No seu artigo «Metafísica da Morte», no compêndio em linha de Problemas de Filosofia Analítica, Pedro Galvão distingue três correntes sobre a metafísica da morte: o animalismo, o personismo e o mentismo. Escreve a partir da definição de pessoa como um ser consciente de si numa relação estreita com um organismo animal tipo Homo Sapiens:
«De acordo com os animalistas (e.g. Olson 1997), essa relação é a de identidade: cada um de nós (uma pessoa humana) pura e simplesmente é um animal da espécie Homo sapiens. Sob esta perspectiva, a morte de cada um de nós será nada mais nada menos que a morte do seu organismo. Sob outras perspectivas, no entanto, esta identificação é um erro, dado que cada um de nós poderá morrer antes do seu organismo. Numa das dicussões sistemáticas mais recentes da filosofia da morte, Luper (2009: 24-38) destaca duas dessas perspectivas: o personismo e o mentismo.
Segundo o personismo, somos pessoas essencialmente. Isto implica que não poderemos sobreviver à perda da capacidade da consciência de si. Por sua vez, isto implica, por exemplo, que não poderemos sobreviver num estado de demência profunda, no qual esta capacidade se extinguiu. Mas, nesse estado, o nosso organismo seguramentenão terá ainda morrido.»
«Para os defensores do mentismo, somos sujeitos de uma mente essencialmente. Poderemos sobreviver à perda da consciência de si, mas não à extinção de todas as capacidades mentais, pelo que deixaremos de existir se o nosso cérebro perder até a capacidade mental básica de gerar estados conscientes, como dores e experiências visuais. Mas o nosso organismo poderá continuar a existir após a perdadessa capacidade. É isso que se verifica nos casos de estado vegetativo persistente.
Às três perspectivas referidas correspondem perspectivas distintas sobre as condições de persistência das pessoas humanas. Por
outras palavras: correspondem respostas distintas ao problema da identidade pessoal ao longo do tempo.»
«O animalista, como afirma que cada um de nós tem as condições de persistência do seu organismo (porque pensa que cada um de nós é o seu organismo), negará que a identidade pessoal dependa de alguma forma de continuidade psicológica. Pois a sobrevivência de um organismo humano, como nos mostram os casos de estado vegetativo persistente, não depende de nenhuma forma de continuidade psicológica.
Se aceitarmos uma perspectiva psicológica da identidade pessoal,teremos de rejeitar o animalismo. » (Pedro Galvão, Metafísica da Morte, pág. 1-2, in Compêndio em Linha de Problemas de Filosofia Analítica, de João Branquinho e Ricardo Santos, transcrição em 2 de Agosto de 2015; o destaque a negrito é posto por nós).
A distinção entre personismo e mentismo não é clara. Galvão não define o que é ser pessoa quando define que «segundo o personismo, somos pessoas essencialmente». Que diferença há entre ser pessoa e ser mente? É preciso explicitar. Como pode Pedro Galvão garantir que «a sobrevivência de um organismo humano, como nos mostram os casos de estado vegetativo persistente, não depende de nenhuma forma de continuidade psicológica»? Existe a teoria aristotélica de que a alma é forma do organismo, logo enquanto este persistir a alma vegetativa ou animal há-de continuar a dar-lhe forma. Não conhecemos por dentro a psique de quem está em estado vegetativo persistente nem o lugar onde se encontra. Se um corpo em estado vegetativo se conserva incorruptível há provavelmente nele uma mente ou identidade psicológica «adormecida». Segundo diversas correntes espiritualistas, budistas ou não, a mente da pessoa em estado vegetativo viajará em outros planos da existência, em mundos superiores ou inferiores, logo mantém a identidade psicológica.
A MENTE INCORPORADA
Pedro Galvão acrescenta, sem hierarquizar em relação às três correntes citadas , o que é típico da confusa filosofia analítica (divide, analisa horizontalmente e carece de sistematização, de pensamento vertical), mais outra corrente: a da mente incorporada.
«De acordo com outras perspectivas psicológicas, a identidade pessoal é fundamentalmente uma questão de continuidade de capacidades mentais. A perspectiva da mente incorporada, de McMahan, enquadra-se nesta categoria. Diz-nos que continuaremos a existir enquanto a nossa mente continuar a existir – e que a nossa mente continuará a existir enquanto o nosso cérebro se mantiver minimamente capaz de gerar estados conscientes (McMahan 2002: 67-69).
A perspectiva da mente incorporada é superior às suas rivais. Assim sendo, há que aceitar o mentismo e que conceber a morte das pessoas humanas como algo distinto da morte dos seus organismos. .(Pedro Galvão, Metafísica da Morte, pág. 2, in Compêndio em Linha de Problemas de Filosofia Analítica, de João Branquinho e Ricardo Santos; o destaque a negrito é posto por nós).
Os chamados «novos filósofos» são assim: fertéis em definições, quase sempre imprecisas, muitas vezes duplicadas noutras, incapazes de uma verdadeira sistematização. As universidades em filosofia são estéreis: não atingem sequer a mais alta das filosofias, o predestinacionismo de tudo o que acontece no planeta Terra e na humanidade por virtude dos astros, a astrologia histórica.
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No artigo «Regressões ao InfInIto em metafísIca» da edIção de 2013 do «CompêndIo em lInha de problemas de fIlosofIa analítIca», os professores universitários João Branquinho e Guido Imaguire, cometem alguns erros que tipificam os erros da filosofia analítica contemporânea.
DIZER QUE «É VERDADE QUE É VERDADE QUE É VERDADE QUE É VERDADE QUE S» É REGRESSÃO AO INFINITO?
Um primeiro equívoco dos autores e da filosofia analítica em que militam, reside na noção de regressão ao infinito. Escrevem os citados dois académicos:
«Eis dois exemplos comummente dados de regressões.
• O princípio da causalidade, o princípio de que tudo tem uma causa, ou seja, a ideia de que, para todo o acontecimento ou fenómeno, há um acontecimento ou fenómeno, diferente daquele, que o causa, é muitas vezes visto — talvez não muito correctamente — como dando origem a uma regressão ao infinito (na série de causas).
• O mesmo se pode dizer do resultado da aplicação do mecanismo recursivo característico de diversos operadores frásicos, em especial do operador de verdade, captado na ideia de que prefixar o operador ‘É verdade que’ a uma frase qualquer S gera uma frase diferente de S. Teríamos assim uma série infinita de frases: S, É verdade que S, É verdade que é verdade que S, É verdade que é verdade que é verdade que S, e assim por diante.»
«Como o último exemplo torna manifesto, nem toda a regressão ao infinito é uma regressão viciosa, sendo os casos em questão casos claros de regressões inócuas ou virtuosas. Poderíamos dizer, de forma aproximada, que uma tese, explicação, regra ou princípio conduz a uma regressão ao infinito viciosa quando, em cada novo estádio ou elemento da série infinita gerada, o facto básico a explicar reaparece,quer de forma manifesta quer de forma meramente implícita.»
(João Branquinho e Guido Imaguire, «Regressões ao InfInIto em metafísIca» da edIção de 2013 do «CompêndIo em lInha de problemas de fIlosofIa analítIca», página 4).
É um erro considerar uma regressão ao infinto o segundo exemplo: «o operador ‘É verdade que’ a uma frase qualquer S gera uma frase diferente de S. Teríamos assim uma série infinita de frases: S, É verdade que S, É verdade que é verdade que S, É verdade que é verdade que é verdade que S, e assim por diante.»
Ao contrário do que sustentam Branquinho e Imaguire, e, presumivelmente, o filósofo australiano David Malet Armstrong (8 de Julho de 1926), não há, neste exemplo, nenhuma regressão ao infinito: há apenas uma tautologia em série. De facto, dizer: «É verdade que é verdade que é verdade que é verdade que o cavalo é um quadrúpede» é uma tautologia múltipla ( ainda que a proposição "o cavalo é um quadrúpede" não seja em si mesma tautológica) mas não uma regressão ao infinito. É um marcar passo e não um andar no sentido do infinito. Um operador de verdade ( como: «É verdade que») repetido não faz regredir infinitamente: repete sem retroceder.
UMA FALÁCIA DE ARMSTRONG CONTRA A AUTO-PREDICAÇÃO DOS UNIVERSAIS EM PLATÃO
Referindo-se ao realismo metafísico de Platão e à sua tese de que os universais são auto-predicáveis - exemplo o Belo é belo por ser arquétipo ou princípio superior, existe por si mesmo, o Vermelho é um arquétipo anterior às coisas vermelhas - escrevem Branquinho e Imaguire:
«Não é de todo necessário que os universais postulados nessa concepção sejam concebidos como paradigmas dos particulares que os exemplificam, ou como exemplares perfeitos, caso em que a motivação para a auto-predicação dos universais se desvanece.»
«Armstrong (1978: 71) oferece o seguinte argumento no sentidode mostrar que nem todos os universais são auto-predicáveis:
Premissa 1: Uma coisa só é vermelha se for colorida
Premissa 2: O vermelho não é uma coisa colorida, apesar de ser uma cor
Conclusão: O vermelho não é vermelho »
(João Branquinho e Guido Imaguire«Regressões ao InfInIto em metafísIca» da edIção de 2013 do «CompêndIo em lInha de problemas de fIlosofIa analítIca», página ).
Este raciocínio de Armstrong, autor de «Universals and Scientific Realism» (1978), não passa de um sofisma: confunde vermelho como essência com vermelho como acidente. Admira-nos que Branquinho e Imaguire subscrevam esta falácia de Armstrong: deixam passá-la, acriticamente. O raciocínio correcto com base naquelas premissas é o seguinte:
Premissa 1. Uma coisa só é vermelha se for colorida.
Premissa 2: O vermelho não é uma coisa colorida, apesar de ser uma cor.
Conclusão: O vermelho não é uma coisa vermelha. (Exemplo: o vermelho não é uma bola vermelha).
Como pensam mal os «grandes» pensadores analíticos! Como enrolam os seus leitores no fetichismo das palavras! A filosofia analítica, herdeira da sofística e correspondente retórica, revela-se, em grande parte, um embuste filosófico quando se pensa com toda a clareza. É pura manipulação linguística e pouco mais.
DOIS SENTIDOS ENCERRADOS NO CONCEITO DE NOMINALISMO DE QUE BRANQUINHO E IMAGUIRE NÃO SE APERCEBEM
O artigo fala abundantemente do nominalismo de classes e do nominalismo de semelhança opondo-os ao realismo metafísico platónico. Mas Branquinho e Imaguire, tal como Armstong, não se dão conta de que nominalismo, em certo sentido, não se opõe como contrário a realismo: Platão é realista e, simultaneamente, nominalista. Nominalismo opõe-se a universalismo do conceito, como o singular se opõe ao plural mas ambos estes são reais.
Platão é realista (das Ideias) ou ideal-realista porque considera que as Ideias ou Formas existem em si mesmas, independentemente das mentes humamas: o Triângulo e o Número Dois, por exemplo, estão no mundo inteligível, acima do céu visível, desde a eternidade, mesmo antes de ser criada a humanidade. Nominalista porque cada Ideia é singular, irrepetível, e a «universalização» dela através da participação é uma cópia, uma degradação do protótipo: em termos concretos, a essência Mulher é única e está no mundo inteligível e não no interior de Ana, Filipa, Joaquina e de qualquer outra mulher concreta, singular. As mulheres participam da Ideia Mulher mas esta continua a ser um Singular .
Aristóteles viu muito bem este nominalismo na sua crítica a Platão em «Metafísica» como uma incoerência do platonismo: sendo cada Ideia singular como pode espelhar-se ou estar presente em todos os indivíduos da classe que lhe corresponde?.
Nominalismo encerra pois um duplo significado de irrealismo universalista e de realismo singularista, planos diferentes: por um lado, os universais não passam de nomes, são irreais,(irrealismo ontológico) por exemplo, Rover é um "cão" diferente de Tigre que é "cão" mas a classe universal de cães não existe, ambos os animais são diferentes, únicos, e é abusivo chamar «cão» a ambos; complementarmente, só cada singular e só o singular existe e é real (realismo ontológico).
Platão era nominalista realista no referente às Ideias e universalista realista no referente às suas cópias no mundo material. Ao universalizar-se ou «condensar-se» nos estratos inferiores da realidade a Ideia já não é pura mas uma projecção de si mesma: a Ideia do Belo não está na acção bela ou no corpo belo, o que está nestes é o reflexo do Belo. Nominalismo (eidologia numérica) não se opõe a realismo (ontologia) mas sim a universalismo (eidologia numérica), facto de que João Branquinho, Guido Imaguire e David Amstrong não se aperceberam. Estes circunscrevem o realismo metafísico - de Platão ou Aristóteles, por exemplo - ao universalismo das ideias ou conceitos mas, na verdade, o realismo metafísico engloba também o nominalismo porque os singulares são reais, existem na realidade independente da mente humana.
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