Os manuais de filosofia no ensino secundário em Portugal não sabem, em regra, definir analogia e raciocínio de analogia. No Manual português «A Arte de pensar, Filosofia 11º» lê-se o seguinte:
«Num argumento por analogia pretende-se concluir que algo é de certo modo porque esse algo é semelhante a outra coisa que é desse modo. Por exemplo:
As mulheres são como os homens.
Os homens têm o direito de votar.
Logo, as mulheres tambèm têm o direito de votar.
«Não se deve confundir os argumentos por analogia com as analogias propriamente ditas. Uma analogia é apenas uma semelhança entre coisas; os argumentos por analogia baseiam-se nesta semelhança mas não são, eles mesmos, analogias. Como se pode ver, nos argumentos por analogia uma das premissas é uma analogia.» ( Aires Almeida, Célia Teixeira, Desidério Murcho, Paula Mateus, Pedro Galvão, A arte de pensar, Filosofia 11º ano, Plátano Editora, pag 94).
Até aqui, a explanação é aceitável. Lê-se, linhas abaixo, no mesmo manual:
«Vejamos duas das regras necessárias, mas não suficientes, para que um argumento por analogia seja válido:
1. As semelhanças têm de ser relevantes e numerosas.
2. Não pode haver diferenças relevantes. »
(Aires Almeida, Célia Teixeira, Desidério Murcho, Paula Mateus, Pedro Galvão, A arte de pensar, Filosofia 11º ano, Plátano Editora, pag 94).
Aqui reside um erro deste manual. O que é analogia? À letra, significa raciocínio ou discurso (logos) superior, dirigido para cima (ana). A analogia é, pois, um tipo de semelhança estabelecida no intelecto superior, ou num plano ontológico mais elevado, entre dois ou mais entes, duas ou mais qualidades bastante diferentes entre si. Na analogia entre dois ou mais entes há sempre uma ou muitas diferenças relevantes, ao contrário do que afirma «A arte de pensar.» A criança que brinca com uma lata de sardinhas de conserva como se fosse um barco intuiu uma analogia de forma entre a lata e o barco, apesar das relevantes diferenças entre estes.
A poesia baseia-se em analogias, plasmadas em metáforas. Por exemplo: «coração de oiro» estabelece analogia entre o coração como fonte dos afectos valiosos e o ouro como sede de valor. É uma quádrupla analogia coração-bondade-oiro-validade. Apesar de serem entes muito diferentes, há uma analogia de forma entre homem e árvore: os ramos da árvore sugerem os braços do homem, o tronco da árvore sugere o tronco e pernas do homem.
Vejamos o seguinte raciocínio de analogia:
1. O homem erecto é, na sua configuração, análogo a uma árvore, sendo os ramos análogos aos braços, e a cabeça à folhagem superior.
2. O homem possui um centro nervoso superior, situado no cérebro, que lhe dá conta do mundo exterior.
3. Logo, a árvore deve possuir uma espécie de "cérebro vegetal", através do qual intui a realidade circundante.
Quem pode garantir que está errado este raciocínio de analogia? Decerto, é especulativo, mas não implausível de todo. Os defensores da naturopatia estabelecem uma analogia entre o homem e o gorila e raciocinam concluindo que o homem se deve alimentar, em termos biológicos como o gorila. Pierre Marchesseau e Gregóire Jauvais, eminentes naturopatas franceses, escreveram:
«B) Fundamentos do Método Biológico
As observações fundamentais que presidiram ao nascimento deste método são ao mesmo tempo filosóficas e científicas e, como acabamos de dizer, saídas de um raciocínio de analogia (onde o pensamento procede por comparação). » (...)
«Primeira observação: Não há animais «omnívoros». Cada animal tem um regime que lhe é próprio, ou seja, "específico". O tigre come carne; o boi, erva; a ave (galináceos), grãos; a hiena, cadáveres; o escaravelho, excrementos; a termita, madeira, etc.«(...)
« Terceira observação: o homem é um macaco, na série animal. Portanto, deve alimentar-se como o macaco.
a) A dentadura, o tubo digestivo dos macacos, com a bolsa estomacal única, de paredes finas e ácidos fracos, o seu intestino de tamanho médio (situado entre o do herbívoro e o do carnívoro, o seu fígado pequeno, não muito irrigado, e os seus rins impermeáveis ao amoníaco, indicam claramente o seu destino alimentar.(...) É lógico pensar: para orgãos semelhantes, funções semelhantes. E quem diz funções digestivas semelhantes, subentende obrigatoriamente os mesmos alimentos.» (Pierre Marchesseau e Gregóire Jauvais,Curso Completo de Biologia Naturopática, Nova Editorial Natura, Lisboa, pags 227-228 e 233).
Neste excerto acima, está o exemplo de um perfeito raciocínio de analogia: «o homem, tal como o macaco, possui um tubo digestivo de 6 a 8 metros de comprimento, ao contrário dos carnívoros, com tubos digestivos de 2,5 metros; logo, se o gorila em liberdade se alimenta de 80% a 90% de frutos e afins (maçãs, mangas, bananas, amendoins, caules de cana do açúcar, bolbos e raízes diversas) e 10 % a 20% de subprodutos animais (ovos, pequenos mariscos, leite coalhado), esta deve ser a alimentação humana, baseada no dualismo grande frugivorismo- pequeno carnivorismo não sangrento».
A antiga ciência astronómico-astrológica estabeleceu analogias entre um grupo de estrelas e um touro, designando-o de constelação do Touro, entre outro grupo de estrelas e um escorpião, designando-o de constelação do Escorpião, e entre o homem-microcosmos e o homem-Zodíaco macrocosmos: a cabeça humana estaria na constelação de Carneiro, o pescoço na de Touro, os ombros e braços na de Gémeos, o peito e estômago na de Caranguejo, o coração e as costelas na constelação de Leão, os intestino na da Virgem, etc. "Ver" na faixa do Zodíaco com doze constelações as doze partes de um homem gigantesco é obra da imaginação que compara e é mola crucial da analogia. Não se pode aqui falar de "falsa analogia". É uma analogia, nada mais.
O raciocínio de analogia que, em regra, superiorizou a filosofia às ciências parcelares e alargou o horizonte de cada uma destas, possui um poder multiplicador, holístico. E não é fácil classificar peremptoriamente as analogias em verdadeiras e falsas. Por exemplo, a teoria da vacinação sustenta-se numa analogia deficiente entre vírus/ toxinas e atacantes de um castelo, por um lado, e anticorpos gerados no organismo e defensores de um castelo. A deficiência reside no facto de que os anticorpos são defensores feridos já pela intrusão do inimigo no castelo (a picada da vacina) e não podem, pois, combater eficazmente o veneno instalado já dentro de portas: não é um combate de igual para igual.
O manual «A arte de pensar» reduz a analogia a uma semelhança óbvia, quase uma indução amplificante - ou seja, como multiplicação de cópias - não percebendo que a analogia se dá entre contrários e entidades muito díspares entre si, como o caso do homem e do gorila, do homem e das constelações do Zodíaco, etc. Por exemplo, o estalinismo é análogo ao nazismo na estrutura piramidal de submissão totalitária do indivíduo ao Estado-partido. A analogia é essencial parcial. Há diferenças substanciais: os capitalistas alemães preferiam Hitler a Estaline, os operários "avançados" preferiam o inverso. O nazismo não é, em termos substanciais, o mesmo que o comunismo estalinista, ainda que, no esqueleto formal, possuam muito em comum. A analogia subsiste entre as cores vivas da diferença.
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