Artur Schopenhauer( Danzig, 22 de Fevereiro de 1788 — Frankfurt, 21 de Setembro de 1860) que se considerava um discípulo de Kant, admitiu, tal como este, que o espaço e o tempo são formas a priori da consciência humana. Mas extrinsecou espaço e tempo e matéria, do sujeito, para Schopenhauer incognoscível, ao passo que Kant manteve o espaço, o tempo e a essência dos fenómenos dentro do espírito do sujeito, como partes sensíveis deste. Schopenhauer escreveu:
«Aquele que conhece tudo e não é conhecido por ninguém é o sujeito. Ele é o sustentáculo do mundo, a condição sempreeternamente pressuposta de tudo quanto se manifesta, de todo o objecto. Pois tudo quanto existe está aí só para o sujeito.» (...)
«Assim pois o mundo como representação, único aspecto que consideramos aqui, tem duas metades essenciais, necessárias e inseparáveis. Uma é o objecto, cuja forma é o espaço e o tempo, e através da dita forma a pluraridade. Mas a outra metade, o sujeito, não se acha no espaço e no tempo, pois essa metade está inteira e indivisível em cada ser que tem representações; daí que um só de tais sujeitos complete com o objecto o mundo enquanto representação tão cabalmente como qualquer outro dos milhões de sujeitos existentes e, ao desaparecer cada um de tais sujeitos, desaparece também então o mundo enquanto representação. Estas metades são inseparáveis inclusive para o pensamento, pois cada uma delas só tem significado e existência por e para a outra, coexistindo e desaparecendo com ela. Delimitam-se imediatamente e ali onde começa o objecto cessa o sujeito . A comunhão de tais limites mostra-se em que as formas essenciais e e por isso gerais de todo o objecto, que são espaço, tempo e causalidade, também podem ser encontradas e cabalmente reconhecidas a partir do sujeito, sem conhecimento do próprio objecto, quer dizer, que com a linguagem de Kant as ditas formas se acham a priori na nossa consciência. Ter descoberto isso é um mérito capital e enorme de Kant.»
(Schopenhauer, El mundo como voluntad y representación, Alianza Editorial, pag 116-117 ; o destaque a negrito é posto por nós).
Schopenhauer afasta-se de Kant ao considerar que sujeito e objecto são duas metades iguais, correlatas, que se fundem na representação (imagem, ideia, juízo, raciocínio). Mas Kant, que dava dois sentidos diferentes à palavra objecto - o objecto metafísico, real, ou númeno, como Deus, liberdade; o objecto físico, irreal, ou fenómeno como montanha, rio - não pensava que objecto físico (casa, cão, nuvem, corpo humano, etc.) e sujeito estivessem num plano de igualdade e de geração mútua como Schopenhauer fenomenólogo. Kant achava que o objecto fenómeno estava dentro da sensibilidade do sujeito era uma criação desta com as ferramentas do espaço (extensão, formas geométricas) e do tempo (duração, simultaneidade, sucessão).
Kant escreveu:
«Assim quando separo da representação de um corpo o que o entendimento pensa dele, como seja substância, força, divisibilidade, etc., e igualmente o que pertence à sensação como seja impenetrabilidade, dureza, cor, etc, algo me resta ainda dessa intuição empírica: a extensão e a figura. Estas pertencem à intuição pura, que se verifica a priori no espírito, mesmo independentemente de um objecto real dos sentidos ou da sensação, como simples forma da sensibilidade».
(Immanuel Kant, Crítica da Razão Pura, Fundação Calouste Gulbenkian, pág. 62)
Este trecho revela o construtivismo idealista de Kant: o objecto, como por exemplo uma pedra, só possui a forma a priori, uma forma fantasmagórica de linhas, e a dureza, impenetrabilidade, a cor são invenções da nossa subjectividade e está dentro do espaço que é a parte externa da sensibilidade do sujeito (se este morrer o cosmos inteiro que é a sua mente com as galáxias e o sistema solar desaparece).
Ao postular no texto acima que «Mas a outra metade, o sujeito, não se acha no espaço e no tempo, pois essa metade está inteira e indivisível em cada ser que tem representações», Schopenhauer afasta-se do idealismo de Kant, pois este apresenta o espaço e o tempo como componentes essenciais do sujeito, como as formas a priori da sensibilidade dentro das quais se gera o universo inteiro visível e palpável.
KANT E FICHTE POSTULAVAM O SUJEITO COMO CRIADOR, CAUSA, DO OBJECTO FÍSICO, SCHOPENHAUER NÃO
Schopenhauer esforçou-se por isolar a teoria de Fichte, neo kantiano que apenas divergia de Kant por suprimir o númeno ou objecto metafísico incognoscível, da teoria de Kant. Mas Fichte é mais fiel a Kant do que Schopenhauer. Este, que pretende ter sido o primeiro a colocar como base da filosofia a representação, em vez do dualismo sujeito-objecto, escreveu:
«Costuma cometer-se um grande erro ao acreditar que, como a intuição está mediada pela conhecimento da causalidade, a relação entre sujeito e objecto consiste na de causa e efeito, quando mais precisamente essa relação só tem lugar entre o objecto mediato e o mediatizado, portanto sempre entre dois objectos. Neste falso pressuposto se baseia precisamente a néscia polémica sobre a realidade do mundo exterior, na qual se enfrentam o dogmatismo e o cepticismo, apresentando-se o primeiro umas vezes como idealismo e outras como realismo. O realismo coloca o objecto como causa e o seu efeito no sujeito. O idealismo fichteano converte o objecto em efeito do sujeito».
(Schopenhauer, El mundo como voluntad y representación, Alianza Editorial, pag 128 ; o destaque a negrito é posto por nós).
www.filosofar.blogs.sapo.pt
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Livraria online de Filosofia e Astrologia Histórica