A Prova 714 de Exame Nacional de Filosofia, em Portugal, dada em 8 de Julho de 2020, enferma de graves erros teóricos. É indispensável mudar a equipa que elaborou esta prova razoavelmente anti filosófica, eivada aqui e ali de irracionalidade. São os ininteligentes sectários da filosofia analítica que fragmentam o pensamento sem possuirem visão global quem constrói esta inaceitável prova. É indispensável mudar o modelo de exames, acabar com as perguntas de escolha múltipla que, mal concebidas, reduzem a filosofia a um jogo de lotaria. Vejamos exemplos na versão 1 da prova 714.
«1. A Luísa viajou muito e notou diferenças significativas, por exemplo, no estatuto das mulheres em diferentes sociedades. Alguns hábitos, como o de as mulheres apenas poderem passear acompanhadas, chocaram a Luísa; contudo, pareceu-lhe que muitas dessas mulheres aceitavam tais hábitos sem reservas. Esta observação foi a razão para a Luísa concluir que aquilo que é certo ou errado depende de cada cultura.
Perante o relato da Luísa, a Paula recordou que o estatuto das mulheres tinha mudado muito em Portugal, nas últimas décadas, e afirmou que isso representava um progresso, pois a sociedade portuguesa abandonara hábitos e valores errados.»
«É razoável presumir que:
A) a Luísa é objectivista e a Paula é subjectivista.
B) a Luísa é relativista e a Paula é objectivista.
C) ambas são relativistas.
D) ambas são subjectivistas.»
Crítica: a questão está mal construída pois mistura géneros diferentes. Objectivismo (a verdade é comum e a mesma para todos ou quase todos) e subjectivismo (a verdade varia de pessoa a pessoa, é íntima a cada um) são conceitos do plano sociológico e relativismo ( a verdade e os valores variam de sociedade a sociedade e, o que Peter Singer não diz, de classe a classe social dentro da mesma sociedade) é um conceito do plano axiológico, que se contrapõe a imutabilismo dos valores ou perenialismo (o bem e o mal são os mesmos, imutáveis, em todas as épocas e sociedades). Há objectivismo relativista e objectivismo absolutista ou perenista. São conceitos colaterais e não contrários. É portanto incorrecto, confuso, estabelecer a tríade objectivismo-subjectivismo-relativismo.
Exemplo de objectivismo relativista é a seguinte posição: « A democracia parlamentar com liberdades de imprensa, greve e manifestação de rua é o melhor regime político que deve ser implantado em todos os países do mundo mas em caso de guerra civil a democracia deve ser substituída por uma ditadura temporária de salvação nacional. » Exemplo de objectivismo não relativista, isto é, absolutista ou perenista é o seguinte: « Matar é sempre um crime que ofende a Deus, sejam quais forem as circunstâncias, mais vale deixar-se morrer do que matar».
O erróneo subjectivismo dos autores desta prova, sem clareza na seriação dos conceitos, penaliza os alunos. Os critérios oficiais de correção indicam que «só a hipótese A está certa, ou seja, Luísa é relativista e Paula é subjectivista».
Do texto, não podemos inferir se Paula é relativista ou não, nem se é subjectivista ou objectivista: ao admitir que a sociedade portuguesa melhorou depois da queda da ditadura de Salazar e Caetano, Paula pode estar a valorar de um ponto de vista imutabilista, absolutista ou perenialista dos valores do feminismo que sustenta que «em todas as épocas da história, mulheres e homens deviam ter os mesmos direitos, o bem é a libertação da mulher igualando-a ao homem, o mal é a sociedade patriarcal e a generalidade das religiões e das leis estatais ou comunais que submetem o feminino ao masculino». Portanto, como se pode garantir que Paula é subjectivista? Quanto a Luísa podemos admitir que é relativista objectivista - a conjugação destes dois conceitos na mesma pessoa não cabe na estreiteza de pensamento dos autores da prova. Reconhecer a diversidade ou relatividade dos valores no mundo de hoje não implica ser relativista. Os católicos tradicionalistas que defendem a imutabilidade da missa em latim como sendo a única sacra e rejeitam a missa nova instituída por Paulo VI em 1970 e rejeitam o ecumenismo são perenialistas ou perenistas, não são relativistas.
«2.Identifique a questão que envolve o problema da natureza dos juízos morais.
(A) Será que só os princípios morais importam?
(B) O juízo de que é correcto acolher refugiados exprime uma preferência pessoal?
(C) Será a escravatura moralmente permissível?
(D) O juízo de que uma certa pessoa é corajosa é um juízo de valor acerca dessa pessoa?»
Crítica: Há três respostas correctas - B, C e D - e não apenas uma, a B, como sustentam os autores da prova. O que é o problema da natureza dos juízos morais? É o problema do bem e do mal, do correcto e do incorrecto no agir humano. Ora este problema está posto em cada uma das alíneas B, C, D, tanto no questionar se a escravatura é legítima como no questionar sobre o acolhimento a refugiados.
5. A crítica de Nozick à teoria da justiça de Rawls põe em causa
A) o princípio da diferença.
B) o princípio da liberdade.
C) a existência de direitos de titularidade.
D) a existência de direitos invioláveis.
Crítica: há duas respostas correctas, a C e a D, e não apenas uma, a A, como sustenta a correção oficial. Ao contrário do que esta postula, Nozick não discorda de Rawls no princípio da diferença: ambos defendem o capitalismo que assenta nos princípios da diferença salarial e de lucros e da diferença no direito de propriedade e iniciativa privada, só que Nozick está à direita de Rawls. Nozick discorda de que aos ricos - que consideram inviolável o seu direito de propriedade/ titularidade de fábricas, terras, frotas de pesca, hipermercados, casinos, dancings, companhias de aviação e navegação - sejam aplicados impostos que serão transferidos, em parte, para subsidiar as classes mais pobres.
10. Apenas os defensores das teorias essencialistas da arte consideram que:
A) Há condições necessárias e suficientes para que um objecto seja arte.
B) a arte pode ser definida.
C) há propriedades intrínsecas dos objectos que os tornam obras de arte.
D) a arte é essencial à vida.
Crítica: há duas respostas certas, B e C, e não apenas uma, C. O que são teorias essencialistas da arte? São aquelas que teorizam e corporizam a essência/ definição, a forma ou formas permanentes de uma dada corrente artística: o naturalismo clássico, o impressionismo, o expressionismo, o cubismo, o surrealismo, por exemplo, são correntes essencialistas da pintura; o rock and roll, o fado, o flamenco, o rythm and blues são correntes essencialistas da música. Ora de facto há propriedades intrínsecas dos objectos - exemplos: a perfeição do rosto da Gioconda; a perfeição muscular da escultura Pietá de Miguel Angelo - que os tornam obras de arte.
Se os professores de filosofia não se deixassem intimidar pelas hierarquias da escola ou do ministério fariam um abaixo assinado ou uma manifestação de rua a exigir a demissão do lóbi da sub filosofia analítica que giza esta prova de exame, com erros bastantes para prejudicar no mínimo em 4 ou 5 valores os alunos. A universidade na área da filosofia está subvertida por uma série de medíocres intelectuais que apresentam como «ciência» a lógica proposicional, errada desde Morgan e Frege a Russel e a Wittgenstein.
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