A definição de valor dada por Simon Blackburn no seu "Oxford Dictionary of Philosophy» é a seguinte:
«valor Reconhecer um certo aspecto das coisas como um valor consiste em tê-lo em conta na tomada de decisões ou, por outras palavras, em estar inclinado a usá-lo como um elemento a ter em consideração na escolha e na orientação que damos a nós próprios e aos outros. Os que vêem os valores como subjectivos consideram esta situação em termos de uma posição pessoal, adoptada como uma espécie de escolha e imune ao argumento racional (embora, muitas vezes, e curiosamente, merecedora de um certo tipo de respeito). Os que concebem os valores como algo objectivo supõem que, por alguma razão - exigências da racionalidade, da natureza humana, de Deus ou de outra autoridade - a escolha pode ser orientada e corrigida a partir de um ponto de vista independente » (Simon Blackburn, Dicionário de Filosofia, Gradiva, pag 450).
Esta definição peca por ser vaga. Se reconheço que não posso ultrapassar um automóvel naquela curva apertada numa lomba, sem visibilidade do lado de lá, será a curva da estrada um valor, uma vez que determina a minha escolha da atitude enquanto condutor do meu veículo? Ou a curva é um suporte objectivo do meu valor de circular a alta velocidade na estrada? "Valor é um aspecto das coisas que nos obriga a decidir"... eis uma pobre definição de valor, esta, de Blackburn.
A meu ver, valor é uma qualidade ética, política, estética, científica, material, etc, que se compõe de uma ou duas dimensões: um "em si" e um "para nós". Cada valor possui ou gera um contra-valor diametralmente oposto formando uma bipolaridade axial, segundo a preferência de cada indivíduo ou comunidade. Assim, a beleza de um corpo é um valor em si e um valor para os que admiram e desejam esse corpo. O contra-valor do belo é o feio. O fio de cobre é um valor em si mesmo (um valor de bens, diria Max Scheler) e um valor para nós (o preço, a utilidade de que se reveste neste momento para as nossas casas e eletrodomésticos, etc).
Blackburn é intelectualmente muito pobre se comparado com Max Scheler, por exemplo. Há filósofos ditos não analíticos como Max Scheler que têm um poder de análise muito superior a filósofos analíticos como Simon Blackburn e outros. Fazem-nos sorrir aqueles que hoje se proclamam «analíticos» , como se esta palavra os salvaguardasse do erro, e revelam escassa capacidade de análise, isto é, miopia intelectual.
Scheler escreveu sobre os valores de forma muito mais clara e precisa do que Blackburn. Em matéria de clareza de pensamento, Scheler não fica abaixo de Marin Heidegger, talvez mesmo supere este. Cito algumas passagens de "Ética" do filósofo alemão falecido em 1928:
«Em primeiro lugar, cabe aqui o facto essencial de que todos os valores - éticos, estéticos, etc - se cindem em valores positivos e negativos (como pretendemos dizer por causa da simplicidade). Isso pertence à essência dos valores e é verdade independentemente do que nós possamos sentir exactamente as peculiares antíteses de valores (quer dizer, os valores positivos e negativos) como belo-feio, bom-mau, agradável-desagradável». (Max Scheler, Ética, Caparrós Editores, pag 145; o negrito é colocado por mim)
«Por outro lado, tão pouco há-de afirmar-se que a "superioridade" de um valor "signifique" unicamente que é o valor "que foi preferido". Pois, ainda que a superioridade de um valor seja dada "no" preferir, sem embargo essa superioridade é uma relação inserida na essência dos próprios valores respectivos. Por isso é algo absolutamente invariável a "hierarquia dos valores", enquanto que, em princípio, as "regras de preferência" variam ainda na história (variação que é muito distinta da apreensão de novos valores).» (Scheler, ibid, pag 153; o negrito é posto por mim).
«A beleza de uma paisagem ou de um tipo humano e o embelezamento do meu olhar nessa beleza são vivências claramente distintas, das quais a primeira é a base da segunda. A beleza não é um influxo vivido que a paisagem (desprovida de valor) exerce, mas é a sua beleza que actua, e essa sua acção transforma-se na mudança de um estado sentimental.» (Scheler, ibid, pag 349).
Não será, talvez por acaso, que não se encontra traduzida em português em edição acessível ao grande público a «Ética - novo ensaio de fundamentação de um personalismo ético» de Max Scheler: é uma obra demasiado profunda para as cabeças superficiais de muitos doutorados em filosofia que povoam as nossas universidades, cada vez mais pobres em pensamento, à medida que multiplicam os mestrados e doutoramentos em filosofia que fazem sobreviver, economicamente, a instituição.
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