe-se o rico simbolismo do círculo: representa a eternidade, em contraposição ao ponto, que representa um dado instante; representa o seio feminino, um orgão comunitário, antes de mais porque o bebé aí suga o seu alimento inicial; representa a ágora ou praça pública na antiga Grécia, lugar de igualdade entre os cidadãos, a mesa da Távola Redonda onde todos os cavaleiros são iguais, a roda do Zodíaco de onde parte a predestinação de todos os nossos actos na Terra, o Sol etc. Lascariz escreve:
«Todos os rituais do Wicca iniciam-se com a realização do Círculo Mágico. Chama-se a esse acto litúrgico "talhar o círculo", porque ele é tradicionalmente efectuado com uma faca ou adaga consagrada. Trata-se de criar um círculo à nossa volta e compor um lugar fora do espaço-tempo ou, como se costuma dizer, "entre os mundos". (...) A flexibilidade de, em qualquer altura e lugar, poder transfigurar o espaço profano em espaço sagrado e o Caos e Cosmos. Isso só é possível porque o wiccan reconhece que qualquer lugar é sagrado. (...)
«Há uma outra função subentendida na prática do Círculo Wiccan: a da possibilidade do Passado e do Futuro se reencontrarem no Eterno Presente do Círculo Mágico. (...) Traçá-lo ou desenhá-lo no ar, como é costume entre os wiccans, funciona como uma gestalt geometrizada no espaço que rememora o nosso passado de imersão no ventre da mãe. O círculo é o primeiro acto cerimonial porque reactualiza o estado de gestação antes do nascimento. Ele é o simbólico Ventre da Grande Mãe que protege e sustém todas as coisas.» (...)
«Por si só o Círculo Mágico só poderá representar um estado de caos e indiferenciação no Todo Universal. Pode colocar lá dentro a vida inteira mas se não puder perceber que o círculo é um movimento dotado de ritmos, nunca compreenderá o seu significado cosmológico! Coloque-se dentro de um círculo desenhado no chão ou visualizado no espaço e tente meditar sobre a sua forma arquetípica e verá que o que obterá é muito insubstancial ! É insubstancial porque um círculo significa a Totalidade, esse cume da experiência que é incognoscível e nos escapa à nomeação. Foi Jung o primeiro a notar que, quando os seus pacientes sonhavam com formas circulares, estavam próximos da cura, porque no círculo está subentendido a completa integração da complexidade humana, até aí fragmentada e alienada, num todo funcional e criativo».
(Gilberto de Lascariz, «Ritos e mistérios secretos do Wicca», Zéfiro, Sintra, 2ª edição, Novembro de 2014, pag. 169-175; o destaque a bold é de nossa lavra).
O ALTAR WICCA OU PANTÁCULO
O altar é uma espécie de mesa onde se oferece um banquete propiciatório aos deuses. E a forma importa: cúbica não tem o mesmo significado que rectangular ou circular. No Wicca tradicional o altar seria uma placa ou mesa circular com um pentagrama no centro mas diversos grupos wiccan usam altares rectangulares ou cúbicos. Escreve o sábio Lascariz:
«O altar de muitos povos antigos era apenas uma superfície vulgar de pedra, a conhecida pedra de cúpula. Tratava-se de um bloco de rocha com cúpulas semi-esféricas gravadas ou naturais, datando do neolítico. (...) »
«Esta pedra original que veio mais tarde desembocar estilisticamente na ara romana, o araceli, o altar do céu, é representada no Wicca pelo pantáculo com os seus símbolos sacrais gravados, de sugestão estelar, sobre os quais se fazem todas as consagrações do coventículo»
«O altar wiccan é, como o altar cristão, um altar de culto que funde os dois tipos de altares supracitados: o altar da celebração das Forças da Vida, sob a forma do altar da comunhão, e o altar de celebração das Forças da Morte, sob a forma do altar cúbico do sacrifício.»
(Gilberto de Lascariz, «Ritos e mistérios secretos do Wicca», Zéfiro, Sintra, 2ª edição, Novembro de 2014, pag. 205-207; o destaque a bold é de nossa lavra).
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