Sábado, 9 de Maio de 2020
Dialética, transumanismo e singularidade, essencialismo, existencialismo

 

Eis algumas questões a que os alunos de filosofia podem responder se os professores forem suficientemente autónomos e inteligentes para rejeitar a filosofia analítica e a sua ridícula lógica proposicional e souberem explicar a dialética nas suas leis objectivas.

 

1) Enuncie e aplique a lei da contradição principal à segunda guerra mundial 1939-1945. 

 

Resposta: A  Lei da Contradição Principal da dialética diz que « Um sistema de múltiplas contrariedades é susceptível de ser reduzido a uma só contradição, designada por principal, colocando num polo um certo número de contrariedades, reduzidas à condição de secundárias entre si, e no outro as restantes, também secundárias entre si. Uma nova contradição principal surge depois em outra fase.»

 

Exemplo: na Segunda Guerra Mundial, de 1939 a 1945, a  contradição principal é haver dois blocos ou polos, por exemplo, a Inglaterra liberal não gostava da Rússia comunista mas aliou-se a esta para combater a Alemanha de Hitler:  num dos polos os Aliados ( França livre, Inglaterra, EUA, URSS, Brasil, etc) e no outro polo as potências do Eixo nazi-fascista-imperial ( Alemanha, Itália, Japão).

 

Terminada a guerra com a derrota deste Eixo, surgiu, em 1946-1950, uma nova contradição principal na política internacional, entre o bloco dos países ditos socialistas e aliados (a URSS, Roménia, Checoslováquia, Bulgária, Polónia, China, etc) e o bloco ocidental capitalista e países dependentes (EUA, Grã Bretanha, França, Itália, Alemanha Ocidental, etc). 

 

2) Aplique a lei da contradição principal à pandemia da Covid actual.

 

Resposta: os países do mundo (EUA, Itália, Portugal, etc) têm contradições entre si mas unem-se todos no mesmo polo ou bloco e no outro pólo está o Covid 19 invisível.

 

3) Aplique a lei da contradição principal à mutualização das dívidas públicas (todos a pagar as dividas dos mais pobres)  na UE em 2020.

 

Resposta: Há estados europeus (Portugal, Espanha, Grécia) com muito mais dinheiro a pagar ao Banco Central Europeu do que outros como a Holanda e a Austria. Assim os países mais pobres (Portugal, Grecia, Itália) unem-se num polo da contradição principal para pedir a criação de eurobonds (empréstimos a juros muito baixos fáceis de pagar) mas no outro polo da contradição principal estão os países ricos como Alemanha, Holanda, Austria. que não querem criar esses eurobonds.

 

4)  Exponha a lei da luta de contrários e aplique-a à estrutura do ser humano segundo a psicanálise de Freud.

 

Resposta: A  Lei da Luta de Contrários)  diz o seguinte: «Cada fenómeno ou ser tem, por essência, uma luta de contrários que constitui o motor de desenvolvimento desse fenómeno ou ser. Os contrários formam, entre si, na sua luta recíproca, uma unidade, mais ou menos instável, que constitui a totalidade desse fenómeno ou ser.» Freud dizia que no ser humano há uma luta entre o infra-ego (as paixões ou instintos do corpo: comer, beber, energia sexual, desejo de riquezas, violência sobre outros, etc.) e o super-ego (a consciência moral vinda da sociedade: não matar, não roubar, não violar, não ofender por palavras, etc.). Estes contrários lutam a cada dia dentro de nós e formam a nossa essência ou maneira de ser permanente.

 

5) Aplique a lei da luta de contrários às atitudes metafísica e pragmática. 

 

Resposta: A metafísica é, na acepção comum,  o mundo invisível do Além com os seus deuses, espíritos malignos, milagres, mitos da cosmogénese, se porventura esse mundo existe, e leva as pessoas a rezar a Deus, a acreditar no Paraíso ou na reencarnação e por vezes a perderem bons negócios. O pragmatismo é o uso prático e vantajoso do mundo empírico (das sensações: ver, saborear, tocar, etc.) o mundo das coisas práticas, do dinheiro, da realidade possível. Lutam entre si embora sejam conciliáveis na mesma pessoa. Por exemplo: uma igreja é metafisica se não pede esmolas aos fregueses mas só pede orações e opõe-se a uma igreja pragmática que pede 10 por cento do salário a cada freguês (se ganhas 900 euros ao mês tens de dar 90 euros à igreja).

 

6) Enuncie a lei do devir e aplique-a à lei da oferta e da procura vigente na UE

 

Resposta: A Lei do Devir diz : «Nada está estático e inalterável, tudo está em constante Devir, transformação». A lei da oferta e da procura da economia de mercado diz que quando há muita oferta de produtos e pouca demanda/procura, os preços descem (é o caso da gasolina neste mês) e quando há muita procura e pouca oferta os preços sobem. Assim a oferta e a procura estão sempre a mudar, isto é, em devir, em transformação.

 

7) Enuncie a lei do salto de qualidade e aplique-a à passagem da água do estado líquido ao estado gasoso e à passagem de situações pacíficas a revoluções.

 

Resposta: 4ª (Lei do Salto Qualitativo diz que : «A acumulação lenta e gradual, em quantidade, de um aspecto num fenómeno ou ser conduz, num dado momento, a um brusco salto de qualidade nesse fenómeno ou ser.»

Exemplos: a água vai aumentando de forma gradual, quantitativa, a temperatura (90º, 91º, 92º.93º,94º)  até que ao passar de 99º para 100º entra bruscamente em ebulição (salto qualitativo) passando ao estado de vapor; a acumulação gradual e lenta num país de greves económicas massivas, manifestações de rua, greve política e confrontos violentos com forças da ordem determina que, num dado instante, um governo, democrático ou ditatorial, se demita ou seja destituído (salto qualitativo), abrindo um novo ciclo político na sociedade.

 

8) Aplique a lei do salto de qualidade à formação dos conceitos de «sobreiro» e de «cavalo».

 

Resposta: a criança vê um sobreiro (percepção empírica: ver e tocar), vê outro e mais outro sobreiro, acumulação em quantidade de imagens do mesmo tipo, fecha os olhos e abstrai de pormenores deste e daquele sobreiro, dá o salto de qualidade ao formar a ideia ou conceito de sobreiro, ideia abstracta. Com o cavalo é o mesmo: acumula visões ou percepções empíricas de cavalo, etc.

 

9) Aplique a lei da tríade aos regimes políticos desde o fascismo de Salazar (1932-1974) até hoje e às estações do ano.

 

Resposta: A lei da tríade diz que «Num processo dialéctico há três fases: a tese ou afirmação , a antítese ou negação e a síntese ou negação da negação. A síntese não é a soma das duas anteriores, mas a sua superação e conservação fragmentária e o início de um novo processo triádico. A síntese é um volver no sentido da tese e transforma-se em tese de um novo processo dialético.»  Aplicada à política em Portugal: o fascismo de extrema direita é a tese (povo sem poder nenhum, só o partido dos ricos a mandar), a revolução anarquista e comunista de extrema esquerda em 1974-1975 é a antitese (o povo com o poder todo nas ruas, ocupando herdades, os patrões a fugir) e a democracia parlamentar, regime de centro (liberdade de partidos, o poder na mão dos ricos mas o povo pode fazer greve, manifestação de rua) é a síntese. Nas estações do ano é assim: o verão é a tese, o inverno e antítese, a primavera e o outono são síntese porque são meio termo misturam calor e frio.

 

10) Aplique a lei dos dois aspectos da contradição à situação dentro de uma fábrica e à política portuguesa dos últimos anos. 

 

Resposta: a Lei dos Dois aspectos da Contradição) diz: «Numa contrariedade há dois aspectos ou polos, em regra desigualmente desenvolvidos: o aspecto principal ou dominante e o aspecto secundário ou dominado. Em certas circunstâncias, há uma inversão de posições (salto qualitativo): o dominante passa a dominado e vice-versa.».

 

Exemplo: numa fábrica, durante o dia de trabalho normal, o aspecto principal da contrariedade é a administração e o aspecto secundário os trabalhadores das oficinas, que se subordinam ao ritmo de tarefas imposto; contudo, os dois pólos invertem-se, ao irromper uma greve com ocupação de fábrica e sequestro da administração, passando esta a ser, por algum tempo, o aspecto secundário e os operários revoltosos passam a ser o aspecto principal.  Na política portuguesa de 2005 a 2011, o PS governou sozinho e por isso foi o aspecto dominante e os outros partidos o aspecto dominado mas isto inverteu-se de 2011 a 2015 porque o PSD e CDS governaram coligados e passaram a ser o aspecto dominante e o PS o dominado e de 2015 até hoje o PS governa sendo por isso o aspecto dominante da contradição.

 

11) A astrologia, acredite-se nela ou não, aplica a lei do uno. Explique.

 

Resposta: A lei do uno diz «No universo nada está isolado, tudo se relaciona». A astrologia determinista (com leis exactas) diz que as posições dos planetas muito distantes criam os acontecimentos na Terra. Exemplo: Júpiter no signo da Virgem (150º a 180º de arco) dá a vitória ao PSD (caso das eleições legislativas de 1979, 1980, 1991, 2015). O planeta está unido através da sua radiação com a Terra.

 
Pergunta 12-Qual a diferença entre a singularidade tecnológica do transumanismo e a singularidade gravitacional da teoria de Einstein?
 
 
Resposta: A singularidade tecnológica prevista no transumanismo iluminista de Silicon Valey (EUA) é a época ou o ano em que os ciborgues e a inteligência dos supercomputadores ultrapassam a humanidade e dirigem o futuro desta, imprevisível. Alguns dizem que será em 2045. A singularidade gravitacional em Einstein é um ponto do espaço-tempo com densidade e massa infinitas como o Big Bang ou os Buracos Negros que atraem toda a matéria em seu redor e são imensamente densos (supõe-se; os físicos marxistas discordam, dizem que são apenas restos de estrelas ardidas). A singularidade tecnológica não é natural, resulta do avanço da ciência (supostamente) mas a singularidade gravitacional é natural.
 
 
Pergunta - Como actua a lei da acumulação em quantidade /salto qualitativo em ambas as singularidades?
 
 
Resposta - Os avanços da pesquisa científica na inteligência artificial, cibernética vão-se acumulando grau a grau, ano a ano, até que se dá o salto de qualidade: a máquina supera o homem e comanda-o (singularidade tecnológica). O ponto do espaço-tempo que segundo a teoria do Big Bang concentra a massa inteira do universo vai ficando cada vez mais denso até que explode e é o Big Bang.
 
 
Pergunta - Que analogia há entre a astúcia da razão em Hegel e a tese de que o Estado é tudo, o indivíduo é nada? 
 
 
Resposta: Em ambas as teses há uma razão universal (Deus)que manipula os homens. Na astúcia da razão Deus usa as paixões dos homens (exemplo: escolheu Napoleão em 1799, amante da ditadura não monárquica para meter ordem na revolução francesa que mergulhara no caos) . No caso do Estado, que é Deus incarnado em forma de Estado de um dado povo, os indivíduos dvem obedecer às leis do Estado. 
 
 
Pergunta - Por que razão a teoria de Hegel não pode ser considerada um existencialismo e a teoria de Kierkegaard pode?
 
 
Resposta: Porque a definição de existencialismo é: doutrina que supõe que a existência de cada indivíduo ou do colectivo vem antes da essência, isto é, não existe à partida um modelo, um arquétipo fixo que preside a todo o desenvolvimento ulterior e a. vida é imprevisível, feita de escolhas livres.
 
Ora em Hegel a mente de Deus sozinho, na primeira fase, delineia as essências (formas estruturais)  e isto é essencialismo (a essência vem antes da existência- Deus pensa o espaço, o tempo, os planetas e animais que virá a criar na fase seguinte a fase da natureza. E na terceira fase, a de Deus incarnado em humanidade, esta não é livre mas obedece ao plano divino, essencialista, que estabelece a sucessão de Estados (mundo oriental despótico, mundo greco-romano de só alguns homens livres, mundo cristão reformado por Lutero em que todos os homens são livres de interpretar a Bíblia traduzida para alemão). Apesar de teorizar que a liberdade de espírito é o fim da história, a  ideia de liberdade em Hegel é mais a de liberdade de um povo do que liberdade do indivíduo. Hegel vive na altura das revoluções nacionais libertadoras do colonialismo no primeiro terço do século XIX.
 
 
A teoria de Kierkegaard é um existencialismo porque enfatiza a liberdade individual, a escolha livre que o homem pode fazer em cada momento de um destes três estados: o estético (o Don Juan a saltitar de mulher em mulher, preso ao prazer momentâneo) o ético (o homem casado fiel à mulher que educa bem os filhos e cumpre as obrigações sociais, é um funcionário honesto, vai à missa, etc.) e o religioso (o asceta ou o místico a meditar isolado ouvindo a voz de Deus agindo contra a «boa moral» da maioria dos crentes em Deus como o padre Abel Varzim que, nos anos 40-50, visitava as prostitutas do Bairro Alto para as confessar e fazer rezar e comungar a hóstia e era incomodado pela PIDE de Salazar).
 
 
Pergunta- Esclareça os conceitos de angústia, desespero, paradoxo e alternativa (ou...ou) em Kierkegaard.
 
No existencialismo de Kierkegaard, doutrina da liberdade individual alcançável plenamente na união com Deus, o conceito de angústia é central: o homem vive ansioso por conhecer o futuro, por sentir ou temer a dor, a morte, a má sorte. O desespero é a frustração quando já não há nada a fazer. Exemplo: a angústia da neta antes da avó ser operada, o desespero da neta ao saber que a avó faleceu da cirurgia. O paradoxo é a contradição do pensamento. Exemplo: «Deus é infinitamente bom mas envia ao inferno as almas dos maus», «Quanto mais jejuns e sacrifícios fizeres neste mundo terreno mais alto e feliz serás no Paraíso». Kierkegaard diz que o cristão tem de aceitar o paradoxo: «É vontade de Deus que sofras, não te perguntes porquê». Kierkegaard é fideísta: Deus não se demonstra com o raciocínio como São Tomás de Aquino o fez mas Deus sente-se, prova-se através da fé (fides). A alternativa é a possibilidade de livre-arbítrio, de livre escolha a cada momento. Exemplo: «Ou continuo a ser um Don Juan, namoradeiro, ou me caso e sou fiel à esposa». 
 
 
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Domingo, 15 de Janeiro de 2012
Schopenhauer: as diferenças entre o homem e a mulher e como o Eros manipula o génio protetor de cada indivíduo

 

Arthur Schopenhauer (22 de Fevereiro de 1788- 21 de Setembro de 1860) foi um representante do idealismo volitivo, uma corrente que sustenta que o mundo material é meramente mental, é projeção da vontade (volição) associada à mente e é imanência a esta. Foi um dos raros filósofos que compreenderam integralmente a doutrina de Kant - ao contrário de Russell, Sartre, Heidegger e a generalidade dos académicos de hoje -  e foi um crítico implacável de Hegel.

 

Porém, na análise psicológica dos sexos e do amor, adotou uma teoria similar à da astúcia da razão engendrada por Hegel (os estadistas e outros atores da história como regicidas, generais, etc, executam nas ações que levam a cabo por impulso ou «livre-arbítrio», sem se darem conta, a vontade da razão universal) ao teorizar o génio da espécie. Este  é a força do instinto de Eros, impessoal, que domina e manipula os indivíduos como marionetas. Antes de tudo, como um pilar da sua antropologia, Schopenhauer sustentou que o amor do homem é, por natureza, polígamo e o da mulher, por natureza, monógamo: 

 

«Em primeiro lugar, deve notar-se que o homem é, por temperamento, propenso à inconstância no amor e a mulher à fidelidade. O amor de um homem declina de um modo sensível, a partir do instante em que foi satisfeito; parece que todas as mulheres têm mais atrativos do que a possui; aspira à mudança. O amor da mulher, pelo contrário, aumenta a partir desse momento. É essa uma consequência do fim da natureza, dirigido para a conservação e, por conseguinte, para o aumento, o mais considerável possível, da espécie. O homem, de facto, pode facilmente gerar mais de cem filhos num ano, se tiver outras tantas mulheres à disposição; a mulher, pelo contrário, ainda que tivesse o mesmo número de maridos não podia dar à luz mais do que um filho por ano,  excetuando os gémeos. Por isso, o homem anda sempre à procura de outras mulheres, enquanto a mulher se conserva fielmente dedicada a um só homem, porque a natureza a impele instintivamente e sem reflexão a conservar junto de si aquele que deve alimentar e proteger a pequena família futura. Daí resulta que a fidelidade no casamento é artificial para o homem e natural na mulher, e portanto o adultério da mulher por virtude das consequências que acarreta, e por ser contra a natureza, é muito mais imperdoável que o do homem.»(Schopenhauer, Metafísica do amor, páginas 38-39, Inquérito; o negrito é posto por mim. )

 

Esta concepção, que é a da tradição esotérica - o homem é Yang, movimento, luz, exterioridade, dilatação, fogo e ar; a mulher é Yin, repouso, sombra, interioridade, contração, água e terra - é rejeitada pelos movimentos feministas e pelo igualitarismo sexual hoje dominante no mundo.

 

A FINALIDADE DA ATRAÇÃO ERÓTICA E DO CASAMENTO É A PROCRIAÇÃO

 

 

É o instinto genésico, instinto da espécie que atravessa o indivíduo,  o guia na atração sexual, diz Schopenhauer. E por isso as mulheres preferem os homens de 30 a 35 anos aos rapazes de 20:

 

«Não podemos naturalmente enumerar com tanta exatidão as considerações inconscientes às quais se liga a inclinação das mulheres. Eis o que se pode afirmar de um modo geral. É a idade dos 30 aos 35 anos que elas preferem a qualquer outra, mesmo à dos jovens, que contudo representam a flor da beleza feminina. A causa é serem dirigidas não pelo gosto, mas pelo instinto, que reconhece nesses anos o apogeu da força geradora. Em geral, dão pouca importância à beleza, principalmente à do rosto; como se elas se encarregassem, por si sós, de a transmitirem à criança. É acima de tudo a coragem e a força do homem que lhes conquista o coração, porque estas qualidades são penhor duma geração de crianças robustas, e parecem assegurar-lhes, no futuro, um protetor corajoso.»

 

««A estupidez não prejudica os homens junto das mulheres; o espírito superior, ou mesmo o génio, pela sua desproporção, têm muitas vezes um efeito desfavorável. Vê-se frequentemente um homem feio, estúpido e grosseiro suplantar junto das mulheres um outro bem feito, espirituoso, delicado. Vêem-se igualmente casamentos de inclinação entre pessoas tão diferentes quanto é possível no ponto de vista do espírito: ele por exemplo, brutal, robusto e estúpido; ela, meiga, impressionável, pensando delicadamente, instruída, requintada, etc; ou, então, ele muito sábio, cheio de talento, e ela, uma pateta (...)» «A razão disso é que as considerações que predominam aqui nada têm de intelectual e dizem respeito ao instinto. No casamento, o que se tem em vista não é um colóquio cheio de espírito, é a criação dos filhos; o casamento é um laço dos corações e não das cabeças. Quando uma mulher afirma que está enamorada do espírito de um homem, é uma pretensão vã e ridícula, ou a exaltação de um ser degenerado. Os homens, por sua vez, no amor instintivo, não são determinados pelas qualidades de caráter da mulher.» (Schopenhauer, páginas 41-44, ibid; o negrito é acentuado por mim).

 

Assim, a procriação é a finalidade inconsciente da união erótica entre homem e mulher e do casamento. O instinto da espécie é uma inteligência animal que perpassa em todos os exemplares do género humano.

 

AMAR AQUILO QUE FALTA, POR ORDEM DO GÉNIO DA ESPÉCIE

 

A visão de Schopenhauer é dialética, baseada no mais alto grau da contradição - que não é a colatarealidade, nem a relatividade posicional mas a contrariedade.

 

«Todos amam precisamente o que lhes falta. (..) É assim que o homem mais viril procurará a mulher mais feminina, e vice-versa. (..) Há casos excecionais em que um homem se pode apaixonar por uma mulher decididamente feia: de acordo com a lei da concordância dos sexos, isto dá-se quando o conjunto dos defeitos e das irregularidades físicas da mulher são, justamente, a antítese e, por conseguinte, o corretivo dos do homem. Neste caso, a paixão atinge geralmente um grau extraordinário.»

«O indivíduo obedece em tudo isto, sem que o perceba, a uma ordem superior, à da espécie: daí a importância que liga a certas coisas que, como indivíduo, poderiam e deveriam ser-lhe indiferentes. » (Schopenhauer, Metafísica do Amor, páginas 44-49; o negrito é posto por mim)

 

Schopenhauer põe em relevo a luta entre o manipulador génio da espécie, o Cupido que atinge solteiros e casados e faz e desfaz relações amorosas e sociais, e o génio protetor de cada indivíduo:

 

«O génio da espécie está  sempre em guerra com os génios protetores os indivíduos, é o seu perseguidor e inimigo, sempre pronto a destruir sem piedade a felicidade pessoal, para alcançar os seus fins(...)

 

«Os casamentos de amor são concluídos no interesse da espécie e não em proveito do indivíduo. Os indivíduos imaginam, é certo, que trabalham para a própria felicidade; mas o verdadeiro fim é-lhes estranho, visto que não é outro senão a procriação dum ser que só é possível por meio deles. Obedecendo ambos ao mesmo impulso, devem naturalmente procurar entender-se o melhor possível.» (Schopenhauer, Ibid, pág. 62)

 A VONTADE DE VIVER

 

A vontade de viver, imortalmente no seio da espécie, vontade comum a religiosos, agnósticos e ateus, é, segundo Schopenhauer, a chave do comportamento humano, em particular no campo do amor sexual e do casamento. Não é apenas uma vontade de viver num mundo que nos é dado de fora: essa vontade é a criadora do mundo, mundo este que é um conjunto de representações e ilusões. As árvores só existem porque nós as projetamos e não são independentes de nós, a beleza daquela mulher ou a fealdade de outra é criação da vontade de viver que anima o nosso ser.

 

 

«O homem prova assim que a espécie lhe importa mais do que o indivíduo, e que vive mais diretamente naquela do que neste. Porque é então que o enamorado fica suspenso, num absoluto abandono, dos olhos daquela a quem escolheu? Porque está pronto a fazer por ela todos os sacrifícios? - Porque é a parte imortal do seu ser que suspira por ela, enquanto todos os seus outros desejos só se referem ao ser fugidio e mortal. Esta aspiração viva, fervorosa, dirigida para uma certa mulher, é pois um penhor da indestrutibilidade da essência do nosso ser e da sua continuidade na espécie». (..)

«Essa essência oculta é justamente o que está no fundo da nossa consciência e lhe forma o nódulo central, o que é mesmo mais imediato que essa consciência; e, na sua qualidade de "coisa em si", liberta do "principium individuationis", essa essência é absolutamente idêntica em todos os indivíduos, quer existam simultaneamente, quer se sucedam. É a isso que eu chamo, por outras palavras, "vontade de viver", isto é, essa aspiração premente à vida e à duração.»

 (Schopenhauer, ibid, pág. 65-66).

 

Aparentemente muito distante de Hegel, Schopenhauer não escapa ao traço nivelador do século XIX quando admite que a essência de cada homem é, principalmente, o princípio da espécie, a vontade de viver coletiva, e não o princípio da individuação que é fonte do egoísmo pessoal.

 

 

A INTELIGÊNCIA ABSTRATA DO HOMEM E A INTELIGÊNCIA CONCRETA E IMEDIATISTA DA MULHER

 

 

O senso prático na mulher é mais intenso do que no homem, segundo Schopenhauer. Mas senso prático não significa sempre bom senso. Significa que a mulher está mais atenta aos pormenores visíveis do quotidiano - elas reparam mais nas unhas ou nos sapatos que o homem usa do que nós nos correspondentes adereços delas; e compram, certamente, géneros mais baratos e de melhor qualidade nas lojas do que se fossem os maridos a fazê-lo. A mulher é capaz de gozar mais o momento do que o homem e, por isso, de ser mais alegre.

 

«Quanto mais nobre e perfeita é uma coisa, tanto mais lenta e tardiamente se desenvolve. A razão e a inteligência do homem só atingem pleno desenvolvimento aos vinte e oito anos; na mulher a maturidade do espírito dá-se aos dezoito anos. Por isso, só tem uma razão de dezoito anos, estritamente medida. É esse o motivo por que as mulheres são toda a vida verdadeiras crianças. Só vêem o que têm diante dos olhos, agarram-se ao presente, tomando a aparência pela realidade e preferindo as ninharias às coisas mais importantes.»

«O que distingue o homem do animal é a razão; confinado no presente, lembra-se do passado e pensa no futuro: daí a sua prudência, os seus cuidados, as suas frequentes apreensões. A razão débil da mulher não sofre dessas vantagens nem desses inconvenientes; sofre duma miopia intelectual que lhe permite, ver de uma maneira penetrante as coisas próximas; mas o seu horizonte é limitado, escapa-se-lhe o que está distante. Daí resulta que tudo quanto não é imediato, o passado e o futuro, atuam mais fracamente na mulher do que em nós: daí também a tendência muito mais frequente para a prodigalidade, e que por vezes toca as raias da demência.»

 

«No seu íntimo, as mulheres entendem que os homens são feitos para ganhar dinheiro e elas para o gastar; e se o não podem fazer durante a vida do marido, desforram-se depois da morte dele.» (...)

 

 «Em circunstâncias difíceis é preciso não desdenhar recorrer, como outrora os Germanos, aos conselhos das mulheres, porque elas têm uma maneira de conceber as coisas totalmente diferentes da nossa. ´Vão direitas ao fim, pelo caminho mais curto, porque fixam geralmente os olhares no que têm mais à mão. Nós, pelo contrário, não vemos o que nos salta aos olhos, e vamos procurar muito mais longe; precisamos que nos levem a uma maneira de ver mais simples e mais rápida. Acrescente-se ainda que as mulheres têm decididamente um espírito mais ponderado, e só vêem nas coisas o que nelas há realmente; ao passo que nós, impelidos pelas paixões excitadas, aumentamos os objetos e representamos quimeras.»

«As próprias aptidões naturais explicam a piedade, a humanidade, a simpatia que as mulheres testemunham aos desgraçados, ao passo que são inferiores aos homens no que respeita à equidade, à retidão e à escrupulosa probidade. Devido à fraqueza da sua razão, tudo o que é presente, visível e imediato, exerce sobre elas um domínio contra o qual não conseguiriam estabelecer as abstrações, nem as máximas estabelecidas, nem as resoluções enérgicas, nem consideração alguma do passado ou do futuro, do que está afastado ou ausente. Possuem da virtude as primeiras e principais qualidades, mas faltam-lhe as secundárias e acessórias...

 «Assim a injustiça é o defeito capital dos temperamentos femininos. Isto resulta da falta de bom senso e de reflexão que apontamos; e o que agrava ainda este defeito, é que a natureza, recusando-lhes a força, deu-lhes a astúcia para lhes proteger a fraqueza; daí a sua instintiva velhacaria e a invencível tendência para a mentira.» (...)

«Deste defeito fundamental nascem a falsidade, a infidelidade, a traição, a ingratidão, etc.»

(Schopenhauer, Ensaio acerca das mulheres, in Metafísica do amor, páginas 74-77; o negrito é posto por mim).

 

Este texto de Schopenhauer, extraordinariamente interessante e polémico, faz estremecer de indignação o universo feminino libertário e demo-liberal atual que faz passar as ideias de que «as mulheres são mais inteligentes do que os homens» e de que «quase não houve mulheres filósofas consagradas nos séculos que transcorreram porque a educação literária e a escolaridade eram praticamente só reservadas aos homens.»

 

 

 

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