Os professores que seguem a linha das "perguntas de escolha múltipla com uma só resposta certa, expressa num X colocado pelo aluno em uma das quadrículas", dão, frequentemente, erros na construção dos testes de filosofia. Falta-lhes a visão do uno que é própria da dialética: é comum isolarem a «verdade» numa única proposição de entre quatro, sem se aperceberem que formularam mais que uma resposta certa. Milhares de professores de filosofia cometem este tipo de erro de hiper-análise: vêem a árvore, mas não a floresta.
Presumo que a maioria dos que ensinam filosofia são de nível intelectual mediano ou mesmo medíocre. Há até causas sociológicas que ajudam a explicar este fraco nível: em geral, os professores entre os 30 e os 50 anos de idade não filosofaram nem lutaram como antifascistas antes de 25 de Abril de 1974, não conheceram as doutrinas marxista e anarquista, a dialética, o estruturalismo, nem a metafísica de direita tradicional (Guenón, Évola, Mircea Eliade, etc). São duas gerações deficitárias na amplitude do saber filosófico, sugadas, em muitos casos, pelo buraco negro da "filosofia analítica".
Eis algumas questões mal construídas em um teste de diagnóstico de filosofia do 10º ano de escolaridade em Portugal, de Setembro de 2011 extraído do blog «Dúvida Metódica», de Carlos Pires e Sara Raposo, que a propaganda falaciosa de Domingos Faria e outros amigos de Desidério Murcho e Aires Almeida apresenta como «um dos melhores blogs de filosofia na internet»(!):
1.3) A diversidade de opiniões existe, por exemplo, em relação a assuntos como:
A. A religião, a política e a geometria.
B. As relações sociais e os assuntos da vida.
C. A política e a geometria
D. A religião e a matemática.
E. Nenhuma das respostas anteriores é correcta.
Crítica: À primeira vista, ser-se-ia levado a supor que só a resposta B é correcta. Mas não é assim: a respostas A e C estão igualmente correctas porque na geometria há divergência de opiniões, há geometrias euclidianas e não euclidianas - por exemplo, a concepção de espaço curvo, ondulatório na teoria da relatividade de Einstein, supõe uma geometria não euclidiana e está longe de recolher a unanimidade de opiniões dos geómetras. A questão 1.3 está, pois,mal construída.
1,8) A passagem da teoria geocêntrica para a teoria heliocêntrica é um exemplo que permite demonstrar que:
A) Uma opinião numa época foi rejeitada numa época seguinte.
B) As opiniões mudam de época para época.
C) Todas as opiniões aceites numa época consideram-se erradas na época seguinte.
D) Algumas opiniões erradas consideram-se verdadeiras na época seguinte.
E) Nenhuma das respostas anteriores é correcta.
Crítica: A autora desta questão, Sara R., pretende que só uma das respostas é correcta. Ora, se reflectirmos bem, verificamos que tanto a resposta A) como a B) e a D) estão correctas. Portanto, esta questão está mal construída e vai penalizar alunos que responderam bem mas diferente da única reposta que se considera certa.
E, em um teste de Maio de 2011, de Sara Raposo, figuram as seguinte questões:
2.2 "...Concepção de Deus segundo a qual este é único, todo-poderoso, omnisciente, misericordioso, absolutamente bom, etc" expressa uma posição:
A) ateísta.
B) teísta.
C) religiosa
D) agnóstica
E) Nenhuma das alternativas anteriores é correcta.
Crítica: Há duas respostas correctas e não uma- supostamente a B) teísta - como pensou a autora da questão. O teísmo é espécie dentro do género religião. A resposta C) está também correcta: a crença no Deus único e misericordioso é uma posição religiosa. A questão 2.2 possui, pois, certa ambiguidade.
2.3 A alínea que constitui um exemplo de politeísmo é:
A) Alá.
B) Zeus.
C) os deuses gregos;
D) Jesus Cristo.
E) Nenhuma das alternativas anteriores é correcta.
Crítica: A autora do teste presume que só há uma resposta correcta: a C), os deuses gregos. Mas de facto há duas respostas correctas: a resposta B), Zeus, o pai dos deuses do Olimpo, está igualmente certa, visto que Zeus é apenas a figura mais importante do panteão dos deuses gregos, um politeísmo. Logo, a questão 2.3 é deficiente.
CONFUSÕES SOBRE DETERMINISMO
Sara Raposo, que com Carlos Pires tem a autoria do blog «Dúvida Metódica», escreveu no post «Se o determinismo radical for verdadeiro, salvar 155 pessoas não tem qualquer mérito, publicado em 3 de Fevereiro de 2009 nesse blog:
«A palavra “determinismo” exprime a ideia de que tudo o que acontece é o efeito ou o resultado de um acontecimento anterior. Assim, os acontecimentos não ocorrem devido ao acaso, têm sempre uma causa que, ao ser conhecida, nos permite compreender a razão de ser dos factos.
«Assim, dizemos que o acontecimento X causou o acontecimento Y (por exemplo: ao largar uma caneta, a existência da força gravítica é a causa da sua queda para o solo). Assim, torna-se possível, conhecido o nexo causal entre determinados fenómenos, prever a sua ocorrência, pois supomos que há uma relação necessária entre a causa e o efeito, o que significa que a presença de um conduz inevitavelmente à ocorrência do outro. Esta concepção filosófica permite descrever, segundo a teoria do determinismo radical, não só os fenómenos da natureza como também as acções humanas.» (Sara Raposo. «Se o determinismo radical for verdadeiro, salvar 155 pessoas não tem qualquer mérito»; o bold é posto por mim).
Definir determinismo como "a teoria que exprime a ideia de que tudo o que acontece é o resultado de um acontecimento anterior" é um erro, erro generalizado entre os filósofos analíticos. Esta errónea definição dada por Sara Raposo exprime, sim, o princípio da razão suficiente formulado por Schopenhauer - que poderíamos designar por causalismo: nada acontece sem uma causa - mas não o determinismo que postula que nas mesmas circunstâncias as mesmas causas A produzem sempre os mesmos efeitos B. Quando se diz que Deus criou o mundo por um acto livre existe um acontecimento anterior à criação - a vontade divina - mas não há aí qualquer determinismo, mas sim um «livre-arbítrio» divino, uma causa incausada. Ora o livre-arbítrio é causa de muitos acontecimentos e, onde ele existe, há causa sem determinismo.
NÃO SE PODE CONHECER O QUE É FALSO?
A propósito de conhecimento, pairam igualmente confusões neste blog «Dúvida Metódica». Carlos Pires escreve:
«Só se pode conhecer o que é verdadeiro, aquilo que de facto sucede. Aquilo que não sucede não pode ser conhecido, pois nada há para conhecer.
Tal como uma pessoa se pode enganar e julgar ver algo sem realmente estar a ver, também se pode enganar e julgar que conhece e afinal não conhecer.
Mas isso não significa que a pessoa tenha um conhecimento falso. É comum ouvirmos falar de conhecimentos falsos. No entanto, essa expressão não pode ser entendida literalmente, é apenas uma maneira de falar. Se conhecer é conhecer verdades, se não se podem conhecer falsidades, então não há conhecimentos falsos. Se uma crença é falsa, não é conhecimento. Se uma crença constitui conhecimento, não é falsa. Por isso, há crenças falsas mas não conhecimentos falsos.»
«Em suma: para haver conhecimento é preciso haver verdade. Esta é uma condição necessária do conhecimento.» (Carlos Pires, O carácter factivo do conhecimento, in «Dúvida Metódica»; o bold é posto por mim).
O termo conhecimento possui dois sentidos, como exige a dialética, disciplina estranha a Nigel Warburton, Simon Blackburn, João Branquinho, Desidério Murcho e outros divulgadores da filosofia analítica: o conhecimento de ideias e teorias, que são interpretações da realidade; o conhecimento da realidade, objectiva em si mesma. Por isso, é possível conhecer falsidades, que são ideias, imagens e teorias erróneas. Exemplo: pode conhecer-se a teoria da vacinação, uma falsidade científica que propaga a ideia de imunização através da inoculação de vírus vivos ou atenuados e toxinas no organismo humano; e pode conhecer-se a verdade objectiva de milhares de pessoas não vacinadas que nunca contraíram a "respectiva" doença, a verdade objectiva de pessoas com regimes de saúde natural (veganismo, macrobiótica, lacto-ovo-vegetarianismo, etc) que gozam de maior saúde do que os milhões de infectados por vacinas.
A tese de que "só pode conhecer-se a verdade" é antidialética e totalitária: não há verdade sem falsidade, conhecer a verdade implica conhecer ao menos o vulto da não verdade, isto é, da falsidade. Há duas noções de verdade em foco: a verdade em si mesma, objectiva, e a verdade como apreensão pelo sujeito (aletheia). Isto não é entendido por Carlos Pires nem pelos articulistas da «Crítica na rede», conhecido veículo de divulgação do confuso pensamento analítico em Portugal e Brasil.
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© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
No manual português Filosofia 10º ano, de Luís Rodrigues, da Plátano Editora, manifesta-se uma confusão entre as noções de «acção causada» e de «acção não causada». Diz o manual:
«Transformar o indeterminismo em posição filosófica é defender que as acções livres são acções não causadas. Por mais que esta ideia possa parecer simpática ao defensor do livre-arbítrio, encerra vários problemas:
1- Acções não causadas são simplesmente algo que nos acontece, o que não parece coadunar-se com a noção de acção como algo que acontece por nossa iniciativa.
2- Acções não causadas ou imprevisíveis são acções que escapam ao nosso controlo, o que não parece coadunar-se com a ideia de livre-arbítrio, isto é, de que há acções que dependem da nossa vontade.
3- Se uma acção não é causada então propriamente não é da minha autoria e por ela não posso ser responsabilizado. Só somos responsáveis pelas acções que resultam da nossa vontade e não do acaso. »( Luis Rodrigues, Filosofia 10º ano, pag 90).
Luís Rodrigues, como aliás outros autores, adultera o conceito de acção não causada identificando-o com o de acção não causada por mim (sujeito). É subverter a semântica: ninguém pensa bem se distorcer o significado das palavras. A semântica (lógica informal) prevalece sobre a lógica formal.
Ora, afinal, ao contrário do que defendem Rodrigues e os seus amigos, são também causadas as acções geradas por outrém, ou pelo sistema de causas e efeitos invariáveis designado por determinismo, ou pelo destino. A queda de uma maçã é uma acção «incausada»? Ou é uma acção causada pela lei da gravidade e pela deterioração do pedúnculo da maçã?
Ao sustentar que há acções não causadas, Luís Rodrigues nega o princípio da razão suficiente formulado por Schopenhauer segundo o qual «nada acontece sem causa, sem uma razão que lhe dê origem.»
É óbvio que a principal fonte filosófica que informa Luís Rodrigues, Desidério Murcho, Aires Almeida, Pedro Galvão, Paula Mateus, Pedro Madeira, António Paulo Costa e outros autores de manuais é o tão famoso quanto confuso catedrático Simon Blackburn cuja definição de indeterminismo Luís Rodrigues cita:
INDETERMINISMO
Concepção segundo a qual alguns acontecimentos não têm causa: limitam-se a acontecer e nada há no estado prévio do mundo que os explique. Segundo a mecânica quântica, os acontecimentos quânticos têm esta propriedade. (BLACKBURN, Simon, (1997.) Dicionário de Filosofia, Lisboa, Gradiva, pag 226).
A mecânica quântica, segundo parece, não sustenta a inexistência de causas: afirma, sim, que as causas são livres, isto é, a mesma causa produz efeitos diversos, não sendo possível estabelecer regularidades exactas. Indetermismo não é, pois, a não existência de causas. É a não existência da série de causas A ligadas infalivelmente à série de efeitos B, isto, é, a negação do determinismo.
Inexistência de causas designa-se por acausalismo.
É também errónea a definição de determinismo dada por Luís Rodrigues:
«O determinismo é a doutrina segundo a qual todos os acontecimentos têm uma causa. Por outras palavras, tudo sem excepção é resultado ou efeito de causas anteriores.» (Luis Rodrigues, Filosofia 10º ano, pag 88).
Isto corresponde ao conceito de causalismo. O princípio do determinismo é outro e formula-se assim: nas mesmas circunstâncias, as mesmas causas produzem os mesmos efeitos.
Com tantas nuvens de confusão nos manuais de Filosofia adoptados em Portugal - e certificados por uma autoridade nacional! - não é de estranhar que os professores e alunos deslizem, como aviões desgovernados, nos céus da Filosofia e se despenhem no pântano do pensamento caótico.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
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