Em um dos seus mais belos textos filosóficos, datado de 1942, Heidegger escreveu:
«A expressão óntico, inspirada no grego tò ón, o ente, significa aquilo que se cinge ao ente. Mas o grego "ón", ente, encerra dentro de si uma essência própria de entidade (ousía) que no transcurso da sua história nunca permanece igual.(...) Como ón significa tanto "ente" como "o quê é" ( 1) on enquanto "ente" pode ser reunido (legéin) em direcção a "o quê é" ( 2) . Até se pode dizer que, de acordo com a sua ambiguidade, ón já está reunido como ente por mor da sua entidade. É ontológico. Mas com a essência do ón e a partir de ela, esse reunir que é, o lógos, transforma-se em cada caso e com ela, a ontologia. Desde que ón, o que se apresenta, se abriu como físis, a presença do que se apresenta reside, para os pensadores gregos, no fainestaí, na manifestação do não oculto que se mostra a si mesma. De acordo com isto, a multiplicidade do que se apresenta, tà onta, é pensada como aquilo que na sua manifestação é simplesmente aceite como o que se apresenta. A aceitação (dékestai) fica sem continuidade. Efectivamente, não continua a pensar mais além, na presença daquilo que se apresenta. Fica na dóxa. Pelo contrário, o noein é aquele perceber que percebe o presente na sua presença e a partir de aí abarca-a com ele.»( Martin Heidegger, Caminos de Bosque, El concepto de experiencia de Hegel, pag 133, Alianza Editorial, Madrid; o negrito é posto por mim).
1) Nota minha: A tradução espanhola desta passagem diz: "Como ón significa tanto "ente" como "lo que es". Atrevi-me a alterá-la, substituindo "o que é" por o "quê é" porque me parece absurda a versão espanhola: o ente é "o que é", "algo que é" , e não "o quê é" , tò tí, isto é o quid, a forma específica ou individual.
2) Nota minha: de novo corrijo aqui a tradução espanhola de "lo que es" substituindo-a por "lo qué-es" ( o quê é).
Ser possui na língua grega, o significado de presença, conforme sublinha Heidegger. Mas a essência não é, em rigor, presença, mas forma, estrutura. A essência delimita, especifica ou individualiza o ente, como a forma da estátua de mármore delimita ou individualiza o mármore em bruto. No texto acima, a presença designa o "ser" e o presente indica o "ente".
A acusação de Heidegger à tradição filosófica é a de esta esquecer o ser, que subjaz ao ente e o transcende, em favor do ente. Por exemplo: a metafísica cristã, confundiu o "ser", qualidade totalizante, com o ente "Deus", um espírito omnipotente, benéfico e autor do mundo.
A minha crítica a Heidegger, pensador brilhante da ontologia e, em certa medida, da filosofia analítica, reside na sua ambígua interpretação do termo "ser", nomeadamente expressa na seguinte passagem de Sein und Zeit:
«2. O conceito de "ser" é indefinível. É o que se concluiu da sua suprema universalidade. E com razão - si definitio fit per genus proximum et differentiam specificam. O "ser" não pode, com efeito, conceber-se como um ente; enti non additur aliqua natura; o "ser" não pode ser objecto de determinação predicando dele um ente.» (Martin Heidegger, El ser y el tiempo, pag 13, Fondo de cultura económica de España, Madrid; o negrito é colocado por mim).
Penso que o conceito de ser é definivel. A sua definição é dupla:
A) É o existir universal (presença).
B) É a essência geral de todos os entes, incluindo do ser-aí (cada homem, na sua singularidade).
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