Citando a fórmula do imperativo categórico de Kant «Age de tal modo que a máxima da tua vontade possa sempre valer ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal.», Irene Borges-Duarte, professora da Universidade de Évora, tece as seguintes considerações:
«Pode haver maior "formalismo" que o que este princípio ético, aqui reproduzido na fórmula crítica mais pregnante, enuncia? (...)
«Em primeiro lugar: a forma verbal do imperativo obriga a um compromisso. Estranho compromisso com...coisa nenhuma. Nesta formulação, parece faltar toda a matéria a que se aplique, toda a referência a objetos, a situações, a qualquer tipo de mediações com a realidade da vida. Não é uma norma de prudência, de justiça ou de equidade ante uma solicitação ou causa prévia. Não deixa supor que a acção, de que é nela questão, tenha um qualquer motivo, que a peça ou impulse. O compromisso que é exigido não é, com efeito, o de um "quê", mas de um "como" (so, dass...) "de tal modo que..". Ao deixar em aberto a questão do "quê" , a lei geral de todo o agir, a que qualquer máxima subjetiva deve subordinar-se formalmente, parece abandonar o agente a uma real desorientação na esfera do fáctico e vivencial. Na verdade, nem se indica uma meta a perseguir, nem se codifica o que deva ser feito, nem se desenha uma doutrina, cujos claros ditames possam ser seguidos. »
( Irene Borges-Duarte, O homem como fim em si? De Kant a Heidegger e Jonas, in Revista Portuguesa de Filosofia, volume 61, pág. 844-845; o destaque a negrito é posto por mim).
Compromisso com coisa nenhuma? Não. Discordo de Irene Borges-Duarte. Há, de facto, um compromisso não explícito na fórmula do imperativo categórico acima explanada, um compromisso duplo: compromisso com a máxima, ou seja, com o princípio moral concreto, subjetivo, que norteia cada pessoa; compromisso com a humanidade em geral, através da equidade (universalizar a regra de tratar os outros, por exemplo: não favorecer os filhos dos ricos em relação aos filhos dos pobres, mas tratar todos por igual, no premiar ou no castigar).
Também não é fundado sustentar que o imperativo categórico "não é uma norma de prudência, de justiça ou de equidade ante uma solicitação ou causa prévia". O imperativo categórico é, devido à sua circularidade formal - o sujeito como centro da circunferência composta por todos os outros membros da humanidade - uma norma de justiça e de equidade ante a causa prévia que é a existência de uma máxima em cada sujeito (exemplos: «A minha máxima é produzir filmes sobre espécies animais em risco e mostrá-los aos alunos», «A minha máxima é procurar informar-me e informar alguns sobre a emigração») e de um público universal, que é o alvo e paciente do imperativo categórico.
Não é também defensável dizer que no imperativo kantiano «nem se indica uma meta a perseguir, nem se codifica o que deva ser feito». A meta é a humanidade, o reino dos fins, que é o conjunto de todos os seres humanos postos numa base igualitária de direitos e deveres. O código é: universalizar a máxima ou lei moral subjetiva, fazê-la incidir sobre todos os homens do mesmo modo que sobre si mesmo.
Escreveu ainda a catedrática da Universidade de Évora:
«Voltamos, pois, ao já dito: "ética" é a forma, não a matéria da ação, é o "como", não o "quê". (Irene Borges-Duarte, O homem como fim em si? De Kant a Heidegger e Jonas, in Revista Portuguesa de Filosofia, volume 61, pág. 847).
Não é uma formulação correcta, dialéctica, esta que Irene Borges-Duarte explana. Dialética significa: um divide-se em dois. Para Kant, a ética é a forma universalista do imperativo categórico adicionada do conteúdo material de cada máxima pessoal. Por exemplo, a ética do indivíduo A é: «Defendo que todas as pessoas devem ter o direito a usar uma arma de fogo de defesa pessoal, já que a minha máxima sempre foi essa, a de ter uma arma em casa.». A ética do indivíduo B é: «Defendo que todos os cidadãos comuns, não membros dos corpos militares e policiais, não devem ter direito a possuir armas de fogo de defesa pessoal, do mesmo modo que eu não possuo estas.»
Se a ética não englobasse a matéria da acção, seria a mesma em todos os indivíduos e o imperativo categórico perderia o seu carácter autónomo, variável de pessoa a pessoa autora da lei moral. A máxima, isto é, a peculiaridade de cada um nos valores e ideias directrizes da acção (causa formal, na perspectiva aristotélica), é um dos ingredientes da ética kantiana, é uma das torres do imperativo categórico, sendo as outras duas torres a universalização equitativa (causa eficiente) e a humanidade em geral (causa final, no sentido aristotélico).
A FALÁCIA DO "TEM DE SER" DIFERENTE DO "DEVO FAZER"
Irene Borges Duarte salienta ainda uma suposta diferença entre "dever" ou "devo fazer» e "ter de ser" como se este último fosse extrínseco ao "dever", o que é uma falácia:
«A segunda questão a atender consiste, justamente, em que Kant vai investir a expressão do "dever" imperativo, anteriormente enunciado, e que ele próprio no contexto pragmático das máximas de uso quotidiano, considera ser habitualmente "hipotético", num categórico ter de, cuja obrigatoriedade parece mais próxima de determinismo natural - a necessária sequência de tal efeito a tal causa - que da livre intervenção da vontade. (...) A mesma força constringente da "natureza" da nossa razão ordena e obriga, num caso, a agir (domínio práxico), no outro a conhecer (domínio teórico) algo como objecto da experiência. Mas em ambos casos, tem de ser assim!»
«.. O dever-ser torna-se de assertórico em categórico. " Tem de se poder querer que uma máxima da nossa acção se torne uma lei universal: tal é o canon para julgar moralmente em geral, o critério do juízo moral (...)
«O dever obriga pois como um ter de ser: converte-se num " não poder não querer" o fim adequado à pura racionalidade. Só desse modo, a razão pura se afirma, assim, como intrinsecamente prática.» (Irene Borges-Duarte, O homem como fim em si? De Kant a Heidegger e Jonas, in Revista Portuguesa de Filosofia, volume 61, pág. 846-847; o destaque a negrito é posto por mim).
Em todo o dever há um ter de ser, que é o seu aspecto imperativo ou prescritivo, e um "ser quê", que é o seu aspecto descritivo ou conteudal. Separar o "dever" do "ter de ser" só pode ser feito neste sentido de separar a ordem dada, do conteúdo informativo dessa ordem. É isso que Irene Borges-Duarte não clarifica. O dever não se converte num "não poder não querer": ele já é, na sua génese, um "não poder não querer".
Na verdade, dizer, por exemplo, ao ver uma situação de atropelamento «Tens de ligar já ao 112 para vir buscar aquele ferido que está ali na estada, caído e inanimado» é o mesmo que dizer «Deves ligar já ao 112 para vir buscar aquele ferido que está ali na estada, caído e inanimado». Não há diferença entre o ter de e o deves, enquanto imperativo.
Não me parece correcta a asserção acima explanada: «A mesma força constringente da "natureza" da nossa razão ordena e obriga, num caso, a agir (domínio práxico), no outro a conhecer (domínio teórico) algo como objecto da experiência. Mas em ambos casos, tem de ser assim!» ». O conhecer, como objecto da experiência, não é um mecanismo formal necessário, é uma apreensão da máxima isto é do princípio subjectivo moral existente em cada indivíduo. Ora este princípio é contingente, é variável de pessoa a pessoa e repousa no sentimento ou na racionalidade senciente - tese que Kant não perfilha nem desenvolve, o que põe em evidência a fraqueza da sua doutrina, como muito bem apontou no século XX Max Scheler, o grande teórico alemão da ética material de valores a priori. Por conseguinte, em ambos os casos não tem que ser assim, ao contrário do que diz Irene Borges-Duarte. A razão não prescreve a máxima, recebe-a e universaliza-a. A máxima não tem que ser assim, é uma escolha (sentimental) de cada indivíduo.
Por outro lado, - aspecto que Irene Borges-Duarte não aborda - o "tem de ser" não é exclusivo do imperativo categórico: está presente no imperativo hipotético, ao qual subjaz o determinismo natural que condiciona o corpo e o conforto material de que necessita. Exemplo do imperativo hipotético do vendedor de enciclopédias: «Tens de vender o maior número de enciclopédias possível às pessoas porque tens as prestações da casa e do carro e a alimentação a pagar, para sobreviveres, e tens de persuadir as pessoas de que necessitam de comprar essas enciclopédias, mesmo que o conteúdo destas não ofereça a qualidade necessária e de nada sirva aos compradores, que são para ti meios de enriqueceres e sobreviveres.»
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Teodorico de Freiberg, um pensador dominicano alemão (1250? - 1320) que se opôs à doutrina de Tomás de Aquino, escreveu sobre o ente:
«1. Ora o ente é o que há de mais geral. Compreende em si, na sua extensão, tudo, quer segundo a coisa quer segundo a significação. Significa a essência de tudo aquilo de que é predicado, seja predicado de uma substância seja de um acidente, conforme diz o Filósofo no princípio do Livro IV da Metafísica. Não há inconveniente em ser predicado da substância e do acidente, indicando a essência daquilo de que é predicado. Isto porque o ser é predicado da substância e do acidente segundo uma noção diferente, dado que a substância e o acidente derivam de noções diferentes, enquanto são entes.»
«2. De facto ambos são ditos "ente" enquanto têm uma certa essência. Mas a substância tem a essência segundo uma noção diferente da que o acidente tem. Isto é claro com base naquilo que Agostinho diz no capítulo 16 de A Imortalidade da Alma: «O que faz com que qualquer essência seja uma essência é o facto de ser.» Contudo o ser que convém à substância tem uma dada noção e enquanto pertence ao acidente tem uma noção diferente.» (Teodorico de Freiberg, O ente e a essência, Minerva Coimbra, 2003, pags. 27-28; o negrito é colocado por mim).
Teodorico não é de uma clareza absoluta porque não distingue as propriedades do ser das propriedades da essência. Joga na ambiguidade do termo "ser" que, ora é interpretado como existir ora como configuração, quid. E invoca Santo Agostinho mas, de facto, este equivocou-se: não é o ser que faz com que uma essência seja essência; o ser faz com que uma essência exista enquanto essência, ou seja, esteja impressa, plasmada, numa matéria indeterminada (o ser) gerando um ente concreto. Ser é ontologia e essência é eidologia. Em certo sentido, esta é anterior à ontologia. Se eu pensar em um cavalo com tromba de elefante e barbatanas de peixe em vez de patas traseiras penso numa essência que não existe no mundo biocósmico, mas que existe apenas na minha imaginação. Logo, não é o ser que faz com que a essência seja: é a forma, como princípio, que desenha ou estrutura a essência, não o ser. Há essências que são e outras que não são. Homem de sangue verde é uma essência imaginária, que não é (não existe no real), mas homem de sangue vermelho é uma essência real. Logo não é o ser que faz a essência: o ser é um correlato da essência, não o autor ou causa eficiente, fabricante, daquela. Parece que Platão, sem embargo de deslizar anfibologicamente em dois sentidos da palavra ser - existência e conjunto das formas imóveis inteligíveis - terá teorizado a Díade do Grande e do Pequeno como fonte das formas ou essências e o Uno como fonte do ser.
Também não parece que «o ser que convém à substância tem uma dada noção e enquanto pertence ao acidente tem uma noção diferente». Se entendermos por ser o existir, a mesma noção de existir se aplica à substância - a forma permanente do ente - e ao acidente - a forma transitória e parcelar do ente.
O ente (tó on) é para Aristóteles um sujeito indeterminado, universal, apto a contrair-se em qualquer substância: as suas características primordiais são existir e ser uno. « E o ente constitui o comum a todas as coisas» (Aristóteles, Metafísica, 1004 b, 20-25) .A filosofia - séculos mais tarde designada ontologia - é a ciência do ente, do que é. Género, espécie, substância primeira e acidente são modos do ente.
Teodorico distingue a quididade - uma qualidade determinada e estrutural; a essência ou forma da espécie, em Aristóteles - do quid ( que o tradutor Mário Santiago de Carvalho traduz por "o que" e nós por "o quê é») - a qualidade determinada particularizada ou individuada em tal ou qual ente. Mas mistura o quid com o quod e nesse sentido afasta-se de Aristóteles:
«4. Mas "quididade", que deriva de "o que" por abstracção, significa apenas o princípio formal que faz com que uma coisa seja essencialmente qualquer coisa. E é isto que comunmente se diz, e bem, ou seja, que nos simples a quididade e aquilo que é "o que" se identificam. Ora isto não acontece nos compostos de matéria e de forma. Nestes só a forma é quididade.» (Teodorico de Freiberg, O ente e a essência, Minerva Coimbra, 2003, pag 32; o negrito é colocado por mim).
«8. Neste segundo modo de significação, tomado em sentido comum, é evidente que "brancura" e "branco" diferem quanto à significação. "Brancura" significa somente a qualidade, e "branco" significa o agregado do sujeito e da qualidade. E assim se pode dizer, acerca de "quididade" e daquilo que "o que" é, que "quididade" significa apenas a forma, mas "o que", mesmo nas coisas compostas, significa toda a essência da coisa, quer dizer, o agregado de matéria e de forma.» (ibid, pags 36-37; o negrito é colocado por mim).
A minha discordância relativamente a esta posição, inteligentemente explanada, é a seguinte: o quid ou quê-é, na perspectiva aristotélica, não engloba a totalidade do ente, mas constitui, de certo modo, o invólucro, a configuração, a estrutura deste. Uma estátua de mármore é um quid, não pelo mármore em bruto, mas pela forma que neste o escultor imprimiu. O quod é o ente abstractamente considerado, como algo existente, sem forma determinada.
A CONFUSÃO DA EXISTÊNCIA COM A ESSÊNCIA
A incoerência fende,subtilmente, o texto de Teodorico:
«5. O ser e "o que é" diferem no seguinte. O ser designa toda a essência da coisa. "O que é" significa uma parte da coisa, nas coisas compostas.» (Teodorico de Freiberg, O ente e a essência, Minerva Coimbra, 2003, pag 45; o negrito é colocado por mim).
Ora isto contradiz a seguinte passagem acima citada:
«E assim se pode dizer, acerca de "quididade" e daquilo que "o que" é, que "quididade" significa apenas a forma, mas "o que", mesmo nas coisas compostas, significa toda a essência da coisa, quer dizer, o agregado de matéria e de forma.»(ibid, pags 36-37; o negrito é colocado por mim).
Comparando estas dois pensamentos, deduzimos que, na interpretação de Teodorico, o ser e o quê-é (na sua terminologia: "o que") são uma e a mesma coisa já que «significam toda a essência da coisa». Isto é um equívoco, uma confusão entre existência (ser) e essência ("quê-é, "o que").
O prefaciador Mário Santiago de Carvalho, sem embargo dos seus altos méritos na difusão da filosofia medieval, não parece ter detectado o equívoco do dominicano alemão do século XIV, equívoco que se desmonta assim: se "o que" ou quid constitui toda a essência da coisa, isto é, o composto forma-matéria, como sustentou Teodorico, então a substância primeira ou ente individualizado - exemplo: este vaso azul de barro - em nada se distingue da sua espécie ou substância segunda - o conjunto dos vasos azuis de barro. Aristóteles apontou a matéria como princípio de individuação mas essa teoria está aqui ausente. Em Teodorico, a matéria, originariamente destituída de forma, está incluída no quid, o que constitui um desvio do pensamento aristotélico e uma confusão entre a forma, acidental ou essencial (quid) e a não forma (matéria-prima, hylé).
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O Dicionário de Filósofos, de Noella Baraquin e Jacqueline Lafitte, sem embargo de ser aparentemente uma obra de elevada qualidade filosófica, comporta erros sobre a teoria de Aristóteles, particularmente na doutrina da forma e da essência e na doutrina das quatro causas.
A FORMA (MORPHÈ) NÃO É A ESSÊNCIA (EIDOS)
Refere o dicionário a respeito da forma, da essência e das causas no sistema de Aristóteles:
«A forma sob a qual a coisa aparece constitui a sua essência e é indissociável da matéria (hilemorfismo). Ela é também o princípio que lhe confere a existência e que faz com que um ser pertença a uma dada espécie (princípio de individuação).»
«Assim, a existência de outras espécies corresponde ao movimento, à mudança de ordem do lugar, da quantidade e da qualidade.»
«A substância depende de quatro causas: material (o elemento), formal (a forma, o modelo), a causa eficiente ou motriz (o agente que actualiza o potencial) a causa final (que não é senão a substância ou essência, a forma para a qual tende a matéria.»
«Sendo agente e fim uma e a mesma coisa que a forma, as causas são redutíveis à forma e à matéria.» (Noella Baraquin e Jacqueline Lafitte, Dicionário de Filósofos, Edições 70, Pág 31-32).
Antes de mais, importa, rectificando o dicionário, frisar que a forma sob a qual a coisa aparece não constitui a sua essência no quadro do pensamento de Aristóteles: a forma individualizada, última, da coisa, é diferente da essência ou forma específica (eidos) que está na sua génese. A essência (eidos) precede a forma singular (morphé) porque esta resulta da impressão daquela na matéria-prima. Se a forma fosse a essência, diríamos que a forma Sócrates ou a forma Platão seriam a essência destes, o que Aristóteles nega rotundamente.
Também na citação acima é confusa a referência ao princípio da individuação. Não é este que faz com que um ente pertença a uma dada espécie, mas sim o princípio da especificação, a forma comum. A individuação conferida pela matéria afasta a coisa da espécie, singulariza.
AS QUATRO CAUSAS NÃO SE REDUZEM A DUAS, A FINAL NÃO É A FORMAL
A causa final está mal definida de um modo geral: confunde-se com a causa formal.
Reduzir as causas eficiente, formal e final a uma só é um equívoco: significaria dizer que o fabricante do relógio (causa eficiente), a forma do relógio (causa formal) e a contagem do tempo (causa final) são a mesma coisa, o que é absurdo.
Ora esta redução das quatro causas a duas é negada, em partes capitais da «Metafísica», pelo próprio Aristóteles que escreveu:
«Chama-se causa, num primeiro sentido, a matéria imanente da qual se faz algo; por exemplo, o bronze é causa da estátua, e a prata da taça, e também os géneros destas coisas. Em outro sentido, é causa a espécie e o modelo; e este é o enunciado da essência e os seus géneros (por exemplo, da oitava musical, a relação de dois para um, e, em suma, o número); e as partes que há no enunciado. Ademais, aquilo de onde procede o primeiro princípio da mudança ou da quietude; por exemplo, o que aconselhou é causa da acção, e o pai a causa do filho e, em suma, o agente, do que é feito, e o que produz a mudança do que a sofre. Ademais o que é como o fim; e isto é aquilo para o que algo se faz, por exemplo, do passear é causa a saúde. Porquê, com efeito, se passeia? Dizemos: para estar são.»
(Aristóteles, Metafísica, Livro V, 1013 a, Edición trilingue, Gredos, Madrid, pág 218-219)
Vemos que a definição do Dicionário «a causa final (que não é senão a substância ou essência, a forma para a qual tende a matéria.» está genericamente errada, uma vez que em numerosos casos a finalidade não é forma mas sim um estado afectivo ou qualidade. Exemplo: a causa final de um almoço de amigos não é a comida (substância ou essência) mas sim o convívio alegre e fraterno e a manutenção do corpo.
A causa final não é, em muitos casos, a forma acabada, perfeita (a enteléquia) por exemplo, o corpo perfeito que, num homem idoso, já não pode acontecer - mas um outro estado: a saúde, no exemplo dado por Aristóteles. Sob um ponto de vista orgânico-biológico poder-se-ia dizer que a causa final do bebé é um corpo de jovem adulto o que daria alguma razão às autoras do Dicionário mas a definição de causa final continua a ser deficiente, errónea em geral.
Mesmo que Aristóteles nalgum texto tivesse escrito que as quatro causas se reduzem a duas o que é possível, dado que há incoerências dentro do texto da Metafísica e em outros textos aristotélicos é equívoco colocar essa tese num Dicionário de Filosofia como corolário da teoria das quatro causas.
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