Roy Wood Sellars (1880-1973), filósofo norte-americano do "realismo crítico" e do humanismo religioso, escreveu, sobre o dualismo forma-matéria:
« Em primeiro lugar, não vejo necessidade de postular um dualismo metafísico de forma e matéria. A matéria é uma abstracção tanto como a forma. A realidade é matéria informada: tem estrutura e organização, tem uma determinada natureza. A isto se deve que as nossas categorias: espaço, tempo, causalidade, etc, tenham validade. Na medida em que o aristotelismo e o escolasticismo separaram a matéria da forma incorreram em um dualismo vicioso e desnecessário. É a realidade que é activa e sede de processos; não uma matéria nem uma forma. »
«Ora bem, se o objecto do conhecimento é uma matéria informada, poderia logo colocar-se o problema: que elemento do objecto se transmite à mente? Falta dizer que não é o ser, mas sim a "forma". Transmitir o ser é impossível, porque a coisa deve permanecer fora da mente que a conhece, e pela mesma razão, conhecer a coisa é não ser a coisa. Mas conhecer uma coisa não é, tampouco, ter uma reprodução à maneira de cópia dela. Que é, pois, o conhecimento? É a posse consciente da "forma" de uma coisa por parte da mente, a saber, da sua localização, tamanho, estrutura, possibilidades causais, etc. É a captação vicária dos traços reproduzíveis de uma coisa. Conhecer é conhecer a própria coisa.» (Roy Wood Sellars, citado in Paul Kurtz, «Filosofia norteamericana en el siglo veinte», Textos escogidos, Fondo de Cultura Económica, México, pag. 346, 1972; a letra a negrito é posta por mim).
Sem dúvida, parece, à primeira vista, um texto de filosofia de grande qualidade.
Começarei por uma ligeira correcção da frase de Sellars: «A matéria é uma abstracção tanto como a forma.» Não é a matéria que é uma abstracção: ela existe, indissociavelmente ligada à forma e só por abstracção captamos completamente o conceito de matéria.
Mas se acusa o aristotelismo e a escolástica de ter introduzido um dualismo artificial forma-matéria, Sellars parece postular um dualismo forma-matéria, algo rígido, no plano ontognosiológico: o ser seria a matéria, informada, e o conhecer - a percepção empírica, o conceito - seria só a forma.
Não me parece exacto este dualismo: na apreensão do ser, existe alguma matéria deste que passa para o interior da mente humana. O que é a cor verde, por exemplo? Forma ou matéria? A côr verde de um campo está presente na nossa percepção, tal como o sabor doce do mel que saboreamos. Fotões, sejam eles exteriores ou interiores à mente, compõem a cor. É certo que os fotões não são matéria mas no sentido aristotélico de matéria como substrato, a cor parece-me ser um substrato da forma percebida, não da forma real exterior. A côr é uma espécie de "matéria" sem matéria-massa. Por isso,dizer que conhecer é só apreender a forma e não a matéria é uma interpretação «óptica» do conhecimento
E dizer que o mel é doce, ao prová-lo, é apreender apenas a forma do mel? Ou é mesmo absorver uma ínfima parte do ser do mel?
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