Sigmund Freud, ( Freiberg in Mahren, antigo império austríaco, 6 de Maio de 1856; Londres, 23 de Setembro de 1939), um dos pensadores mais geniais da história da filosofia, escreveu:
«Tabu é uma palavra polinésia cuja tradução se nos torna difícil porque já não possuímos a correspondente noção. (...)»
«Para nós, o tabú apresenta dois significados opostos: o de sagrado ou consagrado e o de inquietante, perigoso, proibido ou impuro. Em polinésio, o contrário de tabu é noa, ou seja, o ordinário, o que é acessível a todo o mundo. O conceito de tabu acarreta pois, uma ideia de reserva, e com efeito, o tabú manifesta-se essencialmente em proibições e restrições. A nossa expressão «temor sagrado» apresentaria em muitas ocasiões um sentido coincidente com o de tabu.»
«As restrições tabús são algo muito distinto das proibições puramente morais e religiosas. Não emanam de nenhum mandamento divino, mas extraem de si próprias a sua autoridade. Distinguem-se especialmente, das proibições morais por não pertencer a um sistema que considere necessárias em um sentido geral as abstenções e fundamente tal necessidade. As proibições tabus carecem de todo o fundamento. Sua origem é desconhecida. Incompreensíveis para nós, parecem naturais àqueles que vivem sob o seu império.» ( Sigmund Freud, Tótem y Tabú, Alianza Editorial, Madrid, pp. 31-32; o destaque a bold é sobreposto por nós).
E Freud cita Northcote W Thomas no seu artigo sobre tabu na Enciclopédia Britânica:
«O tabu supõe-se emanado de uma especial força mágica inerente a certos espíritos e pessoas e suscetível de transmitir-se em todas as direções, por uma mediação de objectos inanimados.»
Referindo-se a essa força mágica teorizou Freud:
«São qualificados de tabú todos os lugares, pessoas, objectos e estados que acarretam a misteriosa propriedade antes exposta ou são fonte dela. Igualmente, as proibições baseadas nela, e por último, conforme ao sentido literal da palavra, tudo aquilo que é sagrado ou superior ao nível vulgar, e simultaneamente perigoso, impuro e inquietante».
(Sigmund Freud, Tótem y Tabú, Alianza Editorial, Madrid, pág 36; o destaque a bold é sobreposto por nós).
Wundt sustentou que o tabu resulta da crença dos povos primitivos em forças demoníacas mas Freud discordou:
«Explicar assim o tabu não é remontar até às próprias fontes do seu conceito e mostrar as sus raízes últimas. Nem o medo nem os demónios podem ser considerados em psicologia como causas primeiras, mais além das quais seja impossível remontar. Outra coisa sería se os demónios tivessem existência real; mas sabemos que não são - como tão pouco os deuses - senão criações das forças psíquicas do homem. Tanto uns como outros surgiram de algo anterior a eles.» (Sigmund Freud, Tótem y Tabú, Alianza Editorial, Madrid, pp. 39-40; o destaque a bold é sobreposto por nós).
O TABU DOS MORTOS INCLUI A MUDANÇA DE NOMES
Nos povos primitivos, há o tabu referente aos mortos, encarados como espíritos diabólicos que se querem vingar dos vivos.
«
O tabu inclui não pronunciar o nome dos defuntos ao menos durante um longo período de luto. Freud resume assim as investigações de vários antropólogos sobre esse tema.
«Um dos costumes tabús mais singulares, mas também mais instrutivos, entre as que se referem ao luto dos primitivos, consiste na proibição de pronunciar o nome do morto. (...)
«Durante os sete anos que o missionário Dobrizhofer passou entre os abipões do Uruguai, mudaram por três vezes o nome do jaguar, do crocodilo, das espinhas e do sacrifício dos animais. Este horror a pronunciar um nome que pertenceu a um defunto estende-se como em ondas concêntricas e faz que se evite falar de tudo aquilo em que o morto interveio, processo de repressão que traz consigo a grave consequência de privar estes povos de tradição e de recordações históricas, dificultando assim enormemente a investigação da sua história primitiva. Contudo, alguns adoptaram costumes compensadores. Uma delas consiste em ressuscitar o nome dos mortos depois de um longo período de luto, dando-os aos recém nascidos, aos quais então se considera como reencarnações de aqueles».
(Sigmund Freud, Tótem y Tabú, Alianza Editorial, Madrid, pp. 78-80; o destaque a bold é sobreposto por nós).
PARALELISMO ENTRE OS TABUS DOS PRIMITIVOS COMO AS OBRIGAÇOES DO REI E A NEUROSE OBSESSIVA
Freud salientou o paralelismo entre a atitude dos selvagens face aos seus reis e a neurose obsessiva da criança que admira e odeia secretamente o pai. Os reis são temidos pois se crê possuirem poderes mágicos, são protegidos pelo povo, dentro de certos moldes, e ao mesmo tempo exige-se-lhes que cumpram um protocolo tabu, cheio de restrições. Freud escreveu:
«Alguns dos tabus a que são submetidos os reis bárbaros recordam as restrições impostas aos homicidas. Em Shark Point, perto do Cabo Padrão na Baixa Guiné (Oeste Africano) um rei sacerdote, Kukulú, vive só em um bosque. Não pode tocar nenhuma mulher nem a sua casa, nem levantar-se do seu trono, sobre o qual dorme sentado. Se se deitasse, deixaria de soprar o vento, perturbando a navegação. A sua função consiste em apaziguar as tempestades e cuidar em geral da manutenção do estado normal da atmosfera.»
(Sigmund Freud, Tótem y Tabú, Alianza Editorial, Madrid, pp. 69-71; o destaque a bold é sobreposto por nós).
Quanto maior é a veneração aos reis sacerdotes e maior é o poder social destes maior é a vigilância (hostilidade disfarçada) dos membros da tribo face a eles e maior é a punição que recairá sobre os reis caso transgridam as normas. Prossegue Freud:
«Concede-se aos soberanos grandes prerrogativas paralelas às prescrições tabus impostas aos homens vulgares. São personagens privilegiados, têm direito a fazer o que aos demais está proibido e a gozar daquilo que aos demais é inacessível; mas a mesma liberdade que se lhes reconhece acha-se limitada por outros tabus, que não pesam sobre os indivíduos ordinários.» (...)
«Submetendo à análise a situação atrás descrita, como se se tratasse do quadro sintomático de uma neurose, deter-nos-emos a princípio no excesso de inquieta solicitude que encontramos no fundo do cerimonial tabu. Um tal excesso de carinho é um fenómeno corrente na neurose, sobretudo na neurose obsessiva, escolhida por nós como termo de comparação, e a sua origem chegou a fazer-se-nos perfeitamente compreensível. Este excesso aparece sempre naqueles casos em que junto ao carinho predominante existe uma corrente contrária, inconsciente, de hostilidade, ou seja, sempre que nos encontramos ante um caso típico de ambivalência afectiva. A hostilidade fica então afogada por um desmesurado aumento de carinho, o qual se manifesta em forma de angustiosa solicitude e se faz obsessivo, pois de outro modo não seria capaz de cumprir a sua função de manter reprimida a corrente contrária inconsciente. Todos os psicanalistas comprovaram com que segurança se pode descompor sempre deste modo, a ternura exageradamente apaixonada e inquieta, mesmo naquelas circunstâncias que a tornam mais inverosímil, por exemplo nas relações entre mãe e filho ou entre cônjugues muito unidos. »
(Sigmund Freud, Tótem y Tabú, Alianza Editorial, Madrid, pp. 69-71; o destaque a bold é sobreposto por nós).
No entanto, há diferenças importantes entre o tabu dos primitivos e a neurose obsessiva. Escreve Freud:
«A trangressão de um tabu tem por sanção um castigo, quase sempre uma grave enfermidade ou a morte. Só aquele que se fez culpado de uma tal trangressão é ameaçado por este castigo. Na neurose obsessiva sucedem as coisas de modo muito distinto. Quando o doente se acha a ponto de levar a cabo algo que lhe está proibido, teme o castigo, mas não para si mesmo, mas para outra pessoa sobre a qual o doente não nos dá nenhum dado preciso, mas que na análise revela ser uma daquelas que lhe são mais próximas e queridas. A neurose comporta.se, pois, nesta ocasião, de um modo altruísta, e o primitivo de um modo egoísta.»
(Sigmund Freud, Tótem y Tabú, Alianza Editorial, Madrid, pág 99; o destaque a bold é sobreposto por nós).
O TABU NASCE DA AMBIVALÊNCIA AFECTIVA, DE AMAR E ODIAR UM MESMO OBJECTO OU ENTE
O tabu, segundo Freud, nasce de uma ambivalência afectiva existente tanto nos povos primitivos como nos neuróticos obsessivos dos dias de hoje. É a dualidade e não a unidade monolítica que está na essência do ser humano e dos sentimentos. Freud diz que quando morre uma pessoa os familiares experimentam inconscientemente uma alegria por essa morte e temor ou remorsos a respeito do morto por quem sentiam carinho:
«Comprovamos assim, uma vez mais, que o tabu nasceu no terreno de uma ambivalência afectiva. Também o tabú dos mortos procede de uma oposição entre a dor consciente e a satisfação inconsciente ocasionados pela morte. Dada esta origem da cólera dos espíritos, compreende-se que sejam os sobreviventes mais próximos do defunto e aqueles a quem este mais quis os que devem temer, sobretudo, o seu rancor. »
(Sigmund Freud, Tótem y Tabú, Alianza Editorial, Madrid, página 88; o destaque a bold é sobreposto por nós).
Assim, a fonte dos tabús é o instinto de preservação da vida própria e alheia, instinto que se opõe ao insinto de morte ou pulsão de Tanatos existente no inconsciente de cada um. Para Freud os Dez Mandamentos e outras proibições de teor religioso, o tabu, são defesas contra o instinto de matar existente no inconsciente dos seres humanos:
«Tendo reconhecido que as proibições obsessivas de alguns neuróticos não são senão precauções e castigos que os doentes infligem a si mesmos porque sentem com acrescentada energia a tentação de matar, poderemos voltar a aceitar de novo a proposição formulada, isto é, a de que sempre que existe uma proibição deveu-se a ser motivada por um desejo, e admitiremos que esta tendência para matar existe realmente no inconsciente e que o tabu, como o mandamento moral, longe de ser supérfluo, explica-se e justifica-se por uma atitude ambivalente a respeito do impulso para o homicídio. (Sigmund Freud, Tótem y Tabú, Alianza Editorial, Madrid, pag 97; o destaque a bold é sobreposto por nós).
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