Alguns equívocos marcam a prova 714 de exame nacional de Filosofia do 11º ano de escolaridade, 1ª fase, versão 1, de 17 de Junho de 2014. Vejamos exemplos.
3.«É impossível provar que os animais têm consciência. Portanto, temos de admitir que não têm.»
O argumento anterior é
(A) dedutivamente válido.
(B) indutivamente forte.
(C) um caso de apelo à ignorância.
(D) um caso de derrapagem.
Segundo os critérios de correção a resposta certa é a C.
Crítica minha: tal como está formulada a questão, de forma ambígua, a resposta correcta é A e não C. A expressão temos de admitir que não têm não é categórica mas hipotética: temos de admitir a possibilidade de os animais não terem consciência, logo também admitimos a possibilidade de terem consciência. Segundo esta leitura, isto é uma dedução, porque bifurca a tese geral nas duas opções possíveis. A formulação correcta da pergunta deveria ser:
«É impossível provar que os animais têm consciência. Portanto, eles não têm consciência.»
Só formulado desta maneira é um verdadeiro argumento de apelo à ignorância.
«6. Considere o texto seguinte.
«Compare estes dois casos:
1) Uma pessoa pega numa arma, aponta cuidadosamente para o alvo, puxa o gatilho e dispara.
2) A pessoa chega a casa e põe a arma sobre a mesa. Enquanto o faz, a arma inesperadamente dispara.
Ora, partindo da nossa distinção intuitiva entre ações e acontecimentos, concordaríamos, espero, que disparar a arma, no primeiro exemplo, foi uma ação, enquanto, no segundo, o tiro foi um acontecimento.»
C. Moya, The Philosophy of Action: An introduction, Cambridge, Polity Press, 1990, p. 12 (adaptado)
De acordo com o texto, as ações distinguem-se dos acontecimentos na medida em que
(A) as ações não têm intenções como causas, nem envolvem um agente.
(B) as ações envolvem um agente, mas não têm intenções como causas.
(C) as ações têm intenções como causas, mas não envolvem um agente.
(D) as ações envolvem um agente e têm intenções como causas.
Os critérios de correcção apontam a alínea D como sendo a única certa.
Crítica minha: Há duas respostas certas, B e D. De facto, nem todas as acções humanas possuem intenção. Há acção voluntária, intencional, e acção involuntária não intencional. Exemplo desta última: um automobilista atropela sem querer uma criança que, de súbito, se atravessa na estrada. A acção implica apenas um agente e um paciente (aquilo ou aquele que sofre a acção) sendo a intenção um acessório que pode existir ou não.
GRUPO III
1. Leia o texto seguinte.
«É difícil não pensar que temos livre-arbítrio. Quando estamos a decidir o que fazer, a escolhaparece inteiramente nossa. A sensação interior de liberdade é tão poderosa que podemos ser incapazes de abandonar a ideia de livre-arbítrio, por muito fortes que sejam as provas da sua inexistência.»
«E, obviamente, existem bastantes provas de que não há livre-arbítrio. Quanto mais aprendemos sobre as causas do comportamento humano, menos provável parece que escolhamos livremente as nossas ações.»
J. Rachels, Problemas da Filosofia, Lisboa, Gradiva, 2009, p. 182
1.1. Como explicam os deterministas radicais a «sensação interior de liberdade» referida no texto?
O tópico dos crirérios de correção é o seguinte: «A resposta integra os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes. Apresentação da perspetiva dos deterministas radicais sobre a «sensação interior de liberdade»:
-segundo os deterministas radicais, essa sensação é uma ilusão;
-a ilusão resulta do desconhecimento das causas das nossas crenças e dos nossos desejos / das causas que nos levam a agir de uma determinada forma;
-se conhecêssemos as causas das nossas crenças e dos nossos desejos / as causas que nos levam a agir de uma determinada forma, compreenderíamos que a nossa ação resulta dessas causas, e não da nossa vontade livre.»
Crítica minha: a pergunta está mal formulada. Carece de clareza e profundidade. Os deterministas radicais não explicam a «sensação interior de liberdade», do mesmo modo que nós não explicamos a sensação de verde nas folhas da planta que estamos a ver : limitam-se a constatar que essa sensação existe, naturalmente, em cada um de nós e fundamenta a convicção de que temos livre-arbítrio. A ilusão não resulta «do desconhecimento das causas das nossas crenças e dos nossos desejos / das causas que nos levam a agir de uma determinada forma»: essa ilusão existe por si mesma e continua a existir mesmo quando descobrimos, por exemplo, que os nossos actos são ditados por ângulos que os planetas no céu formam com o mapa do céu do nosso dia e hora de nascimento (horóscopo natal).
O que os «deterministas radicais» explicam não é a sensação interior de liberdade mas sim a crença psicológica no livre-arbítrio com base nessa sensação interior...
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