Eis o último teste de filosofia no segundo período de uma turma de 10º ano , em Portugal, sem duvidosas questões de escolha múltipla que «simplificam» excessivamente a filosofia.
Agrupamento de Escolas nº1 de Beja
Escola Secundária Diogo de Gouveia, Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 10º ANO TURMA A
17 de Março de 2017. Professor: Francisco Queiroz
I
“Os totalitarismos de direita e o totalitarismo de esquerda rejeitam o Estado de direito democrático, invocando diferentes argumentos. O realismo crítico é uma modalidade dentro do racionalismo. Na teoria hilemórfica de Aristóteles, a proté ousía (substância primeira) resulta de dois princípios opostos e na cosmologia de Aristóteles existe teleologia nos movimentos em ambos os mundos.”
1)Explique, concretamente este texto.
2)Construa um diálogo sobre a propriedade das empresas e o tipo de Estado ideal e a liberdade de aborto voluntário e de casamento de gays e lésbicas, entre um anarquista, um socialista democrático e um conservador.
3)Relacione, justificando:
A)Objeção de consciência, subjectivismo e ética
B) Agir por dever e agir em conformidade com o dever, por um lado, e imperativos hipotético e categórico, na doutrina de Kant.
C) Metafísica, intuição inteligível, conceito empírico.
CORREÇÃO DO TESTE COTADO PARA 20 VALORES
1) O totalitarismo, de direita (caso da ditaduras de Hitler e Mussolini) ou de esquerda (ditadura de Estaline ou de Kim Il Sung na Coreia do Norte) é todo o regime que suprime a autogestão e a democracia parlamentar, regime de liberdade de imprensa, greve, religião, associação política e sindical e impõe uma ditadura brutal de partido único, baseado na ideia de que «o Estado é tudo, o indivíduo é nada». Detenção arbitrária e por longos períodos de cidadãos sem culpa formada, assassínios e torturas cometidos pelas polícias políticas são o pão nosso de cada dia dos regimes totalitários, que podem ser teocráticos ou não (VALE TRÊS VALORES). Realismo crítico é a teoria segundo a qual a matéria é real e exterior às nossas mentes mas estas não espelham como ela é. O realismo crítico de Descartes é a teoria qiue sustenta que há um mundo real de matéria exterior às mentes humanas composto de uma matéria indeterminada, sem peso nem dureza/moleza, apenas formado de figuras geométricas, movimento, números (qualidades primárias, objetivas), sendo subjectivas, isto é exclusivamente mentais, as cores, os cheiros, os sabores, as sensações do tacto, o calor e frio (qualidades secundárias, subjectivas). O realismo crítico na medida em que despreza parte das intuições empíricas (cores, sons, etc.) a favor da razão abstracta é uma corrente dentro do racionalismo, doutrina que afirma que a razão é o principal orgão de conhecimento dissipando ou subalternizando as impressões sensoriais (VALE TRÊS VALORES). A teoria hilemórfica (hyle é matéria-prima universal; morfos é forma) de Aristóteles sustenta que cada coisa individual ou primeira substância (proté ousía) como, por exemplo, este cavalo cinzento, se forma da união entre a forma eterna de cavalo (eidos)que existe algures e a hylé ou matéria-prima universal, indiferenciada, que não é água nem fogo nem ar, nem terra mas que passa a existir ao juntar-se à forma.No cosmos de Aristóteles há dois mundos, o mundo sublunar, composto de quatro esferas concêntricas, a Terra (imóvel no centro) e as esferas de água,ar e fogo, no qual o movimento dos corpos não é circular e é teleológico, obedece a finalidades inteligentes, isto é, os corpos desejam voltar à origem do seu constituinte principal (exemplo: a pedra largada no ar cai porque o seu télos, finalidade, é voltar à «mãe», a Terra); o mundo celeste, composto de 54 esferas de cristal incorruptíveis com astros incrustados, 7 delas de planetas (Lua, Mercúrio, etc) e 47 de estrelas, que giram circularmente de modo teleológico, finalista, já que estrelas e planetas, seres inteligentes, desejam alcançar, fora do cosmos, Deus, o pensamento puro, que se pensa a si mesmo e não se importa com o cosmos. Deus não é a causa formal (o modelo) do cosmos nem a causa eficiente (o construtor) do cosmos, mas apenas a causa final, o télos, do movimento dos astros inteligentes e das respectivas esferas (VALE TRÊS VALORES).
2) Anarquista: «A propriedade das fábricas e de todas as empresas deve ser dos trabalhadores. Instituímos a autogestão, isto é, a assembleia geral de todos os operários, engenheiros e contabilistas toma decisões sobre salários, investimentos, vendas, etc. O patrão desaparece e desaparece o Estado de democracia parlamentar que não é mais que ditadura disfarçada dos capitalistas. Defendo o casamento livre de gays e lésbicas e o direito a abortar livremente para as mulheres».
Socialista democrático/ social-democrata: «A propriedade da grande maioria das empresas deve ser privada, isto é, estar na mão dos patrões que, em certos casos, devem aceitar a cogestão. Mas há empresas de sectores fundamentais - siderurgia, electricidade, televisão, etc - que devem estar na mão do Estado democrático. Este deve impor impostos progressivos aos capitalistas de modo a ter serviço nacional de saúde e escolaridade pública gratuita até ao final do curso universitário. Defendo a democracia parlamentar e o casamento de gays e lésbicas e a liberdade de aborto sem punição».
Conservador: «A propriedade das empresas deve ser privada pois os empresários são os criadores de emprego os motores primeiros da economia. Os subsídios de desemprego e o rendimento social de inserção deviam acabar ou ser reduzidos para estimular o mercado de trabalho. Defendo as privatizações, a democracia parlamentar, a liberdade de imprensa. Mas a democracia não deve permitir o aborto livre, o casamento de gays e lésbicas, a eutanásia: deve ser guiada por bons princípios religiosos, cristãos.» (VALE QUATRO VALORES).
3-A) A objeção de consciência é o direito constitucional de um cidadão se recusar a cumprir uma lei ou disposição estatal que fere as suas convicções mais íntimas e sagradas. Exemplo: um médico católico pode recusar fazer um aborto a uma paciente invocando a objeção de consciência assente na convicção de que «é pecado extinguir uma vida intra uterina». Isto liga-se a subjectivismo, doutrina que afirma que a verdade varia de pessoa a pessoa - outros médicos aceitam o aborto voluntário, o que é uma questão de ética, doutrina dos valores de bem e mal, correcto e incorrecto (VALE DOIS VALORES).
3.B)A vontade autónoma reside no eu numénico, ou eu racional, na doutrina de Kant, e permite a cada pessoa universalizar a sua máxima ou princípio subjetivo, agir de acordo com o imperativo categórico que cada um gera no seu eu racional ou seja agir por dever : trata cada ser humano como um fim em si mesmo, alguém digno de respeito, e nunca como um meio para chegares a fins egoístas. Agir em conformidade com o dever é obedecer às leis exteriores, político-administrativas, mas obedecendo por calculismo à vontade heterónoma situada no eu fenoménico ou eu empírico e governada por interesses materiais, instintos calculistas e paixões contrárias. No fundo é agir segundo o imperativo hipotético: age de modo a favoreceres-te sempre a ti mesmo e aos teus, sem critério de equidade universal. Exemplo: ao ver o carro patrulha da GNR o condutor abranda a velocidade do seu automóvel de 160 para 90 quilómetros por hora, cumpre a lei por receio de ser multado (VALE TRÊS VALORES).
3-C) Metafísica é o reino, real ou imaginário, de entidades invisíveis, incognoscíveis ou sobrenaturais como, por exemplo, deuses, demónios, almas humanas no «além», paraíso, infernos, buracos negros ou singularidades onde o espaço-tempo desaparece, etc. Intuição inteligível é a captação instantânea ou suposição de uma realidade ou irrealidade invisível, metafísica ou cisfísica. Conceito empírico é uma ideia abstraída de percepções empíricas - como por exemplo o conceito empírico de espiga de trigo nasce depois de se ver milhares de espigas de trigo - e está fora da esfera da metafísica, em princípio (VALE DOIS VALORES).
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Livraria online de Filosofia e Astrologia Histórica