Gaston Bachelard (1884-1962), sem embargo da sua grande erudição, procedeu a uma arrumação não dialéctica, algo confusa, das correntes gnoseológicas. Não é um pensador de síntese, dialéctico, por excelência. E quantos pensadores deste tipo dialéctico de excelência passaram pelas cátedras universitárias? Um número ínfimo. Quase todos os filósofos, e mais ainda os catedráticos de filosofia, cometem erros de classificação das doutrinas.
Sobre a noção de massa, Bachelard estruturou a seguinte divisão: realismo ingénuo, empirismo claro e positivista, racionalismo clássico da mecânica racional, racionalismo completo (relatividade), racionalismo discursivo.
A respeito da noção de energia, criou a seguinte divisão pentádica: realismo ingénuo, empirismo claro e positivista, racionalismo clássico de macânica racional, racionalismo completo (relatividade), racionalismo discursivo.
Bachelard escreveu sobre esta divisão:
«Com efeito, não vemos como se poderiam dispor de forma diferente as filosofias que tomamos por base. As numerosas tentativas de modificação que levámos a cabo falharam todas a partir do momento em que as referimos a um conhecimento particular. Tentámos assim o nosso método de dispersão na base realismo-racionalismo-empirismo claro. » (Gaston Bachelard, Filosofia do novo espírito científico, Editorial Presença / Livraria Martins Fontes, páginas 64-65; a letra negrito é colocada por mim)
O defeito desta divisão em Bachelard está em misturar espécies do género ontologia (realismo) com espécies do género gnosiologia (empirismo, racionalismo). Há uma sobreposição de géneros extrínsecos entre si. Bachelard confunde realismo com realismo natural ou ingénuo e chama racionalismo ao realismo crítico/ racionalista, à fenomenologia e ao idealismo crítico que são correntes ontológicas.
O REALISMO NÂO SE PODE DIALECTIZAR?
Bachelard escreveu:
«Com efeito, segundo pensamos a dialectização de uma noção prova o carácter racional dessa noção. Um realismo não se pode dialectizar. Se a noção de sunstância se pode dialectizar, teremos a prova de que ela pode funcionar verdadeiramente como uma categoria.» (Gaston Bachelard, Filosofia do novo espírito científico, Editorial Presença / Livraria Martins Fontes, páginas 73; a letra negrita é colocada por mim).
Bachelard confunde realismo com descritivismo naturalista. Confunde o ontológico com o gnoseológico, a matéria com a forma. Por que razão "um realismo não se pode dialectizar", isto é, dividir em forças opostas entre si, experiência e razão? Há dialéctica na realidade em si mesma, no realismo, ou seja mundo real de matéria exterior às mentes humanas: a luta e o movimento dos contrários, a água contra o fogo, o electrão contra protão, a força gravítica versus força antigravítica são dialectização no interior da realidade. O realismo não exclui a realidade invisível à qual só a racionalidade tem acesso, como parece supor Bachelard. A esse realismo que exige a razão para construir o ultra-ojecto (exemplo: o protão e os quarks up e down em que se divide, supostamente) chama Bachelard, equivocamente, racionalismo, em vez de o denominar realismo racionalista ou crítico ou epistémico..
O KANTISMO CLÁSSICO OPÕE-SE AO RACIONALISMO DA TABELA PERIÓDICA DOS ELEMENTOS NA QUÍMICA?
Bachelard escreveu ainda sobre o racionalismo da química contemporânea e do seu insubstancialismo:
«Raciocina-se sobre uma substância química desde que se tenha estabelecido a sua fórmula desenvolvida. Vemos pois que a uma substância química está de ora em diante associado um verdadeiro númeno. Este númeno é complexo e reune várias funções. Seria rejeitado por um kantismo clássico; mas o não-kantismo, cujo (papel é o de dialectizar as funções do kantismo, pode aceitá-lo.» (Gaston Bachelard, Filosofia do novo espírito científico, Editorial Presença / Livraria Martins Fontes, página 83).
Não se percebe por que razão o conceito de substância expresso em número atómico ou número de massa seria rejeitado pelo kantismo clássico. Kant era racionalista: na sua doutrina, o entendimento impõe leis à sensibilidade, isto é, à natureza física. Se a tabela periódica dos elementos tivesse sido descoberta em vida de Kant, este poderia perfeitamente integrá-la na actividade do entendimento. A tabela é um conjunto de conceitos de recorte pitagórico. Bachelard parece ter sofrido deste mal geral das universidades que é a incompreensão global da ontognoseologia de Kant...
www.filosofar.blogs.sapo.pt
f.limpo.queiroz@sapo.pt
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Livraria online de Filosofia e Astrologia Histórica