No Manual Filosofia-10º ano, de Luís Rodrigues, lê-se:
«Durante a visita a um museu, um dos visitantes apercebe-se de que dois funcionários estão a ter dificuldades em mudar de lugar um quadro muito famoso e valioso. Imediatamente, apressa-se a ajudá-los, mas infelizmente tropeça num tapete e choca com um dos funcionários derrubando-o. O quadro cai com estrondo e fica muito danificado.»
«O visitante agiu com boa intenção mas as consequências da acção foram desastrosas. Será que podemos considerar a sua acção moralmente correcta, pois agiu com boa intenção, ou devemos considerá-la como moralmente incorrecta porque as consequências foram más? »
«A resposta de Mill seria que a acção foi moralmente incorrecta. Porquê? Porque segundo a sua perspectiva consequencialista um acto deve ser julgado pelas suas consequências. Se as consequências forem boas, a acção é boa; se forem más a acção é má». (Luís Rodrigues, Filosofia 10º ano, volume 1º, Plátano Editora, pag 194).
Será que Mill classificaria como «acção moralmente má» a intervenção desafortunada do visitante e o consequente dano material do quadro? Suponho que não. Luís Rodrigues atribui a Mill uma interpretação que não lemos nos textos deste filósofo inglês.
A acção involuntária de danificar o quadro não foi moralmente má: foi materialmente má. Eticamente, o comportamento do visitante desastrado é irrepreensível. E Mill dava importância ao motivo, que neste caso prepondera sobre o resultado da acção. Não há só um princípio - o resultado prático - na avaliação moral da acção. Há princípios secundários a levar em conta: os motivos, a intenção..
Stuart Mill escreveu:
«É uma estranha noção que o reconhecimento de um primeiro princípio é inconsistente com a admissão de princípios secundários. Informar um viajante sobre o seu destino final não implica proibir a utilização de marcos miliários e sinais pelo caminho. A proposição de que a felicidade é o fim e a meta da moralidade não significa que não tenha de ser estabelecida uma rota para esse objectivo, ou que as pessoas que o procuram não tenham de ser aconselhadas a tomar uma direcção em vez de outra.» (Stuart Mill, O utilitarismo, Gradiva, pag 73; o bold é nosso).
Se o utilitarismo visa maximizar o prazer dos agentes envolvidos na acção - e aparentemente estes são três: os dois empregados do museu e o visitante que os decidiu ajudar - então seria contra a moral utilitarista condenar o visitante, partindo do princípio que os empregados permanecem neutros quanto ao resultado da acção ( nem felizes, nem infelizes, conformados com a deterioração do quadro).
Reduzir o utilitarismo à tese de que «se as consequências forem boas, a acção é boa; se forem más a acção é má» é deturpar, em larga medida, o pensamento de Stuart Mill.
Nota: No Centro de Formação Margens do Guadiana, com sede na Escola Secundária com 3º Ciclo Diogo de Gouveia, R. Luís de Camões, 708-508 BEJA (telefone: 284 328 063), estão abertas as inscrições para a acção de formação para professores de filosofia (Grupo 410) «A teoria geral dos valores e a Ética, na perspectiva do método dialéctico», equivalente a dois créditos, 50 horas de duração (50HP), CCPFC/ACC 52326/08 CF. O formador é o autor deste blog.
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