Na Metafísica, Aristóteles estabelece três princípios na génese dos corpos sensíveis forma, privação e matéria mas correlaciona-os de forma equívoca.
«Assim pois, os elementos e princípios de estes são os mesmos (se bem que distintos para coisas distintas), mas não é possível dizê-lo a respeito de todas as coisas assim, sem mais, mas analogicamente, como quem diz que há três princípios: forma, privação e matéria. Não obstante, cada um destes é distinto para cada género: assim, branco, negro e superfície para a cor, luz, obscuridade e ar, dos quais se geram o dia e a noite.»
(Aristóteles, Metafísica, Livro XII, 1070 b, Editorial Gredos, pags 478).
É sabido este é um dos grandes conceitos do aristotelismo - que a matéria-prima (hylé) não existe em acto: é ser em potência, ou seja, fornece o conteúdo indeterminado a cada ser, conteúdo que a forma vai moldar e fazer passar à existência, ao acto. Por isso, Aristóteles admite, no texto seguinte, uma matéria geradora, à sua maneira, como substrato, do calor e do frio:
«Por conseguinte, nenhum elemento pode ser substância nem relação. Mas necessariamente teria que sê-lo. Logo não são os mesmos os elementos de todas as coisas.»
«Ou, como dizíamos, são-no em certo sentido e em certo sentido não, por exemplo, seguramente o calor é a modo de forma dos corpos sensíveis e o frio é, à sua maneira, a privação, enquanto que matéria será aquilo que, primeiramente, e por si, é em potência um e outro, e substâncias serão estas coisas, assim como as que procedem destas tendo estas como princípios, ou se algo dotado de unidade se gera a partir do calor e do frio, por exemplo, carne ou osso, já que necessariamente o gerado há-de ser distinto dos princípios.» (Aristóteles, Metafísica, Livro XII, 1070 b, Editorial Gredos, pags 477; o bold é nosso).
O calor define-se hoje como energia térmica em trânsito ou energia cinética elevada que circula em cada corpo e entre corpos diferentes e associa-se, grosso modo, a temperaturas do meio ambiente superiores a 15º -20º. Segundo a física actual, a temperatura de um sistema medida da energia cinética ligada ao movimento (vibração) aleatório das partículas que compõem esse sistema físico - é directamente proporcional à energia cinética média das partículas que o constituem.. E o frio é uma sensação subjectiva e intersubjectiva correspondente à baixa energia cinética dos corpos e, em termos de termómetro, a temperaturas do meio ambiente abaixo e pouco acima de 0 graus centígrados. Ao definir o frio como privação, Aristóteles erra: retira ao frio a sua essência ontológica o frio é algo por si, do mesmo modo que a imobilidade e o movimento lento de átomos e electrões são algo por si mesmos. Claro que o frio é privação de calor privação em sentido relativo mas não é privação absoluta, nada, como Aristóteles parece indiciar. Se o calor é uma forma, ligada à grande mobilidade dos electrões, o frio é igualmente uma forma contrária, ligada à baixa mobilidade das partículas invisíveis. Calor e frio são convertíveis entre si pela lei dialéctica da conversão da quantidade em qualidade.
A divisão dos princípios operada por Aristóteles é:
Forma Privação Matéria (ex:calor) (ex: frio) (ex: substrato do calor e frio)
De facto, a matéria um não ser convertível em ser deveria ocupar a posição intermédia entre a forma e a privação absoluta ou nada, sem embargo de matéria e forma serem contrários e o seu intermédio ou síntese ser o composto. (exemplo: a cadeira é um composto da forma e da matéria-prima ou hylé subjacente à madeira que já é matéria derivada ou enformada).
A matéria é contrária à forma mas é também contrária à privação absoluta ou nada. Por sua vez a forma, por si eterna - como diz Aristóteles «ninguém produz nem engendra a forma, mas produz-se esta coisa singular, e gera-se o composto de matéria e forma» (Metafísica, Livro VIII, 10043b) é contrária à matéria e duplamente contrária à privação absoluta, ao nada.
Aristóteles sustenta, erradamente, que uma coisa só pode ter um contrário, no máximo: «Mas, em tal caso, uma só coisa terá dois contrários, o que é impossível.» (Aristóteles, Metafísica, Livro XII, 1056 a, Editorial Gredos, pags 410; o bold é nosso).
Sabe-se, por exemplo, contrariando a tese de Aristóteles, que a burguesia liberal tinha e tem por contrários a aristocracia feudal, por um lado, e o proletariado, por outro lado. E o proletariado tem diversos contrários: a burguesia liberal, a aristocracia feudal, a burocracia «marxista-leninista», estalinista, que gere os estados socialistas.
Portanto, a verdadeira divisão racional dos três princípios das coisas sensíveis é:
Forma Matéria Privação
(exemplos: (movimento dos electrões)
calor, frio)
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