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Engels escreveu sobre a grande descoberta que foi a mais-valia (em rigor: mais-valor), isto é, o produto criado pelo operário e não pago a este, plasmada pelo seu amigo Karl Marx em "O capital":
« Num determinado tempo o operário terá fornecido tanto trabalho quanto o representado no seu salário semanal. Admitindo que o salário semanal de um operário representa três dias de trabalho, o operário que começa à segunda-feira já terá reposto ao capitalista na quarta-feira à noite o pleno valor do salário pago. Mas ele deixa então de trabalhar? De modo nenhum. O capitalista comprou-lhe o trabalho da semana, e o operário tem de trabalhar ainda os três últimos dias da semana. Este sobretrabalho do operário, em excesso de tempo necessário para a reposição do seu salário, é a fonte da mais-valia, do lucro, do sempre crescente aumento do capital.» (Friedrich Engels, Recensão do primeiro volume de "O Capital" para o Demokratisches Wochenblatt, in Marx e Engels, Obras Escolhidas 2, pag. 161, Edições Avante)
Em termos simples: o operário recebe, por exemplo, 200 euros por semana - que gera com o seu trabalho à segunda e à terça-feira - e produz em cinco dias um valor de 500 euros que se acrescenta à matéria-prima a partir da qual forjou novos produtos. A diferença entre o valor do trabalho vivo total ( 500) e o valor do salário (200 euros) é de 300 euros e constitui o lucro correspondente à mais-valia obtida numa semana, que vai para o bolso do patrão. Suponhamos que a matéria-prima custou 100 euros ao capitalista e há um desgaste de máquinas e outros materiais correspondente a 50 euros. O produto valerá globalmente: 100 euros (matéria-prima, paga pelo capitalista, quantia a recuperar na venda do produto) + 50 euros (desgaste de máquinas e ferramentas, gastos em electricidade, quantia a recuperar na venda do produto) + 500 euros (trabalho operário actual, que o capitalista paga apenas pelo valor salarial de 200 euros) e o capitalista, teoricamente, vendê-lo-ia por 650 euros. Como apenas pagou 200 euros semanais ao operário, embolsa uma mais valia de 300 euros.
Este é o modelo teórico. É evidente que a lei da oferta e da procura ditará flutuações do preço; é o jogo do mercado, que classificaríamos como a economia simbólica - o símbolo flutua, é ambíguo, desdobra-se em múltiplas significações - a distorcer, em certa medida a economia real - assente no tempo de trabalho real para produzir matérias-primas, ferramentas e máquinas, electricidade e o produto final mercantil. Paralelismo com a teoria psicanalítica de Freud: a economia real sexual, o id ou infra-ego, é distorcida pelo super-ego ou censura social interiorizada na psique, do mesmo modo que o trabalho produtivo da mercadoria é distorcido, de algum modo, na compulsão do mercado. Assim, com as leis do mercado pode acontecer que o capitalista não consiga realizar na forma de lucro a totalidade da mais-valia (300 euros, no caso), se vender o produto, por exemplo, por 500 euros, e pode, inversamente, suceder que o capitalista realize na forma de lucro a totalidade da mais-valia e ainda parte da mais valia de outros capitalistas, se vender o produto, por exemplo, a 750 euros.
A grande questão que se poderá pôr ao marxismo que demonstrou, a meu ver inquestionavelmente, a transferência da mais-valia dos produtores para os donos do capital, é: a apropriação privada da mais-valia não será condição necessária, embora não suficiente, para a existência de liberdades públicas como os direitos individuais à propriedade privada de bens e meios de produção, a liberdade de imprensa, manifestação de rua, greve e associação política e sindical, o habeas corpus, a livre circulação de pessoas e mercadorias? Serão as liberdades públicas e privadas correlatas da existência e privatização da mais-valia?
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