Sábado, 14 de Dezembro de 2013
Confusões de Adela Cortina: o absurdo da divisão das éticas em deontológicas e teleológicas, em de móbiles e de fins

 

Os catedráticos de filosofia, como Adela Cortina e tantos outros,  costumam dividir as éticas em deontológicas e teleológicas. Esta distinção é absurda: deontologia é uma das faces da ética, a face dos deveres e das regras a cumprir; teleologia é outra face da ética, a face das finalidades, do objectivo da acção moral. A ética de Kant é apresentada como «deontológica», a de Aristóteles como «teleológica», etc. Ora, na verdade, todas as éticas são deontológicas e teleológicas em simultâneo. Excepto, talvez, a ética que se resume a isto: «Faz o que te apetecer!». Esta ética possui um télos - a satisfação do ego do sujeito - e poderá, encapotadamente, albergar uma deontologia ao sabor da subjectividade de cada um: alguns, de tendência criminosa, preencherão a máxima «Faz o que te apetece, inclusive roubar e matar pessoas!» , outros aplicarão a máxima «Faz o que te apetece, excepto matar, roubar e violar».

 

A ética de Aristóteles, que Adela classifica como «ética de fins»,  é deontológica e teleológica, em simultâneo: deontológica porque incita a cumprir deveres, a ser virtuoso e a virtude é um hábito que é o meio termo entre dois vícios, teleológica porque visa a felicidade do indivíduo no quadro do bem-estar geral da sociedade. A ética de Stuart Mill, que Adela classifica como «ética de móbiles», é deontológica e teleológica, em simultâneo: deontológica porque incita a cumprir deveres, como o de proporcionar a felicidade à maioria das pessoas através de métodos moralmente aceitáveis, teleológica porque visa a felicidade dos indivíduos no quadro do bem-estar geral da sociedade

Adela Cortina escreve:

 

«Falar de um télos aristotélico não é aceitável, porque supõe adentrar-se numa presumível essência do homem. Sem embargo, a tendência ao prazer é observável, controlável e computável, e uma moral consagrada aos factos não tem mais que desejar. Com tudo isto, pretende-se apresentar o hedonismo como uma "ética de fim dominante"  que pretende reduzir todos os possíveis fins  a um só e como um teleologismo naturalista, que identifica tal fim com um natural: o prazer.» (Adela Cortina, Ética sem moral, Editorial Tecnos, Madrid, pag. 89)

 

Ética de fim dominante? Expressão ambígua. E o cristianismo ou o catolicismo genuínos que reduzem tudo ao fim da salvação da alma através da oração e de uma vida de sacrifício não será uma "ética de fim dominante", a salvação não hedonista do eu superior?

 

A ÉTICA DE NIETZSCHZE NÃO É TELEOLÓGICA?

 

Escreve Adela Cortina sobre a ética de Aristóteles, que classifica como "ética de fins", e a ética de Nietzshe:

 

«Apesar do empenho de Aristóteles em negar gradação às características essenciais, a ética de fins corre o risco de cair em uma moral das excelências inclusive essenciais. Neste sentido, e apesar do seu radical repúdio da teleologia, que impede considerar a ética nietzschiana como uma ética de fins, Nietzsche destaca, sim, uma qualidade humana - a capacidade criadora, cujo cultivo pode levar inclusive ao super-homem - A ética aristotélica, e a nietzschiana, coincidiriam nesse sentido.»

(Adela Cortina, Ética sem moral, Editorial Tecnos, Madrid, pág 50; o destaque a negrito é posto por mim)

 

Nietzschze repudiava radicalmente a teleologia, como sustenta Adela? Não é verdade. O super-homem é um alvo teleológico da humanidade triunfante segundo Nietzsche. A teleologia inscrita na ética de Nietzsche é o regresso ao reino da aristocracia greco-romana antiga, dos valores «autênticos», em que os senhores eram semideuses e fruiam a felicidade possível, governando, sem misericórdia nem princípios democráticos, a plebe (conjunto de classes desde a burguesia até aos escravos). E quanto à «capacidade criadora» exaltada por Nietschze que leva à condição de super-homem, não esqueçamos que era, em si mesma, uma capacidade destruidora da dignidade de outros seres humanos: os democratas humanistas, o proletariado, os escravos. O super-homem só existe na medida em que existe o infra-homem

 

A FALACIOSA DISTINÇÃO ENTRE ÉTICAS DE MÓBILES E ÉTICAS DE FINS

 

Adela Cortina sustenta a divisão das éticas em dois tipos: éticas de móbiles e éticas de fins.

 

«As éticas de móbiles investigam empiricamente as causas das acções; pretendem descobrir quais são os móbiles que determinam facticamente a conduta humana. O bem ou fim moral consiste para elas em satisfazer estas operações fácticas, que uma investigação psicológica pode descobrir. Este tipo de éticas costuma surgir do afã de recorrer a factos constatáveis como fundamento da moral, fugindo das explicações metafísicas ou transcendentais. (...)»

«Entre as éticas de móbiles caberia considerar como paradigmáticas o epicurismo, parte da sofística, e as distintas versões do hedonismo, muito especialmente a versão utilitarista. Os problemas que este tipo de éticas coloca resumem-se fundamentalmente na dificuldade que para uma fundamentação do moral supõe o subjectivismo dos móbiles».

(Adela Cortina, Ética sem moral, Editorial Tecnos, Madrid, pág 47; o destaque a negrito é posto por mim).

 

Adela aponta o subjectivismo como o defeito das "éticas de móbiles". E  contrapõe a estas as "éticas de fins" que veiculariam objectivismo:

 

«As éticas de fins, por seu lado, superariam tais dificuldades, consciente ou inconscientemente, tratando de investigar, não tanto o que move de facto os homens a agir, mas sobretudo em que consistem o aperfeiçoamento e a plenitude humanas. (...)

«Nas éticas de fins poderíamos incluir Platão, Aristóteles ou os estóicos, naquilo que se refere ao mundo antigo, e as correntes que restauraram este tipo de éticas, tanto na Idade Média como na Contemporânea. As suas grandes vantagens consistem em poder pretender objectividade para o conceito de bem e fim que propõem, bem e fim ligado ao querer dos sujeitos, enquanto supõe o aperfeiçoamento para o qual a sua essência tende, e em iludir a falácia naturalista porque o "é" de que se deriva um "deve" não é empírico, mas já normativo.»

(Adela Cortina, Ética sem moral, Editorial Tecnos, Madrid, pág 48; o destaque a negrito é posto por mim)

 

Dividir as éticas em éticas de móbiles e éticas de fins é como dividir os automóveis em dois tipos: automóveis de motores e automóveis de volantes (o volante, enquanto manobrado, indica o fim geográfico a que o carro se dirige). É uma distinção artificial porque, tal como os motores existem em todos os automóveis que circulam,  os móbiles existem em todas as éticas, podendo ser mais ou menos explícitos. Por exemplo, a ética freudiana cujo fim consiste em desfrutar a vida, em particular a sexualidade, nos marcos de uma sociedade liberal de matriz cristã que condena a homossexualidade, investiga os móbiles da acção humana: o Eros polimorfo que se desenvolve em várias etapas e o super-ego que o condiciona ou contraria, influenciado pelo princípio de ética freudiana.

 

Também a ética platónica, cujo fim consiste em realizar a areté (virtude) própria de cada pessoa e estrato social - o fim do filósofo é apreender a verdade noética (o Bem, o Belo, o Justo, etc) e fazer leis justas para o governo da pólis; a finalidade do artesão é fabricar bons objectos e vendê-los a preço justo - e cujos móbiles são as três partes da alma humana, o Nous, ou razão superior, o Tymus, ou coragem e valor militar, e a Epytimia, ou desejos e prazeres do ventre, é uma ética simultaneamente de móbiles e de fins.

 

 

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Terça-feira, 3 de Março de 2009
Procedimentalismo opõe-se a Formalismo e a Substancialismo Éticos? (Sobre um livro de Adela Cortina)

No seu livro «Ética sin moral», na busca de sistematizações conceptuais perfeitas, a filósofa espanhola Adela Cortina joga com três conceitos num mesmo plano da ética: formalismo, procedimentalismo e substancialismo.

 

«Contamos - dirá Habermas - com teorias da justiça construídas procedimentalmente que, situadas na tradição kantiana, dão maior credibilidade ao ponto de vista defendido: o neocontratualismo rawlsiano, «decisionista» em excesso, no parecer de Habermas; a kolhbergiana teoria do desenvolvimento da consciência moral, suficientemente «empática» para o gosto habermasiano por servir-se da assunção do papel, e a ética discursiva, que se sente mais próxima de Kant por nos apetrechar de um proceder argumentativo na formação racional da vontade, mas que acredita superar Kant porquanto a universalidade proposta é procedimental e não meramente formal. Nestas três posições demonstra-se que o direito procedimental e a ética postconvencional remetem um para o outro, evitando os inconvenientes do jusnaturalismo material.»

(Adela Cortina, Ética sin moral, Tecnos, Madrid, pags 176-177, traduzido do castelhano e destacado em negrito por nós)

 

Neste texto acima, a autora opõe o procedimental ao formal, atribuindo este a Kant.

 

«Mas prescindir da bondade da intenção, desinteressar-se do que faz moralmente bom um móbil - que o converte em móbil moral - e deslocar o interesse ético exclusivamente para o que faz correcta uma norma situa - no meu parecer - a ética e a moral num lugar bem precário. Parece que a interioridade do formalismo não se supera, conservando-a, mas se abandona em proveito da exterioridade do procedimentalismo.» (Adela Cortina, Ética sin moral, pags 191-192).

 

Neste segundo texto, Adela Cortina opõe o formalismo, pelo seu interiorismo, isto é por nascer e se mover na pura subjectividade de cada um - como é o caso de Kant, cuja ética autoriza a formação de imperativos categóricos contrários entre si, segundo os indivíduos, como por exemplo: «Dá sempre esmola a um mendigo pois gostarias que tal fosse lei universal da natureza» e «Nunca dês esmola a mendigos pois isso suscita a indignidade humana» - ao procedimentalismo, que acaba por ser exteriorismo, uma vez que parte simultaneamente da esfera da reflexão interior e da esfera da interacção  exterior - como é o caso de Habermas, pensador misto de neomarxismo e neokantismo, com a sua ética procedimental do diálogo em que a autonomia de cada indivíduo se conjuga com a de outros.

 

A contradição surge, no entanto, na seguinte passagem do livro de Adela Cortina:

 

«É necessário, pois, pronunciar de novo o «zurück zu Kant - e recuperar - ainda que transformando-o - o procedimentalismo ético de Kant»  (Adela Cortina, Ética sin Moral, pags 219-220).

 

Mais acima, a ética de Kant era definida como formalismo e este indicado como oposto ao procedimentalismo. Agora, Kant é designado como procedimentalista. Há, pois, um deslizar na fixidez do conceito de procedimentalismo por parte de Adela Cortina.

 

O que é o procedimentalismo? Se não é um formalismo puro, será um formalismo, no que respeita a conteúdos de bens morais, adicionado a um substancialismo de regras de diálogo social?

 

«Sem embargo, as éticas deontológicas, procedimentalistas e de princípios, que vieram à luz através da Grudlegung e da Crítica da Razão Prática, mantêm hoje uma pujança não alcançada desde a época de Kant. Apesar das críticas procedentes do neoaristotelismo e do neohegelianismo; apesar dos ataques surgidos do neonietzschianismo , as éticas deontológicas e de princípios ocupam hoje um lugar privilegiado» .

«Sem embargo, no juízo dos neoaristótélicos, as éticas procedimentais fracassaram. No melhor dos casos, Charles Taylor concede que pode manter-se o potencial destas éticas, com tal que se reconstruam a partir de uma ideia do bom, com a qual se lograria mediar as éticas procedimentais com as substanciais.» (Adela Cortina,  Ética sin moral, Tecnos, pags 220-221).

 

Decerto, infere-se que o neoaristotelismo e o neohegelianismo são éticas substancialistas, ao passo que o kantismo não. Mas um problema permanece: formalismo é procedimentalismo? Em um trecho, Adela afirma que não, e em outro sustenta que sim.

 

Há, pois, uma contradição na sistematização de Adela, filósofa que, contudo, nos parece superior aos teóricos ingleses, australianos e norte-americanos da ética como James Rachels, Peter Singer, Michael Smith, Richard M.Hare e outros.

 

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Quinta-feira, 26 de Fevereiro de 2009
É claro distinguir entre éticas dos móbiles e éticas dos fins?

Certos autores, como Adela Cortina, estabelecem uma distinção entre éticas dos móbiles e éticas dos fins.

 

Escreve a filósofa espanhola:

 

«Tanto las llamadas "éticas de móviles" como las "éticas de fines" coinciden en considerar la naturaleza humana como pauta de la conducta. La diferencia entre ellas consiste en que acceden a tal naturaleza por diferentes métodos y la entienden, por tanto de modo diverso.»

«Las éticas de móviles investigam empiricamente las causas de las acciones; pretenden descubrir cuáles son los móviles que determinan fácticamente la conducta humana. El bien o fin moral consiste para ellas en satisfacer estas aspiraciones fácticas, que una investigación psicológica puede descubrir (...)

 

«Entre las éticas de móviles cabría considerar como paradigmáticas al epicureísmo, parte de la sofística, y las distintas versiones del hedonismo, muy especialmente la versión utilitarista. » (...)

«Las éticas de fines, por su parte, superarían tales dificultades, conscientemente o inconscientemente, tratando de investigar, no tanto qué mueve de hecho a los hombres a obrar, sino sobre todo en que consísten el perfeccionamiento y la plenitud humanas. El acceso a la naturaleza humana no es, pues, empírico, sino que se intenta llegar a la esencia del hombre.» (...)

«En las éticas de fines podríamos incluir a Platón, Aristóteles o los estoicos, en lo que al mundo antiguo se refiere, y a las corrientes que han restaurado este tipo de éticas, tanto en la Edad Media como en la Contemporanea. Sus grandes ventajas consisten en poder pretender objetividad para el concepto de bien y fin que proponen, bien y fin ligado al querer de los sujetos, en cuanto supone el perfeccionamiento al que su esencia tiende, y en eludir la falacia naturalista porque el «es» de que se deriva un «debe»no es empírico, sino ya normativo.»

(Adelia Cortina, Ética sin moral, Tecnos, ags 46-48; o negrito é nosso)

 

Em suma, seria a contradição entre éticas subjectivistas e empiristas- chamadas de «móbiles» ou agentes irracionais, sentimentais que impulsionam a acção - e éticas objectivistas e racionalistas- chamadas «éticas de fins», isto é, dotadas de modelos fixos e perfeitos, independentes da subjectividade, apreensíveis por via intelectual ou racional-sentimental.

 

Tenho relutância em aceitar esta dicotomia móbiles/fins.

No meu entender, não existe nenhuma ética que não seja teleológica. Há, sim, vários tipos de télos ou finalidades: um télos interior , um télos exterior, um télos interior-exterior.

Podemos considerar, por exemplo, a ética utilitarista destituída de fins, isto é, não teleológica? É óbvio que não. Os fins são a felicidade, directa ou indirecta, do maior número de pessoas a que uma acção diz respeito e essa felicidade é, em parte, traduzível em factos/valores objectivos, como por exemplo, levar comida de avião a uma população do terceiro mundo imersa em crise de fome.

 

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Quarta-feira, 25 de Fevereiro de 2009
A Ética como filosofia da Moral e a Ética sem Moral

Nem todos os autores identificam ética com moral.

Adela Cortina escreveu:

 

«Consiste la ética, a mi entender, en aquella dimensión de la filosofía que reflexiona sobre la moralidad; es decir, en aquella forma de reflexión y lenguaje acerca de la reflexión y el lenguaje moral, con respecto al que guarda la relación que cabe a todo metalenguaje con el lenguaje objecto. Esta relación afecta al status de ambos modos de reflexión y lenguaje, en la medida en que la moral, ligada inmediatamente a la acción, prescribe la conducta de modo inmediato, mientras que la filosofía moral se pronuncia canónicamente. Es decir, si la reflexión moral se elabora en lenguaje prescriptivo y evaluativo, la ética proporciona un canon mediato para la acción a través de un proceso de fundamentación de lo moral.»

 

«Y es que, a mi juicio, la ética no puede confundirse con el conjunto de normas y valoraciones generadas en el mundo social, ni tampoco con el tratamiento de tales normas y valoraciones podrían hacer las ciencias, que procederían intentio recta; la ética se situa en el nível reflexivo y autorreferencial del discurso filosófico.»

(Adela Cortina, Ética sin moral, Editorial Tecnos, Madrid, pags 29-30)

 

Assim, segundo Adela Cortina, Junger Habermas e outros, imediatez da moral e mediatez da ética seria um traço diferenciador entre ambas. A ética seria uma parte da filosofia mas a moral estaria fora desta, do mesmo modo que o direito ou a economia estão, na sua facticidade empírica e mesmo normativa, fora da filosofia, ainda que possuam raízes no interior do húmus filosófico.

Deste modo, a ética, que assenta na metaética (psicologia, sociologia, astrologia, antropologia, biologia, economia, etc) seria uma metamoral.

 

Mas poderia dar-se o caso de desaparecer um dos pólos da contradição moral-ética?

Adele Cortina parece responder afirmativamente a esta pergunta na introdução do seu livro:

 

«La pobre ética ha ido perdiendo sus antiguos supuestos - Ética sin metafísica llevaba por título el libro de G.Patzig; Ética sin religión, el de E.Guisán - y ahora se está viendo privada de su objecto. Por «pre», por «post», por pragmatismo o por afán de desorientada originalidad, nos estamos quedando sin moral. Y, lo que es todavía peor, posiblemente las mismas éticas modernas están contribuyendo a liquidarla.»

«Entusiasmados los utilitaristas con la idea de dar a la moral una base científica, piden en préstamo a la psicología un fin con el que adquirir un cierto barniz de cientificidad y también a la economía algun procedimiento calculador con el que computar utilidades. Pertrechados de su ábaco y de su fin, terminan en una especie de economia psicológica, que calcula ávidamente utilidades y recibe un fresco hálito de moralidad al tomar sigilosamente de las éticas de la justicia principios como el de imparcialidad». (Adela Cortina, Ética sin Moral, pags 20-21).

 

Estaríamos, pois, na época em que, supostamente devido ao predomínio da política e da ideologia de marketing e controlo de mentes através dos grandes mass media (televisão, radio, jornais, internet, cinema), a ética se transformou na filosofia da arte de comunicar e de viver parecendo moral sem o ser.

 

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Segunda-feira, 23 de Fevereiro de 2009
Pode o imperativo categórico justificar o terrorismo anti sistema?

Pode o imperativo categórico teorizado por Kant justificar a actividade terrorista anti sistema político-social? A meu ver, e no ver de outros, pode. No que teoriza como imperativo categórico, Kant postula fórmulas inconsistentes entre si.

O imperativo categórico idealizado por Kant é formal, isto é, abstracto, e autónomo, ou seja, variável de pessoa para pessoa, não imposto de fora à consciência. Ele diz: «Age como se quisesses que a tua acção fosse lei universal da natureza». Em termos populares: «Fazer o bem, sem olhar a quem; aplicar a lei, doa a quem doer».

 

Escreveu Adela Cortina:

«A priori, una moral universalista carece de límites, ya que desde el imperativo categórico todo puede ponerse en cuéstion; por tanto, también la acción política queda subordinada al juicio moral. Pero esta moralización del mundo político, puede favorecer actitudes terroristas, porque el terrorista, que se autocomprende como defensor último de la justicia, quererá realizar la libertad mediante la violencia directa: apelando a principios universales, practicará el "terror de la virtud"» (Adela Cortina, Ética sin moral, Editorial Tecnos, Madrid, 2008, pag 150).

 

Um terrorista da ETA pode matar guardas civis a partir do seguinte imperativo categórico por ele formulado: «Agirei como se quisesse que fosse lei universal o direito de todos os povos à autodeterminação, logo combaterei, com armas, pela independência do País Vasco, neutralizando ou executando todos os que se opuserem a isso, sejam guardas civis, juízes, deputados, governantes, ou até meus vizinhos, amigos e familiares.»

É isto um imperativo categórico? É, na medida em que se universaliza uma máxima, princípio moral subjectivo.

 

Kant escreveu:

«A lei moral é santa (inviolável). O homem não é certamente assaz santo, mas a humanidade deve ser para ele santa na sua pessoa. Em toda a criação, tudo o que se quiser e sobre que se tem algum poder pode também utilizar-se simplesmente como meio; unicamente o homem e, com ele, toda a criatura racional é fim em si mesmo». (Emanuel Kant, Crítica da Razão prática, Edições 70, pag 103)

 

A humanidade não é cada homem singular: é o conjunto de todos os homens. Por isso a santidade da humanidade, fim em si, sobrepõe-se à santidade de cada homem, fim em si. O terrorista não está moralmente inibido de matar alguns ao exercer a sua lei moral que «respeita a humanidade oprimida», isto é, a humanidade em geral, do mesmo modo que o soldado mata no campo de batalha guiado pelo imperativo categórico de «defender a pátria, mesmo à custa do sacrifício pessoal da vida».

 

Parece certo que Kant condenava o terrorismo, no seu imperativo categórico particular, gizado na mente de Emanuel Kant. Mas o princípio do imperativo categórico na sua primeira fórmula de universalizar a máxima de cada um, legado pelo filósofo pode ser aplicado com liberdade, até para fundar a acção terrorista, uma vez que é desprovido de conteúdo empírico.

 

Note-se que as fórmulas do imperativo categórico são inconsistentes entre si. A fórmula «Age como se a máxima da tua acção se devesse tornar, pela tua vontade, em lei universal da natureza» (Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, pag 59) é, em muitos casos incompatível com a fórmula «Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio.» (Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, pag 69). Esta última fórmula não é autónoma, mas heterónoma, porque nos força a considerar todas as pessoas como fins roubando-nos o poder de legislar moralmente.

 

Exemplo: um polícia dos grupos de operações especiais que tem por imperativo categórico «Age no sentido de defenderes todos os cidadãos honestos e pacíficos face ao crime organizado» ao abater a tiro um sequestrador armado que aponta a arma a um refém, deixa este livre ao considerá-lo como um fim mas não trata o sequestrador como um fim mas como um meio, a tal ponto que lhe rouba a vida. Viola, pois, o imperativo categórico na modalidade «Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio.»

 

 

Nota: No Centro de Formação Margens do Guadiana, com sede na Escola Secundária com 3º Ciclo Diogo de Gouveia, R. Luís de Camões, 708-508 BEJA (telefone: 284 328 063), estão abertas as inscrições para a acção de formação para professores de filosofia (Grupo 410) «A teoria geral dos valores e a Ética, na perspectiva do método dialéctico», equivalente a dois créditos, 50 horas de duração (50HP), CCPFC/ACC 52326/08 CF. O formador é o autor deste blog.

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