Eis um teste de filosofia gizado por quem não perfilha as erróneas tabelas de verdade da lógica proposicional, esse refúgio dos inaptos para pensar ontologia e metafísica.
Agrupamento de Escolas nº1 de Beja
Escola Secundária Diogo de Gouveia , Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 11º ANO TURMA A-D
30 de Janeiro de 2020. Professor: Francisco Queiroz
I
«Kant distinguiu o belo do sublime, e dividiu este último em três modalidades. Gaston Bachelard teorizou o ultra-objecto. O realismo crítico é uma modalidade do racionalismo.»
1)Explique estes pensamentos.
2)Relacione, justificando:
A) Falsificabilidade, princípio da testabilidade, corroboração e verificação na teoria de Karl Popper.
B) Impressões de sensação, impressões de reflexão, ideias e princípio da permanência em David Hume.
C) Objectividade extra anima, objectividade intra anima e subjectividade nas ciências.
D) Incomensurabilidade dos paradigmas segundo Khun e o anarquismo epistemológico de Feyerabend.
E) Os três níveis de um P.I.C. segundo Imre Lakatos e Acto e Potência em Aristóteles.
3)Onde parece haver maior sublimação: nas artes de Apolo ou nas artes de Diónisos (terminologia de Nietzsche)? Justifique.
CORREÇÃO DO TESTE COTADO PARA UM TOTAL DE 20 VALORES
1) Kant sustentou que o belo é pequeno, cheio de adornos, de encanto visual como um jardim com canteiros de flores multicolores, como o dia luminoso, como a mulher loura, como a lógica, como a juventude e o sublime é grande, grandioso, metafísico como um bosque alto de carvalhos, como a noite estrelada, como o homem moreno, como a filosofia metafisica, como a velhice. O sentimento do belo existe na faculdade do gosto que não é racional embora universal, existente em todas as pessoas. Kant preconizou haver três formas do sublime: o sublime terrível, como por exemplo, a visão de um vulcão a expelir lava ou de um precipício imenso; o sublime nobre, em que a grandeza se combina com a simplicidade, como uma igreja gótica vazia, sem altares doirados; o sublime magnífico em que a grandeza se mistura com riquezas materiais como um palácio com paredes de ouro ou a capela sistina do Vaticano. (VALE TRÊS VALORES).
2) A. Falsificabilidade na teoria de Popper significa duas coisas: o carácter duvidoso das teses das ciências, exceptuando as matemáticas, que embora aceites podem vir a revelar-se falsas; a capacidade de testar experimentalmente (princípio da testabilidade: procura-se mais a excepção do que a regra vigente) ou contestar com novas ideias essas ciências, que não passam de conjecturas, de modo a falsificá-las, substituindo-as por outras. Para Popper é impossível a verificação das teses de uma ciência porque é impossível estudar os milhões de exemplos possíveis (mesmo que se veja só 100 000 cisnes brancos e 20000 cisnes negros, estes últimos existentes na Austrália, nada garante que não existam cisnes de cor azul, é impossível verificar). Portanto, só é possível a corroboração isto é a confirmação de hipóteses com alguns exemplos («Corroboramos que no mundo só há cisnes brancos e cisnes negros»). (A RESPOSTA VALE TRÊS VALORES)
2)B. Em David Hume as impressões de sensação são as percepções empíricas em acto (ex: a laranja que estou a comer ), as impressões de reflexão são memórias das impressões de sensação (ex: lembro-me da laranja que comi), as ideias são cópias desbotadas dessas impressões (ex: a ideia de laranja, formada por abstração da memória). É graças ao princípio da permanência na memória e na imaginação que as ideias surgem e permanecem: a ideia de eu (ilusória), a ideia de alma (ilusória), a ideia de Alentejo e de Lisboa (realidades incognoscíveis em si, não sabemos se há mundo de matéria fora de nós). (VALE DOIS VALORES).
2)C. Objectividade extra anima é a realidade material exterior a nós, fora da alma (anima), patente aos olhos de todos ou quase todos (os cegos não vêem). Exemplo: «Olhem, ali está a ponte Vasco da Gama ligando Lisboa a Alcochete». Objectividade intra anima é a verdade comum consensuada entre um numero infinito de mentes mas não patente no exterior aos olhos de todos. Exemplo: «A matéria compõe-se de átomos, invisíveis. 7x8 é igual a 56». Subjectividade é a verdade íntima de cada um que pode ser considerada mentira por outros. Exemplo: «Sinto que Jesus está no meu quarto quando fecho os olhos e rezo». (VALE DOIS VALORES).
2) D. Incomensurabilidade dos paradigmas é a impossibilidade de medir, comparando-os, o valor de paradigmas (modelos científicos) opostos, no global. Assim não podemos saber se a concepção da Terra esférica é superior em valor à concepção da Terra plana, ainda que alguns possam dizer que a primeira é mais exacta porque assente em fotografias tiradas do espaço e a segunda é mais fecunda porque leva a inteligir o cosmos de outra maneira. Paul Feyerabend era anarquista epistemológico, destruía a hegemonia das ciências universitárias capturadas por grupos de cientistas e industriais interessados em lucros e financiamentos estatais: para ele tanto valia a medicina operando com raios laser como o jejum ou o uso adequado de plantas curativas das medicinas tradicionais sagradas. Neste ponto, equipara-se a Kuhn, ao nivelar os paradigmas, o antigo e o contemporâneo. (VALE DOIS VALORES).
2)E. Os três níveis de um programa de investigação científica (P.I.C) são para Imre Lakatos: o núcleo duro (hard core), isto é, as teses imutáveis de uma ciência (exemplo: a série de números vai de menos infinito a mais infinito); o cinto protector (protective belt), isto é, as teses susceptíveis de revisibilidade ou eliminação (exemplo: o Big Bang foi o começo de tudo); a heurística, o conjunto de métodos e técnicas de investigação experimental (exemplo: a observação por microscópio, por telescópio, por câmaras em drones, etc.). O acto é para Aristóteles a realidade de algo neste momento e a potência é a realidade futura previsível ou imprevisível. O núcleo duro é só acto, o cinto protector é acto e potência (VALE TRÊS VALORES).
3) As artes plásticas - pintura, escultura, arquitectura - são do deus Apolo, deus da ordem e da beleza solar serena, segundo Nietzsche, e as artes não plásticas - música, dança, poesia, teatro - sáo de Diónisos, deus da desordem, das paixões, da embriaguez. Sublimação é espiritualização de um instinto, de uma energia sexual reprimida ou de violência destruidora reprimida. A resposta à questão é variável: pode considerar-se que nas artes de Apolo, caracterizadas por imobilidade e perfeição visual, a sublimação é maior ou também se pode considerar que nas artes dionisíacas como a música ou a poesia a sublimação dos instintos é mais forte que nas apolíneas. (VALE DOIS VALORES).
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O presente teste de filosofia centra-se nas rubricas do programa de Filosofia do 10º ano de escolaridade «1.1 O que é a filosofia», «1.2. Quais são as questões da filosofia», do módulo I- nas quais se incluem as noções de realismo e idealismo, os conceitos aristotélicos de tó ón e tó tí, a teoria do acto a teoria dos três mundos, das três partes e as doutrinas da participação e ascese em Platão, as noções aristotélicas de hylé, eidos e proté ousía - e na rubrica 1.2 «Determinismo e liberdade na acção humana» do módulo II do programa, na qual se inclui a noção de fatalismo.
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Agrupamento de Escolas nº 1 de Beja
Escola Secundária Diogo de Gouveia , Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 10º ANO TURMA A
6 de Novembro de 2013. Professor: Francisco Queiroz
I
«O idealismo ontológico opõe-se ao realismo ontológico e considera-se, em regra, que isso não é do domínio da ética nem da estética. Em filosofia, há pelo menos dois sentidos da palavra «ser»: o tó on e o tó tí, dos gregos.»
1) Explique, concretamente, este texto.
2) Relacione, justificando:
A) As três partes da alma e os três estratos sociais da pólis, em Platão.
B) O processo de constituição dos entes individuais (árvores, cavalos, etc.) segundo Platão e segundo Aristóteles.
C) Fatalismo e teoria do acto e da potência.
D) A percepção empírica, o conceito e o juízo.
E) A teleologia e os movimentos dos corpos nas duas regiões do cosmos aristotélico.
CORREÇÃO DO TESTE, COTADO EM 2O VALORES
1) O idealismo ontológico é a doutrina que sustenta que o mundo material não é real em si mesmo mas é um conjunto de percepções sensoriais e ideias dentro da imensa mente do sujeito humano e o realismo ontológico é a doutrina segundo a qual o mundo material é independente das mentes humanas, real em si mesmo. É usual considerar que isto não é domínio da ética, doutrina do bem e do mal, do justo e do injusto, nem do domínio da estética, doutrina do belo e do feio, do sublime e do horrível. (VALE TRÊS VALORES). O tó on é o ente, algo que existe, «o que é», o quod. O tó tí é a forma, essencial ou acidental, «o quê-é», o quid: o cavalo distingue-se de árvore porque possuem tó tís diferentes (VALE DOIS VALORES).
2) A) A correspondência entre a alma humana e a pólis ou cidade-estado grega é a seguinte: o Nous, ou razão intuitiva, que apreende a verdade dos arquétipos, equivale à classe dos filósofos-reis, um grupo de homens e mulheres, honestos e intelectualmente muito dotados, que vivem em comum numa casa do Estado, não formam casais fixos mas trocam de parceiro, de modo a não saber quem é o pai de cada filho, não possuem ouro e prata nem bens materiais e fazem as leis da cidade e emitem as ordens; o Tymus ou Tumus, coragem ou brio militar, equivale à classe dos guerreiros, um grupo de homens e mulheres com treino militar, que vivem em comum numa casa do Estado, não formam casais fixos mas trocam de parceiro, não possuem ouro e prata nem bens materiais e aplicam ao povo as leis e a justiça decretada pelos filósofos-reis, mantendo a ordem na cidade e prendendo os malfeitores; a Epytimia ou concupiscência, o conjunto dos prazeres da carne (comer e beber em excesso, adquirir e possuir ouro, prata, etc.,), que corresponde à população em geral, composta por classes ricas, médias e pobres, desde os proprietários de grandes terras e comerciantes, aos artesãos, servos e escravos. Esta população pode manipular ouro e prata mas não pode eleger os filósofos-reis e os guerreiros que a governam e julgam, os quais permanecem incorruptíveis. (VALE QUATRO VALORES).
2) B) Segundo Platão, a formação dos primeiros entes individuais ocorreu do seguinte modo: o demiurgo ou deus arquitecto, com a ajuda dos deuses do Olimpo, desceu à matéria informe, à chorá, e moldou nesta as árvores, as montanhas, os rios, os cavalos, os homens à semelhança dos arquétipos de árvore, montanha, rio, homem, etc.,.Segundo Aristóteles a formação dos primeiros entes individuais consiste na união da hylé ou matéria-prima universal indeterminada com as formas eternas e imóveis (eidos) de árvore, montanha, homem, etc, sem a intervenção de Deus, o pensamento imóvel, nem dos deuses. Assim se gera o indivíduo, a substância primeira ou proté ousía.(VALE TRÊS VALORES).
2) C) O fatalismo é a corrente que afirma que tudo está predestinado, não existe livre-arbítrio nem acaso . O acto é realidade presente de algo, a potência é o futuro previsível desse algo. Exemplo: uma semente de pinheiro é semente em acto e pinheiro grande em potência. Segundo o fatalismo, a potência está univocamente predestinada: só pode ocorrer de uma maneira, eliminando as outras hipóteses. A fatalidade predestina tanto o acto como a potência de cada coisa. (VALE DOIS VALORES)
2) D) A percepção empírica é um conjunto ordenado de sensações - exemplo: a visão e o cheiro da rosa diante de mós - e o conceito empírico é a ideia que se forma, por abstração, a partir de percepções similares - exemplo: a ideia de rosa que tenho, fechando os olhos ou não tendo nenhuma rosa diante de mim. O juízo é uma afirmação ou negação, ligando dois ou mais conceitos - exemplo: a rosa é vermelha e bela. (VALE DOIS VALORES)
2) E) A teleologia é a existência e o estudo das finalidades nos processos da natureza ou da supra-natureza. Na região inferior do cosmos aristotélico, isto é, no mundo sublunar de 4 esferas concêntricas, o télos ou finalidade do movimento dos corpos é regressar à origem do seu constituinte: por exemplo, a pedra lançada para a esfera do ar cai para a esfera da terra porque deseja voltar à origem. Na região superior do cosmos, isto é, no mundo das 54 esferas de cristal com astros feitos de éter incrustados, o télos do movimento circular dos planetas e estrelas, fazendo girar as respectivas estrelas, é (tentar) atingir Deus, que está além da última esfera de estrelas. (VALE TRÊS VALORES)
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
A analogia é, segundo Aristóteles, um nível transgenérico, superior aos géneros. Tal como o género, a analogia é um universal. A primeira analogia teorizada por Aristóteles é entre ser e uno.
Uno pode ser interpretado de duas maneiras diferentes: como quantidade, visão de Aristóteles, isto é acidente interno da substância (exemplo: «Esta árvore é una, é uma só»); como substância, visão de Platão, isto é ser-essência geral (exemplo: « O ser é o mundo dos arquétipos, englobando o Bem, o Belo, o Justo, o Uno, a Sabedoria»). Nesta óptica, Uno é adjectivo ou numeral em Aristóteles e substantivo em Platão.
«Ademais, mas em outro sentido, os princípios são os mesmos analogicamente: assim é com acto e potência, se bem que estes são também distintos, e de distintos modos, para coisas distintas. » (Aristóteles, Metafísica, livro XII, 1071 a, 1-5).
Acto e potência são análogos? Não serão espécies do género «modos de ser»? E as espécies são análogas entre si? Ou são genericamente unas?
«Ademais, ainda que as causas das substâncias o sejam de todas as coisas,sem embargo, como foi dito, as causas e os princípios são distintos para coisas distintas que não pertencem ao mesmo género - cores, sons, substância, qualidade - a não ser analogicamente.» (Aristóteles, Metafísica, livro XII, 1071 a, 25-30).
Cores e sons, em certo sentido, não pertencem ao mesmo género: cores e formas visíveis são espécies do género visão e sons e silêncio são espécies do género audição. Mas, na verdade, sendo árvore e homem espécies do género ser vivo, podemos detectar uma analogia de forma entre ambas: as raízes da árvore são análogas aos pés do homem, o tronco da árvore é análogo às pernas e ao tronco do homem, os ramos são análogos aos braços, a copa é análoga à cabeça. Assim, neste caso, a analogia instala-se no seio do género e não está acima dele.
Mas há, certamente, analogia entre géneros como, por exemplo, a analogia entre o género "ser" (ontologia) e o género "conhecer" (gnosiologia).
O SOL E A ECLÍPTICA, CAUSAS DO HOMEM, NÃO TÊM FORMA?
Como causas do homem, Aristóteles aponta os elementos, a forma ou essência, o pai e a mãe, o sol e a roda das constelações atravessada pela trajectória aparente do sol designada por eclíptica:
«Assim, do homem, são causa os elementos - fogo e água enquanto matéria - e a forma própria e também algum agente exterior como o pai; e além de tais coisas, o sol e a eclíptica, os quais não sendo matéria nem forma nem privação, nem sendo da mesma espécie são, sem embargo, produtores de movimento»
«Além do mais, há-de observar-se que algumas coisas podem enunciar-se universalmente, mas outras não. Os princípios imediatos de todas as coisas são o isto primeiro em acto e outra coisa que está em potência. Portanto, aqueles universais não existem, já que o indivíduo é princípio dos indivíduos.»
( Aristóteles, Metafísica, livro XII, 1071 a, 10-20; o destaque a bold é da minha autoria).
Nestes excertos, Aristóteles frisa a primazia do individual concreto sobre o universal. Ao dizer que os universais não existem, Aristóteles está a criticar a teoria das Ideias em Platão segundo a qual, por exemplo, a Ideia de Homem - uma forma imutável, eterna e perfeita de homem - existe separada, num mundo inteligível, supra-terreno.
Mas questionemos o que Aristóteles escreve sobre o sol. Este tem forma circular e matéria ígnea - aliás, matéria etérea ou quinta essência no sistema aristotélico, se não erro. Como pode Aristóteles negar forma ao sol? E como pode algo sem forma nem matéria produzir movimento, exceptuando Deus, o pensamento imóvel e eterno? E a eclíptica ou trajectória aparente do Sol não tem forma ou é uma forma sem matéria em permanente actualização?
Suponho que Aristóteles nega que o sol e a eclíptica tenham forma comum (eidos) ou essência mas não nega que possuam forma ou configuração individual.
É de salientar que ao dizer que o sol e a eclíptica são causas do homem e produtores do movimento Aristóteles pode estar a querer significar que há um determinismo astral, solar e zodiacal, na vida do homem: o nascimento, o crescimento, a estabilização na maturidade, do homem - e quiçá as suas acções ou grande parte destas - são geradas pelo movimento do sol na eclíptica e pelos graus desta (graus do Zodíaco).
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