Desenvolvo aqui uma ideia que me ocorreu há meses e me parece algo inovadora na história da filosofia (será?): o ser é matéria, se por matéria se entende o conteúdo indeterminado de algo. Como os dois princípios fundamentais de todos os entes são forma e matéria, isto é, essência/determinação e ser/indeterminação até o próprio Deus tem uma forma e uma matéria: a matéria será o pensamento-sentimento e a forma o sistema de arquétipos e raciocínios que constituem o próprio ente divino.
Aristóteles considera o ser como um predicado. Mas uma matéria não é um predicado: é um substante universal (note-se que o substante universal é a argamassa da qual se formam as substâncias, ousíai, isto é as essências individuadas).
Nesta perspectiva, a hylé ou matéria-prima universal indeterminada que dá origem ao fogo, água, terra, ar, - hylé que para Aristóteles é não-ser , em sentido relativo, - é ser, substrato de tudo, sujeito. Mas o ser que Aristóteles coloca como predicado é substante "por cima" isto é, superestrato ou no meio, mesoestrato. Todas as coisas são, isto é existem. Existir é uma matéria subtil - que pode ser espírito, vida, luz, electromagnetismo, energia - ou uma matéria visível, densa e palpável, como a matéria física. O existir não é, portanto, algo separado da matéria física ou da forma. Até os erros existem no mundo da imaginação, esse oceano de plasticidade que ora comunica com o mundo real ora com os mundos irreais e absurdos que são os mundos da matéria inteligível no caos.
Aristóteles usou magnificamente os termos matéria inteligível e matéria sensível. Em vez de matéria inteligível poderia escrever ser inteligível. Ser é matéria, isto é, a textura indeterminada de qualquer coisa espiritual, vital, energética, física.
Uma outra questão é a da génese dos objectos a partir da matéria prima universal no aristotelismo: se esta é potência pura, isso significa que é uma espécie de matéria inteligível que não tem concreção, está fora da phisis (natureza biofísica móvel) . Seria a forma que lhe daria concreção. Mas isso não faz muito sentido: a meu ver, a forma não confere carácter ontológico mas apenas eidológico. A matéria prima, na minha perspectiva, não está no nada mas constitui uma espécie de ganga no caos da qual as formas extraem objectos ao plasmarem-se nela. A matéria-prima não pode estar em potência de modo absoluto - se assim fosse, era a criação ex nihil (a partir do nada) que repugna ao espírito grego. A matéria-prima está em acto enquanto algo informe que tem massa, densidade, impenetrabilidade. Aristóteles não afirma isto mas, a meu ver, a lógica seria essa. Não deve ser a forma a puxar ou explicitar as propriedades da matéria. Esta já tem de ser um em si que se entrecruza com outro em si, hierarquicamente superior: a forma. A forma limita-se a configurar uma matéria física já existente.
O equívoco na filosofia de Aristóteles é não considerar o ser como a verdadeira matéria universal - o substracto, mesoestrato e superestrato - absolutamente indeterminada, que origina a hylé e tudo o mais. No entanto, Aristóteles chega a formular a ideia de que o género - grupo mais vasto e sem forma perfeitamente definida - está para a espécie como a matéria está para a forma. Mas, ao que parece, não formulou a ideia do ser como matéria universal que estaria para os diferentes géneros como a matéria está para a forma, talvez por recear que o "ser" (predicado) e a "hylé" (sujeito, substracto) se confundissem. De facto, a hylé é uma espécie dentro do género universal ser: é o ser material informe, inexistente segundo Aristóteles, existente em minha opinião, como matéria no caos.
A matéria, em sentido universal, expande, estende-se em campos infimitos e a forma, ao contrário, segmenta, corta em fatias e contrai. Logo o ser é essa matéria e não surpreende a máxima da escola eleática de que «tudo está cheio de ser.»
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© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Diz-se que «a sociedade, hoje, é mais informal do que em 1950 ou em 1900 ou em 1800». Que significa a expressão «ser mais informal» ? Significa que a sociedade é mais fluida no seu interior -em aspectos superficiais, porque as diferenças de classe subsistem - e que os sinais exteriores diferenciadores entre as classes diminuiram - um capitalista veste calça de ganga e t-shirt como um operário - mas os sinais diferenciadores entre os indivíduos no seio da mesma classe social se ampliaram, introduzindo a «personalização», o toque individual agora mais visível- a diversidade nas roupas, no penteado, nas atitudes sociais é mais rica.
A informalidade é a ausência ou destruição de regras rígidas, o esbater das fronteiras, e a ela deve corresponder uma maior substancialidade. Por exemplo, as aulas nas escolas são mais informais do que em 1960 ou em 1970 sob a ditadura fascista portuguesa: hoje os alunos podem levantar-se do lugar para deitar algo no cesto de papéis, os professores têm de conceder espaço às perguntas e atitudes criativas de alunos, não se apresentam de fato e gravata, muito «formais». Por assim dizer, a informalidade aproxima do caos, de um estado de mistura social em que a hierarquia desaparece. Que devemos entender por substancialidade ? Substancialidade é concreção e individualidade. O cantor Brian Adams, por exemplo, ou o pintor António Paisana, possuem menos formalidade (forma abstracta) e mais substancialidade, mais concreção e individualidade, do que a essência de cantor ou a essência de pintor, porque são pessoas reais, concretas, cada um com uma determinada estatura, forma do rosto, cor dos olhos, etc. Quando Hegel se refere ao "Espírito, na sua substancialidade" não designa, necessariamente, o espírito individual deste ou daquele homem, ou deste ou daquele povo - não é, pois, individualidade - mas designa um conteúdo concreto, feito de determinações, concreções, da ideia absoluta (Deus) motor da história. Assim, a substancialidade do espírito medieval europeu comporta as concreções ou conteúdos concretos de cavalaria, feudalismo, teocracia católica romana, economia agrária.
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