Aristóteles compara do seguinte modo o platonismo ao pitagorismo:
« Platão afirma ademais, que entre as coisas sensíveis e as Formas existem as Realidades Matemáticas, distintas das coisas sensíveis por serem eternas e imóveis, e das Formas porque há muitas semelhantes,enquanto que cada forma é somente uma e ela mesma. E posto que as Formas são causas do resto, pensou que os elementos de aquelas são os elementos de todas as coisas que são , que o Grande e o Pequeno são princípios enquanto matéria e que o Uno o é enquanto substância. Com efeito, a partir de aqueles, por participação no Uno, as Formas são os Números. E quanto a que o Uno é, por seu lado, substância, e não se diz que é uno sendo outra coisa, pronunciou-se de modo muito próximo aos Pitagóricos, e igual a estes a respeito de os Números serem causa da substância das demais coisas.
«Sem embargo, é próprio dele ter posto uma Díade em vez de entender o Ilimitado como uno, assim como haver afirmado que o Ilimitado se compõe do Grande e do Pequeno e ademais distingue-se em que ele situa os Números fora das coisas sensíveis, enquanto que aqueles que afirmam que os Números se identificam com as próprias coisas, e, portanto, não situam as realidades matemáticas entre as Formas e o sensível. O situar, de modo diferente dos pitagóricos, o Uno e as Números fora das coisas e a introdução das Formas surgiu como consequência de que a sua investigação se manteve ao nível dos conceitos.» (Aristóteles, Metafísica, Livro I, 987 b, 15-30; o negrito é posto por mim).
Neste texto, Aristóteles além de distinguir Platão de Pitágoras quanto à natureza respectivamente transcendente (platonismo) ou imanente (pitagorismo) dos Números, afirma que, na doutrina de Platão, o Grande e o Pequeno compõem o Ilimitado, isto é, o espaço vazio material (a Chora) que Platão teorizava como oposto ao mundo inteligível das Formas ou Arquétipos. A matéria seria dual, não una, ao contrário do mundo das Formas, Uno primordialmente e em simultâneo e de forma derivada, múltiplo. Aparentemente, a dimensão ou extensão - isto é, o Grande e o Pequeno - constituem a essência primordial, imanente, da matéria. Terá Descartes ido beber aqui a ideia da extensão como a natureza do mundo material?
A frase algo enigmática «a partir de aqueles (Grande e Pequeno) as Formas são Números» parece-me significar o seguinte: os Números, como intermédio, entre o singular único ( exemplo: o Belo, o Triângulo, o Cubo) e as coisas materiais multiplicam as imitações da Forma (teoria da participação) de maneira a que estas configurem as coisas. Esta configuração das coisas faz-se através da Díada do Grande e do Pequeno, dois princípios aparentemente residentes na matéria indiferenciada que espera receber a imagem das Formas através dos Números.
Se o Igual, o Maior e o Menor são arquétipos, formas do mundo inteligível, não deveriam igualmente o Grande e o Pequeno figurar nesse mundo? Sim, a menos que Grande e Pequeno designem quantidades definidas, aprisionadas na matéria - exemplo: homem com estatura de 160 centímetros é pequeno, com estatura de 170 a 175 centímetros é moderamente grande, com estatura de 200 a 220 centímetros é muito grande - e não tenham o carácter abstracto e perene das Formas.
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Teodorico de Freiberg, um pensador dominicano alemão (1250? - 1320) que se opôs à doutrina de Tomás de Aquino, escreveu sobre o ente:
«1. Ora o ente é o que há de mais geral. Compreende em si, na sua extensão, tudo, quer segundo a coisa quer segundo a significação. Significa a essência de tudo aquilo de que é predicado, seja predicado de uma substância seja de um acidente, conforme diz o Filósofo no princípio do Livro IV da Metafísica. Não há inconveniente em ser predicado da substância e do acidente, indicando a essência daquilo de que é predicado. Isto porque o ser é predicado da substância e do acidente segundo uma noção diferente, dado que a substância e o acidente derivam de noções diferentes, enquanto são entes.»
«2. De facto ambos são ditos "ente" enquanto têm uma certa essência. Mas a substância tem a essência segundo uma noção diferente da que o acidente tem. Isto é claro com base naquilo que Agostinho diz no capítulo 16 de A Imortalidade da Alma: «O que faz com que qualquer essência seja uma essência é o facto de ser.» Contudo o ser que convém à substância tem uma dada noção e enquanto pertence ao acidente tem uma noção diferente.» (Teodorico de Freiberg, O ente e a essência, Minerva Coimbra, 2003, pags. 27-28; o negrito é colocado por mim).
Teodorico não é de uma clareza absoluta porque não distingue as propriedades do ser das propriedades da essência. Joga na ambiguidade do termo "ser" que, ora é interpretado como existir ora como configuração, quid. E invoca Santo Agostinho mas, de facto, este equivocou-se: não é o ser que faz com que uma essência seja essência; o ser faz com que uma essência exista enquanto essência, ou seja, esteja impressa, plasmada, numa matéria indeterminada (o ser) gerando um ente concreto. Ser é ontologia e essência é eidologia. Em certo sentido, esta é anterior à ontologia. Se eu pensar em um cavalo com tromba de elefante e barbatanas de peixe em vez de patas traseiras penso numa essência que não existe no mundo biocósmico, mas que existe apenas na minha imaginação. Logo, não é o ser que faz com que a essência seja: é a forma, como princípio, que desenha ou estrutura a essência, não o ser. Há essências que são e outras que não são. Homem de sangue verde é uma essência imaginária, que não é (não existe no real), mas homem de sangue vermelho é uma essência real. Logo não é o ser que faz a essência: o ser é um correlato da essência, não o autor ou causa eficiente, fabricante, daquela. Parece que Platão, sem embargo de deslizar anfibologicamente em dois sentidos da palavra ser - existência e conjunto das formas imóveis inteligíveis - terá teorizado a Díade do Grande e do Pequeno como fonte das formas ou essências e o Uno como fonte do ser.
Também não parece que «o ser que convém à substância tem uma dada noção e enquanto pertence ao acidente tem uma noção diferente». Se entendermos por ser o existir, a mesma noção de existir se aplica à substância - a forma permanente do ente - e ao acidente - a forma transitória e parcelar do ente.
O ente (tó on) é para Aristóteles um sujeito indeterminado, universal, apto a contrair-se em qualquer substância: as suas características primordiais são existir e ser uno. « E o ente constitui o comum a todas as coisas» (Aristóteles, Metafísica, 1004 b, 20-25) .A filosofia - séculos mais tarde designada ontologia - é a ciência do ente, do que é. Género, espécie, substância primeira e acidente são modos do ente.
Teodorico distingue a quididade - uma qualidade determinada e estrutural; a essência ou forma da espécie, em Aristóteles - do quid ( que o tradutor Mário Santiago de Carvalho traduz por "o que" e nós por "o quê é») - a qualidade determinada particularizada ou individuada em tal ou qual ente. Mas mistura o quid com o quod e nesse sentido afasta-se de Aristóteles:
«4. Mas "quididade", que deriva de "o que" por abstracção, significa apenas o princípio formal que faz com que uma coisa seja essencialmente qualquer coisa. E é isto que comunmente se diz, e bem, ou seja, que nos simples a quididade e aquilo que é "o que" se identificam. Ora isto não acontece nos compostos de matéria e de forma. Nestes só a forma é quididade.» (Teodorico de Freiberg, O ente e a essência, Minerva Coimbra, 2003, pag 32; o negrito é colocado por mim).
«8. Neste segundo modo de significação, tomado em sentido comum, é evidente que "brancura" e "branco" diferem quanto à significação. "Brancura" significa somente a qualidade, e "branco" significa o agregado do sujeito e da qualidade. E assim se pode dizer, acerca de "quididade" e daquilo que "o que" é, que "quididade" significa apenas a forma, mas "o que", mesmo nas coisas compostas, significa toda a essência da coisa, quer dizer, o agregado de matéria e de forma.» (ibid, pags 36-37; o negrito é colocado por mim).
A minha discordância relativamente a esta posição, inteligentemente explanada, é a seguinte: o quid ou quê-é, na perspectiva aristotélica, não engloba a totalidade do ente, mas constitui, de certo modo, o invólucro, a configuração, a estrutura deste. Uma estátua de mármore é um quid, não pelo mármore em bruto, mas pela forma que neste o escultor imprimiu. O quod é o ente abstractamente considerado, como algo existente, sem forma determinada.
A CONFUSÃO DA EXISTÊNCIA COM A ESSÊNCIA
A incoerência fende,subtilmente, o texto de Teodorico:
«5. O ser e "o que é" diferem no seguinte. O ser designa toda a essência da coisa. "O que é" significa uma parte da coisa, nas coisas compostas.» (Teodorico de Freiberg, O ente e a essência, Minerva Coimbra, 2003, pag 45; o negrito é colocado por mim).
Ora isto contradiz a seguinte passagem acima citada:
«E assim se pode dizer, acerca de "quididade" e daquilo que "o que" é, que "quididade" significa apenas a forma, mas "o que", mesmo nas coisas compostas, significa toda a essência da coisa, quer dizer, o agregado de matéria e de forma.»(ibid, pags 36-37; o negrito é colocado por mim).
Comparando estas dois pensamentos, deduzimos que, na interpretação de Teodorico, o ser e o quê-é (na sua terminologia: "o que") são uma e a mesma coisa já que «significam toda a essência da coisa». Isto é um equívoco, uma confusão entre existência (ser) e essência ("quê-é, "o que").
O prefaciador Mário Santiago de Carvalho, sem embargo dos seus altos méritos na difusão da filosofia medieval, não parece ter detectado o equívoco do dominicano alemão do século XIV, equívoco que se desmonta assim: se "o que" ou quid constitui toda a essência da coisa, isto é, o composto forma-matéria, como sustentou Teodorico, então a substância primeira ou ente individualizado - exemplo: este vaso azul de barro - em nada se distingue da sua espécie ou substância segunda - o conjunto dos vasos azuis de barro. Aristóteles apontou a matéria como princípio de individuação mas essa teoria está aqui ausente. Em Teodorico, a matéria, originariamente destituída de forma, está incluída no quid, o que constitui um desvio do pensamento aristotélico e uma confusão entre a forma, acidental ou essencial (quid) e a não forma (matéria-prima, hylé).
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En una de sus lecciones de metafísica, Ortega habla de dos mesas: la mesa primaria, del realismo natural, que los sentidos nos ofrecen (de madera o de vidrio, rectangular o circular, etc., que veo e toco aquí) y la mesa científica, del realismo crítico, pensada, casi «insustancial», porque está llena de espacio vacío y átomos moviéndose sin cesar, diferente a las sensaciones que la primera mesa nos produce. Y, reflexionando sobre una y otra, acaba concluyendo que ambas no tienen ser sino serventía para el hombre, en un caso el hombre común, incluso el salvaje, en otro caso el hombre científico:
«Y ahora pregunto: cuando leyendo a Eddington digo que me acerco a la mesa para escribir, ese hacer y esa situación de mi vida que tales palabras enuncian ¿puede consistir en que me acerco a unos electrones? Un salvaje puede también acercarse a la mesa , ya que no para escribir, no para sentarse sobre ella, y ese salvaje, ¿se acerca también a unos electrones?»
«Pero lo mismo vale para la mesa como sustancia. En rigor, la mesa primaria no es uno ni lo otro ni nada. No tiene ser por si: está ahí facilitando o dificultando mi vida, como elemento de ella, me sirve o me desirve, me favorece o me perturba. Cabía decir que eso, favorecerme, es el ser de la mesa. Sin embargo y ¿si huyo porque hay fuego? La mesa me estorba. Y aun ese mismo ser ser facilidad, ser dificultad no es ella, sino que depende de lo que yo tenga que hacer: escribir o huir.»
«Por tanto, la circunstancia, por lo pronto y como tal, no tiene ser; ese mínimo que parecería tener no es de ella, sino de mí. Depende lo que la circunstancia sea de quién sea yo: el que tiene que escribir o el que tiene que correr.»
«Eso transfiere a mí el problema del ser de las cosas. Para responder a ¿que son las cosas? Tengo que preguntarme ¿qué soy yo?»
«Pero yo soy el que tiene que habérselas con la circunstancia, el que tiene que ser en ella. Lo que yo puedo y debo ser depende, pues, a su vez, de ella.»
«El hombre y su circunstancia pelotean el problema del ser se lo devuelven uno al otro lo que indica que el problema del ser es el de lo uno y lo otro, el del hombre y de su circunstancia; el del Todo.»
El hecho radical e irremediable es que el hombre viviendo se encuentra con que ni las cosas ni él tienen ser; con que no tiene más remedio que hacer algo para vivir, que decidir su hacer en cada instante, o lo que es igual, que decidir su ser, y esto incluye, como hemos visto, el ser de las cosas.» ((Ortega y Gasset, Unas lecciones de metafísica, Revista de Occidente en Alianza Editoral, Pág 119-120; la letra negrita es añadida por mí).
Ortega separa aquí, en modo artificial, la causa formal - el qué, o quid- del ser - o consistencia existencial - de la mesa como si solo la causa final - la serventía de algo, el para qué - concediera ser a las cosas. La mesa no tiene ser, consistencia en si misma: solo tiene ser para mí, instrumental. Es una deriva hacía el idealismo pragmático. Es el pragmatismo acoplado a la fenomenología, cambiando esta en un insustancialismo movilista.
Ortega se halla así en la línea de Jean Paul Sartre, aunque no coincidan en todo, pero no en la de Heidegger y la tradición platónica que sostienen que el ser precede el agir Zubiri diría: la actuidad - el ser o acto primero,previo a la potencia - precede a la actualidad y la actualización.
Heidegger díce que el ser-ahí, cada hombre, lleva dentro el ser y que las cosas ante los ojos, llevan, en otro modo, también el ser pero Ortega tiene posición distinta: el hombre y las cosas no poseen ser, esto solo existe en la interconexión hombre-mundo: es el Todo, la vida.
En Ortega, el movimiento de la dualidad origina el ser, la unidad, que es la vida. En Platón, el uno y la díada del pequeño y de lo grande constituyen de suyo el ser y originan, después, el movimiento y las cosas móviles y efímeras. Ortega sustituye la ontología esencialista por la ontología existencialista insustancialista.
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Aristóteles distinguiu o não-ser por acidente e o não-ser por essência ou natureza:
«Afirmamos que a matéria é distinta da privação, e que uma delas, a matéria, é um não-ser por acidente, enquanto a privação é em si mesma um não ser, e também que a matéria é de alguma maneira quase uma substância, enquanto que a privação não o é em absoluto.» (Aristóteles, Física, Livro I, 192a).
A matéria-prima universal, segundo Aristóteles, é ser em potência, ou seja, ainda não é. Esta é uma das noções mais profundas da teoria aristotélica: a de uma matéria prima universal ou substrato que, uma vez que é informe, não possui textura, peso, figura, não é ar, nem terra, nem água, nem fogo, nem éter, nem coisa nenhuma determinada. É algo indeterminado, privado de forma, mas não se confunde com a privação. Areia, ferro, madeira ou água são formas adicionadas ao substrato original: a areia é a matéria prima universal (hylé) adicionada da forma «areia», o ferro é a mesma matéria prima universal (hylé) adicionada da forma «ferro», a madeira é a matéria-prima universal (hylé) adicionada da forma «madeira», a água é a matéria-prima universal (hylé) moldada pela forma «água».
Assim, uma cadeira de madeira é duplamente informada, isto é, dotada de forma: a madeira em si já é uma forma primitiva - Aristóteles chamou-lhe causa material - e o assento, espalda e pernas da cadeira são formas derivadas - constituem a causa formal ou modelo da cadeira - criadas na matéria pelo operário e pela máquina - o agente produtor, que Aristóteles designa como causa eficiente.
A matéria-prima é quase substância (ousía), diz Aristóteles. Falta-lhe a forma, embora possua o substrato.
Ao contrário, a privação é o nada absoluto. Assim postula-se a tese da seguinte tríade: forma, matéria-prima informe, privação (absoluta). A matéria prima ou não ser por acidente é um intermédio entre a forma e a privação absoluta. Não detectamos aqui o pensamento de Hegel da identidade dos contrários absolutos, segundo o qual o ser absolutamente indeterminado (ex: algo que é... não matéria, não espírito, não energia, não mundo, não antimundo, etc) e o não-ser (absolutamente indeterminado) são um e o mesmo.
CRÍTICA DE ARISTÓTELES À TRÍADE PLATÓNICA
Platão sustentou uma tríade como fonte de todas as coisas: o Uno, fonte das ideias do mundo inteligível, isto é, do ser das formas puras; o Grande e o Pequeno (isto é, a Díade) como fonte da matéria que, em sentido absoluto, é não ser. Aristóteles explana, do seguinte modo, a sua crítica à teoria da matéria de Platão exposta no Timeu:
«Eles ( nota nossa: os platónicos), ao contrário, afirmam que o Grande e o Pequeno são por igual não ser, tomados conjuntamente ou cada um por separado. A sua tríade é, então, inteiramente distinta da nossa. Certamente chegaram a ver a necessidade de que haja uma natureza subjacente, mas concebem-na como una; pois ainda que algum faça dela uma díade e a chame o Grande e o Pequeno, entendem-na como uma só e mesma coisa, já que não se aperceberam da outra natureza.
«Uma delas permanece, sendo junto com a forma uma concausa das coisas que chegam a ser, como se fosse uma mãe. A outra parte da contrariedade pode parecer, frequentemente, como inteiramente inexistente para os que só pensam no seu carácter negativo. Porque, admitindo com eles que há algo divino, bom e desejável, afirmamos que há, por um lado, algo que é o seu contrário e, por outro lado, algo que naturalmente tende para ele e o deseja de acordo com a sua própria natureza. Mas para eles seguir-se-ia que o contrário desejaria a sua própria destruição. Sem embargo, a forma não pode desejar-se a si mesma, pois nada lhe falta, nem tampouco pode desejá-la o contrário, pois os contrários são mutuamente destrutivos; o que a deseja é a matéria, como a fêmea deseja o macho e o feio ao belo, salvo se não fôr feio por si a não ser por acidente, nem fêmea por si senão por acidente.»
«Em certo sentido a matéria destrói-se e gera-se, em outro não. Porque, considerada como aquilo «no que», em si mesma se destrói (pois o que se destrói, a privação, está nela); mas considerada como potência, em si mesma não se destrói, mas necessariamente é indestrutível e inengendrável. Porque se chegasse a ser, teria que haver primeiro algo subjacente do qual, como seu constituinte, chegasse a ser; mas justamente essa é a natureza da matéria, pois chamo «matéria» ao substrato primeiro em cada coisa, aquele constitutivo interno e não acidental do qual algo chega a ser; portanto teria que ser antes de chegar a ser. E se se destruísse, chegaria finalmente a isso, de tal maneira que se teria destruído antes que fosse destruída.»
(Aristóteles, Física, Livro I, 192a; o bold é de nossa autoria)
É óbvio que importa ler cuidadosamente os textos de Platão para dissipar dúvidas sobre se a crítica aristotélica distorceu ou reproduziu exactamente o pensamento deste: segundo Aristóteles, Platão defendeu «no Timeu que a matéria e o espaço (chora) são o mesmo, pois o participável (metalêptikón) e o espaço são uma e a mesma coisa - ainda que fale de diferente maneira sobre o «participável» nos chamados Ensinamentos não escritos, identificou sem embargo o lugar e o espaço. Todos dizem que o lugar é algo, mas só ele tentou dizer que é.» (Aristóteles, Física, Livro IV, 209b).
A.E.Taylor sustenta que Aristóteles deformou o pensamento platónico expresso no Timeu:
«Não há um substrato da mudança no esquema do Timeu...Aristóteles estava tão imbuído da visão de que o permanente implicado na mudança só pode ser pensado como «matéria» ou «substrato» que porventura não estava consciente de estar a falsear a teoria do Timeu ao introduzir neste a sua própria terminologia» (A.E.Taylor, A Comm. on P.´s Timaeus, pag 347., cf. páginas 401-403).
Ainda que com imperfeições, como todo o pensamento humano, a par de uma grandeza intelectual notável, Aristóteles lavrou proficuamente o pensamento na área da ontologia (doutrina do ser, que se estende da física à metafísica). Com Aristóteles, aprende-se, repensa-se, redescobrem-se ou descobrem-se novas pistas do pensamento filosófico -ao contrário do que sustentam alguns adeptos de alguma filosofia analítica enviesada, apologistas da abolição da filosofia na sua história, mentes medíocres que troçam da hermenêutica dos textos de Platão, Aristóteles, Hegel, Heidegger e outros justamente porque são incapazes de compreender na sua integridade os textos de Platão, Aristóteles, Hegel, Heidegger e outros.
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