O exame Nacional de Filosofia em Portugal, Prova 714, 2ª Fase, realizado em 22 de Julho de 2019, está mal elaborado em boa parte das suas questões. É caso para dizer: quanto mais lógica proposicional, menos reflexão profunda, menos inteligência filosófica. Vejamos exemplos da versão 1 desta prova de exame que obriga a escolher apenas uma resposta entre quatro possíveis no grupo I:
1. As frases «António Costa era primeiro-ministro de Portugal em 2018» e «Em 2018, Portugal tinha como primeiro-ministro António Costa»
(A) representam duas proposições verdadeiras.
(B) representam a mesma proposição.
(C) não representam qualquer proposição.
(D) representam duas proposições válidas.
Segundo os critérios oficiais de correção a resposta certa seria B.
Crítica nossa: as frases são duas proposições diferentes - a primeira tem A.Costa como sujeito, a segunda tem Portugal como sujeito - que representam o mesmo juízo. A proposição é a forma discursiva do juízo. Por isso a resposta certa seria A.
2. Se houver juízos morais objetivos, então
(A) as sociedades que tiverem valores diferentes dos nossos devem corrigir tais valores.
(B) a correção, ou a incorreção, desses juízos não pode ser discutida.
(C) esses juízos estão certos ou errados independentemente dos costumes.
(D) as pessoas que tiverem valores diferentes dos nossos pensam e agem erradamente.
A correção oficial indica como certa a hipótese C.
Crítica: O conceito de juízo moral objectivo tem vários sentidos. Ora a pergunta é subjectiva, não indica qual desses sentidos se refere. Sentido sociológico: é um juízo consensual dentro de uma dada sociedade ou época mas não universal. Exemplo: no Islão, o juízo «a mulher que exibe certas partes do corpo nuas ofende a Alah e deve ser punida». Sentido epistémico: é um juízo universal, aceite por quase todas as pessoas, invariável de época a época. Exemplo: «É um crime matar crianças inocentes e indefesas». O autor da questão interpreta juízo objectivo como juízo universal, Neste último sentido, se a hipótese C, algo confusa, estivesse certa as hipóteses A e D estariam igualmente certas. A hipótese C é confusa pois pode aplicar-se a juízo moral subjectivo. Exemplo: um pseudo místico oriental como Said Baba formula o seguinte juízo moral subjectivo independentemente dos costumes: «Eu sou a bondade absoluta, eu sou Deus». Este juízo enquadra-se na hipótese C e não é um juízo moral objectivo. O juízo moral objectivo não é obrigatoriamente independente dos costumes como supõe, erradamente, o autor da questão. Exemplo: o juízo moral «a democracia liberal, com multipartidarismo, é o melhor sistema político do mundo» é um juízo moral objectivo fundado nos costumes de dezenas ou centenas de anos de vida democrática na Europa, é uma opinião largamente maioritária. Objectividade compagina-se com relativismo, isto é, variação dos valores de país a país, época a época, religião a religião, classe social a classe social.
6. Considere as frases seguintes.
1. A relva é verde.
2. Se a relva é verde, é colorida.
É correto afirmar que
(A) ambas exprimem conhecimento a priori.
(B) ambas exprimem conhecimento a posteriori.
(C) 1 exprime conhecimento a priori; 2 exprime conhecimento a posteriori.
(D) 1 exprime conhecimento a posteriori; 2 exprime conhecimento a priori.
Segundo os critérios de correção oficiais, a resposta correcta é a B.
Crítica nossa: a resposta correcta é a hipótese B. Na verdade, o conceito de colorida não é a priori - nem em Platão, nem em Descartes nem em Kant - pois toda a cor, incluindo o verde, é apreendida sensorialmente a posteriori, na experiência.
7. Suponha que uma pessoa rica tem de participar na escolha de princípios de justiça que regulem a estrutura
básica da sociedade em que vive. De acordo com Rawls, para que a escolha seja razoável, essa pessoa
terá de atender às restrições da posição original. Por conseguinte, ela deve escolher princípios de justiça
(A) tendo em conta o rendimento dos mais desfavorecidos.
(B) sem ter em conta que todos são livres e iguais.
(C) sem ter em conta a sua posição social.
(D) tendo em conta os recursos disponíveis.
Segundo os critérios oficiais a resposta certa é a C).
Crítica: a hipótese A está certa, e a D também. É indispensável para haver justiça com equidade levar em conta os rendimentos dos mais desfavorecidos e os recursos existentes.
NOTA: COMPRA O NOSSO «DICIONÁRIO DE FILOSOFIA E ONTOLOGIA, DIALÉTICA E EQUÍVOCOS DOS FILÓSOFOS», 520 páginas, 20 euros (portes de correio para Portugal incluídos), CONTACTA-NOS.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Livraria online de Filosofia e Astrologia Histórica