Hessen, um erudito alemão nascido em 1889, professor na Universidade de Colónia, autor do tratado «Filosofia dos Valores» que ainda hoje inspira muitos autores de manuais de filosofia, escreveu sobre o relativismo axiológico:
«Esta validade dos valores é contudo negada pelo relativismo axiológico. Segundo esta doutrina, todos os valores são relativos. Aquilo que para uns é valor pode ser para outros desvalor. Não há valores objectivos nem absolutos». (Johannes Hessen, Filosofia dos Valores, Arménio Amado Editor, Sucessor, Coimbra 1980, pag. 95).
Há um erro de Hessen nesta definição. Relativismo opõe-se a absolutismo, sem dúvida, mas não se opõe directamente a objectivismo.
Para o relativismo, não há valores absolutos mas há valores objectivos, isto é, valores aceites de forma unânime por uma esmagadora maioria de indivíduos de uma comunidade ou civilização, num dado tempo.
O absolutismo estético dirá: «O ideal de beleza feminina é imutável, é o mesmo em todas as épocas, regiões do mundo e comunidades». É uma modalidade de objectivismo estético.
O relativismo estético - não interpretado como sujectivismo - dirá: «A loura actriz norte-americana Marilyn Monroe é um modelo de beleza feminina ideal para os homens nascidos no século XX mas não o será, certamente, para os nascidos no século XXI.». É outra modalidade de objectivismo estético - o valor de beleza de Marilyn é objectivo (universal) mas relativo a um tempo e a uma cultura masculina (a segunda metade do século XX).
Por conseguinte, há um relativismo axiológico objectivista ( exemplo, extraído da ideologia democrática não sexista do século XXI: « A mulher e o homem são absolutamente iguais em direitos políticos, jurídicos, económicos, culturais, religiosos, etc, e iguais em competências») e há um relativismo axiológico subjectivista ou intersubjectivista (exemplo, extraído da ideologia neonazi: «O holocausto de 6 milhões de judeus pelo nazismo na II Guerra Mundial não existiu, é uma invenção dos historiadores judeo-maçónicos»).
O manual português «Logos, Filosofia 10º ano», entre outros, participa do mesmo paralogismo de Hessen ao opor, como contrários absolutos, relativismo e objectivismo:
«...há fundamentalmente duas teorias axiológicas:
«O relativismo que defende que não é possível estabelecer uma verdade universalmente aceite para os juízos de valor.»
«O objectivismo que afirma que deve ser possível, pelo menos em princípio (mesmo que não na prática) atribuir verdade ou falsidade aos juízos de valor» (in Logos, Filosofia 10º ano, de António Lopes e Paulo Ruas, Consultor Científico: António Pedro Mesquita, Santillana-Constância Editora, Lisboa 2007, pag. 92).
A confusão é grande nestas definições. Ressalta aliás a vacuidade da definição de objectivismo: «deve ser possível atribuir verdade e falsidade aos juízos de valor». Mas isso faz igualmente o relativismo! Por exemplo, o relativismo atribui ao luto pela morte de alguém de avançada idade na ilha de Madagáscar um valor de alegria e de recompensa divina (os parentes cantam e dançam) e em Portugal um valor de tristeza (os parentes choram).
O relativismo deve ser dividido em sincrónico (relativismo espacial, geográfico e cultural no mesmo instante)e diacrónico (relativismo temporal diferido). Se é diacrónico - isto é os valores mudam com o tempo, são relativos a tempos diferentes - nada impede que, no mesmo ano, na mesma década ou século, os valores sejam universais, objectivos. Infelizmente, estas distinções não são feitas pelos manuais de filosofia nem por Hessen e outros teóricos.
Universalismo objectivista e relativismo não se contradizem em absoluto pois, neste caso, são duas faces da mesma moeda. Exemplo de relativismo diacrónico universalista e objectivista: «A verdade é relativa às épocas mas objectiva e universal dentro de cada uma. Assim, a revolução francesa de 1789-1795 é universal e objectivamente considerada a mais poderosa transformação social e política no planeta, nas primeiras décadas do século XIX, mas, 100 ou 120 anos depois, a revolução bolchevique de 1917 na Rússia é classificada universal e objectivamente como a mais poderosa transformação social e política na Terra».
Relativismo não se opõe a universalismo e a objectivismo. Opõe-se, sim, a absolutismo.
(Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
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