Eis um teste de filosofia para o ensino secundário, evitando as perguntas de escolha múltipla, frequentemente mal concebidas por autores de manuais e professores no activo.
Agrupamento de Escolas nº1 de Beja
Escola Secundária Diogo de Gouveia , Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 10º ANO TURMA C
3 De Novembro de 2020. Professor: Francisco Queiroz
“Em Tales de Mileto, como em Heráclito, as múltiplas aparências empíricas ocultam uma só essência. As essências em Platão são transcendentes e em Aristóteles são imanentes. A filosofia comporta racionalidade, holismo e conhecimento empírico»
1)Explique concretamente este texto.
2) “Considere as proposições simples:
P=Vou fazer o teste de filosofia, Q= Estudo a teoria de Platão R=Canto o «Castelo de Beja S= Canto a «Princesa» de Sabina.
Escreva por extenso a seguinte proposição composta: P⇔Q ∧ ( R ∨ S) ∨ (¬ Q → ¬ P)
3)”Várias tabelas de verdade/ inspectores de circunstâncias da lógica proposicional estão erradas”. Confirme, com exemplos concretos referentes a duas ou três delas, esta afirmação.
4) Estabeleça a hierarquia dos entes, segundo Aristóteles, tomando como proté ousía (primeira substância) a cidade de Beja.
5)Aplique a teoria das quatro causas e a teoria do acto e da potência à cidade de Beja.
6)Relacione, justificando;
CORREÇÃO DO TESTE COTADO PARA 20 VALORES
1) As múltiplas aparências empíricas são as formas, as cores, o grau de dureza, os odores dos objectos visíveis e palpáveis. Sem negar estes, Tales sustentou que todos eles escondem a mesma essência ou arkê: a água, que estaria no caos no início do universo e depois foi transformada em cosmos. Heráclito, na mesma linha de haver uma essência única por detrás de todas as coisas afirmou que esta é o fogo (VALE DOIS VALORES). As essências em Platão são as formas imóveis e eternas, os arquétipos de Bem, Belo, Justo, Homem, Círculo, etc, existentes acima do céu visível e para Aristóteles as essências são as formas eternas e imóveis (eidos) de Homem, de Árvore, de Elefante, etc., que existem, imanentes, ao mundo da matéria, dentro de cada objecto. (VALE TRÊS VALORES). A filosofia ou busca da sabedoria comporta lógica (racionalidade), visão global do universo e dos problemas desde os longínquos astros ao átomo de hélio (holismo) e percepção sensorial, isto é, observação directa das pessoas, das paisagens rurais e urbanas, dos sabores da gastronomia, (conhecimento empírico). (VALE TRES VALORES).
2) Vou fazer o teste de filosofia se e só se estudar Platão e ou canto o Castelo de Beja ou canto a Princesa de Sabina ou se não estudar Platão então não vou fazer o teste de filosofia (VALE DOIS VALORES).
3) Um dos erros crassos da lógica proposicional é estabelecer distinção entre disjunção inclusiva - exemplo: Vou a Serpa ou vou a Mora, PvQ) - e disjunção exclusiva - exemplo: Ou Vou a Serpa ou vou a Moura , PvvQ) quando a disjunção ou existência de uma única alternativa é só uma. O conteúdo de ambas as frases é o mesmo, só a forma muda ligeiramente. Não nos surpreendamos: a grande maioria dos filósofos são mentes confusas nestas e em outras temáticas. Outro erro das «tabelas de verdade» da lógica proposicional é sustentar que a equivalência bicondicional é válida se ambas as proposições, P e Q, são verdadeiras. Exemplifiquemos este erro: «Vladimir Putin é presidente da Rússia em 2020 se e só se António Costa governa Portugal em 2020». (VALE DOIS VALORES).
4) A proté ousía é a substância primeira, individual, única e está no fundo da escala dos entes, em Aristóteles. Sendo neste caso cidade de Beja, a hierarquia que dela nasce é a seguinte, de cima a baixo:
SUPRA GENÉRICOS: Ente (On)ou qualidade geral de existir (Beja é) e Uno (Hen), propriedade geral dos Entes (Beja é uma unidade de diferentes bairros).
GÉNERO: cidade do mundo
ESPÉCIE (Eidos ou forma comum): cidade portuguesa
PROTÉ OUSÍA: cidade de Beja.
(VALE DOIS VALORES)
5) A causa formal da cidade de Beja é a sua configuração, em particular a elipse do seu centro histórico. A causa material é o cimento, a pedra, o tijolo, o aço e o ferro dos edifícios e das ruas e praças. A causa eficiente (quem fez a cidade) é o povo do distrito, em particular os pedreiros, os carpinteiros, os arquitectos, os engenheiros. A causa final ou finalidade de Beja é consituir um centro aprazível de vida política, cultural, laboral, habitacional, industrial e de serviços de uma vasta comunidade de dezenas de milhar de pessoas. Beja em acto é o que é no presente: uma cidade com 22 000 residentes, capital do Baixo Alentejo, dotada de monumentos como a torre do castelo da época de D. Dinis, a igreja da Misericórdia, etc. Beja em potência é o que poderá vir a ser: cidade europeia de média dimensão com indústrias de tecnologia de ponta que hoje ainda não tem. (VALE DOIS VALORES) .
6)A teoria da participação em Platão é a tese de que os seres do mundo da matéria participam, isto é, imitam os Arquétipos ou Modelos Eternos acima do cèu Visível, no Mundo Inteligível. Assim, por exemplo, as árvores materiais são cópias imperfeitas do Modelo Eterno de Árvore que está, imóvel e perfeito no Inteligível. O demiurgo é o deus operário que desce do mundo Inteligível e, com a ajuda dos deuses do Olimpo (Zeus, Ares, Afrodite, Hefestos, etc.) vem moldar na matéria obscura e caótica (Chora) formas semelhantes à dos arquétipos. A reminiscência é a vaga lembrança que a alma superior conserva dos Arquétipos de Belo, Bem, Triângulo, Cubo, etc. que contemplou no Mundo Inteligível ou do Mundo do Mesmo e lhe permitem guiar-se no Mundo Sensivel da Matéria ou Mundo do Outro e constitui outro aspecto da teoria da participação. (VALE TRÊS VALORES).
6) B) Hylé é, em Aristóteles, a matéria prima universal, que não existe, mas apenas passa à existência quando se une com as formas eternas e imóveis de árvore, montanha, gato, etc, designadas por Eidos (Essência ou forma comum de objectos similares). A substância primeira é o composto (Synolon)gerado pela união da forma (eidos) e da matéria prima universal (hylé)e é singular, única: esta laranjeira, esta cidade de Évora, este Mosteiro dos Jerónimos em Lisboa. (VALE UM VALOR).
Eis um teste de filosofia produzido no Alentejo, palavra que evoca aletheia ou desocultação da verdade, filosofia.
Agrupamento de Escolas nº1 de Beja
Escola Secundária Diogo de Gouveia, Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 10º ANO TURMA A
5 de Novembro de 2015.
Professor: Francisco Queiroz
“As doutrinas dos arquês de Anaxágoras, de Tales e de Empédocles implicam racionalidade, metafísica, são pura filosofia. Os dois tipos de movimentos dos corpos nos dois mundos do cosmos aristotélico são teleológicos e Deus, para Aristóteles, não é a causa formal nem a causa eficiente do cosmos mas apenas a causa final de certas entidades celestes. A dialética do Belo, em Platão, eleva das múltiplas aparências à essência.”
1)Explique, concretamente, este texto.
2) Relacione, justificando:
A) Ontologia monista do cristianismo e do judaísmo e ontologia dualista de Platão.
B) Mundo do Mesmo e Mundo do Semelhante, por um lado, filósofos-reis e guerreiros, por outro lado, em Platão.
C) Unidade e multiplicidade na teoria da participação, em Platão.
D) Essência (eidos), acidente, proté ousía, tó tí e tó on em Aristóteles.
CORREÇÃO DO TESTE COTADO PARA 20 VALORES
1) O arquê é a substância ou matéria primordial que originou o universo: para Tales era a água, que estava no caos, e foi modelada por Deus convertendo-se em cosmos com os seus múltiplos objectos (árvores, montanhas, estrelas, etc), para Anaxágoras o arquê eram os princípios homeoméricos, o infimitamente pequeno que se amplia à escala macrocóspica ( exemplo: uma cenoura é composta por milhares de cenouras invisíveis muito pequenas e por milhares de olhos humanos muito pequenos porque fortalece a vista) e para Empédocles os arquês eram quatro, fogo, ar, terra e água. Estas doutrinas são pura filosofia, isto é, interpretação livre e especulativa do universo e do homem pois comportam racionalidade, isto é, ordem lógica no pensamento, e metafísica, isto é, temas que vão para além do mundo físico visível e palpável como deuses, energias invisíveis, etc. (VALE TRÊS VALORES). No cosmos de Aristóteles há dois mundos, o mundo sublunar, composto de quatro esferas concêntricas, a Terra (imóvel no centro) e as esferas de água,ar e fogo, no qual o movimento dos corpos não é circular e é teleológico, obedece a finalidades inteligentes, isto é, os corpos desejam voltar à origem do seu constituinte principal (exemplo: a pedra largada no ar cai porque o seu télos, finalidade, é voltar à «mãe», a Terra); o mundo celeste, composto de 54 esferas de cristal incorruptíveis com astros incrustados, 7 delas de planetas (Lua, Mercúrio, etc) e 47 de estrelas, que giram circularmente de modo teleológico, finalista, já que estrelas e planetas, seres inteligentes, desejam alcançar, fora do cosmos, Deus, o pensamento puro, que se pensa a si mesmo e não se importa com o cosmos. Deus não é a causa formal (o modelo) do cosmos nem a causa eficiente (o construtor) do cosmos, mas apenas a causa final, o télos, do movimento dos astros inteligentes e das respectivas esferas. Ele nada faz mas suscita e atrai o movimento das estrelas. (VALE TRÊS VALORES). A dialética do Belo em Platão é a progressiva elevação da alma desde as formas físicas do mundo Sensível à forma do Belo em si, como Arquétipo: primeiro, amar um só corpo belo, depois amar vários corpos, em seguida descobrir a beleza das almas, depois ver o belo das leis e costumes da cidade, mais tarde apreender o belo das ciências e da filosofia e por último captar o Arquétipo de Belo, no mundo Inteligível. Das múltiplas aparências empíricas - muitos corpos . passamos a amar a essência, o Belo puro e abstracto, no Inteligível. (TRÊS VALORES).
2) A) A ontologia monista do cristianismo e do judaísmo sustenta que um único Deus criou o mundo, a matéria, a vida e o espírito dos homens a partir do nada. A ontologia dualista de Platão diz que sempre houve 2 princípios eternos, os arquétipos no Mundo Inteligível e a chorá ou espaço material obscuro no caos inferior, surgiu um deus arquitecto, o Demiurgo, que, ajudado por Zeus, Ares e outros deuses do Olimpo, deu formas à matéria obscura imitando nesta os arquétipos (VALE TRÊS VALORES).
2) B) O Mundo do Mesmo é o Mundo Inteligível, acima do céu visível. A parte mais alta da alma humana é o Nous ou razão intuitiva que apreende os arquétipos de Bem, Belo, Justo, etc, nesse Mundo do Mesmo. Equivale na pólis aos filósofos-reis, os pensadores incorruptíveis, que fazem as leis, vivem em uma casa do Estado, não podem ter ouro nem prata, e trocam de companheiras sexuais de modo a não saber de quem são os filhos e não se corromperem com favoritismos. O Mundo do Semelhante é o mundo celeste visível, do sol, da lua, das estrelas, etc, astros incorruptíveis à semelhança dos arquétipos mas que, diferente destes, se movem. Este é o mundo do tempo e dos números que medem as rotações celestes e pode comparar-se na alma ao tumus e, na pólis aos guerreiros que servem os filósofos.reis. A parte média da alma é o Tumus ou Tymus ou coragem e honra e brio militar. Equivale aos guerreiros ou arcontes auxiliares que policiam a cidade, cobram os impostos, punem os malfeitores vivem em uma casa do Estado, não podem ter ouro nem prata, e trocam de companheiras sexuais de modo a não saber de quem são os filhos.( VALE TRÊS VALORES).
2) C) A teoria da participação, em Platão, refere que os entes de uma mesma espécie do mundo físico da matéria ou mundo do Outro são cópias imperfeitas do respectivo arquétipo ou essência que se encontra no Mundo Inteligível acima do céu visível. Assim, por exemplo, os milhões de cavalos existentes no mundo terrestre (multiplicidade) imitam a forma única de cavalo eterno (unidade) que está no Mundo do Mesmo. (VALE DOIS VALORES)
2) D) Aristóteles sustentou que o composto, a proté ousía ( por exemplo: esta árvore) resulta da união de dois princípios universais, a hylé ou matéria-prima universal, indeterminada ( não é água, nem ar, nem fogo, nem terra, etc.) que não existe, com as formas das espécies (eidos), neste caso, com a forma comum de árvore. A essência (eidos), segundo Aristóteles, é a forma comum de uma dada espécie de entes. Todos os homens possuem a mesma essência, homem. A essência árvore tem um tó tí: os ramos, as folhas, o tronco, etc. O tó tí é o quê-é ou seja a forma, essencial ou acidental, de algo. Exemplo: o tó tí da espiga de trigo é a forma desta e distingue-se do tó tí da espiga de milha e do tó tí do rosto humano. Se Joana se distingue de Mariana e de Francisca isso deve-se aos acidentes, isto é, as particularidades singulares que as distinguem entre si e que são tó tís: o naiz arrebitado de uma e o nariz aquilino de outras, O tó ón é o ente, o que é, o existente, qualidade que é comum aos diferentes tó tís. O Mundo do Mesmo ou mundo dos arquétipos ou Ideias ou Modelos perfeitos, acima do céu visível, possui tó on e tó tí no que respeita a cada arquétipo: o tó tí do Triângulo é diferente do tó tí do Círculo e do tó tí do Belo. (VALE TRÊS VALORES).
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Bertrand Russel possuía uma noção incompleta do que em filosofia se chama «universal» - ou pelo menos, a sua escrita exprimiu essa incompletude. A propósito dos universais, Russel escreveu:
«Acharemos que nos será conveniente o só falarmos de coisas existentes quando essas coisas estão no tempo, isto é, quando se pode indicar um tempo em que existem (não excluindo a possibilidade de elas existirem em todos os tempos). Assim, os pensamentos e os sentimentos, os espíritos e os objectos físicos existem. Os universais, porém, não existem nesse mesmo sentido; diremos que subsistem ou têm ser, onde «ser» se opõe a «existência» como fora do tempo ou intemporal. O mundo dos universais, por consequência, poderá ser definido como o mundo do ser. O mundo do ser é inalterável, rígido, exacto; é o deleitoso para o matemático, o lógico, o metafísico construtor de sistemas, para os que mais que o amor à vida têm o amor à perfeição. O mundo do existir é fugidio e vago, sem limites determinados, sem plano ou disposição que se veja a claro...»(Bertrand Russel, Os problemas da filosofia, Arménio Amado-editor, Coimbra, 1974, pag 1599.)
Russel coloca os universais como arquétipos imóveis e eternos. Mas escapa-lhe a dimensão do universal, que não é ser eterno, mas ser uma essência geral, que engloba numerosos casos particulares. Um microorganismo, digamos de modelo A, pode ter apenas dez segundos de vida e não deixa de ser um universal porque se traduz em biliões de exemplares vivos que duram dez segundos cada um. É a lei da multiplicação de cópias que faz uma coisa ou conceito ser universal e não a sua eternidade. Portanto, Russel não contempla o conceito de universal instântaneo ou efémero que deve integrar a noção de universal. Há universais intemporais e universais temporais.
Ademais, é preciso ver que em Platão as ideias só são universais de forma derivada: em si mesma, cada ideia é singular e distinta de tudo o resto. Mas como um iman atrai a limalha de ferro, a ideia faz com que a matéria e a substância intermédia se estruturem como cópias do modelo ideal. É o demiurgo ou Deus artesão que imprime na matéria eterna, na chorá ou espaço informe, as cópias do arquétipo de Estrela ou Planeta ou na matéria quaternária (fogo, ar, terra, água) as cópias dos arquétipos de Árvore, Cavalo, Rio, Montanha, Vale.
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