Há dois tipos de relativismo, na minha concepção: intensivo ou epistémico e extensivo ou sociológico.
Já acentuei, em outros artigos deste blog, que autores famosos no plano da ética - Peter Singer, James Rachels, Simon Blackburn, entre outros - definem, erroneamente, relativismo como a doutrina segundo a qual «as verdades éticas e estéticas e outras variam de sociedade a sociedade (definição que está certa, até aqui) mas no interior de cada sociedade essas verdades ou valores não sofrem variação uma vez que são as verdades e valores impostos e difundidos pelo sector dominante aos outros sectores da sociedade» (definição esta errada, porque o relativismo reconhece a diversidade de valores e perspectivas no seio de cada sociedade e não prescreve a hegemonia absoluta de alguns e o monolitismo de valores em cada sociedade). Os manuais escolares de filosofia do ensino secundário em Portugal reproduzem este erro de considerar "relativismo" o absolutismo de valores no interior de cada sociedade.
Habitualmente, distingue-se o relativismo do subjectivismo. O relativismo é definido como a corrente que sustenta que as verdades, os valores, os costumes variam de época a época, de sociedade a sociedade e no interior de cada sociedade, de classe a classe, de grupo a grupo social, de etnia a etnia. Dizer, como os académicos mais editados internacionalmente, que «o relativismo coloca no mesmo plano todas as opiniões e valores e postula ser impossível hierarquizá-los em função do valor de verdade» não é definir correctamente relativismo: é confundi-lo com o cepticismo, uma das saídas para a perspectiva relativista. Há outra saída: o dogmatismo diferencial, que estabelece uma hierarquia de graus de verdade ou valor no conjunto das perspectivas sobre um mesmo tema.
Quanto ao subjectivismo, é definido, geralmente, como a corrente gnosiológica que sustenta que a verdade varia de pessoa a pessoa, é íntima, intransmissível, em certo sentido.. Exemplo: Maria diz que Deus é a luz da aurora, Carlos afirma que Deus é o ADN e o ciclo da vida, Joana afirma que Deus é o diabo disfarçado, Cristovão afirma que Deus só existe enquanto se pensa nele. Alguns, como Harry Gensler, apontaram uma inexistente incoerência no subjectivismo, que seria a tentativa de este se impor, prescritivamente, como verdade única, numa espécie de imperialismo de opinião de um só, que chocaria com os outros subjectivismos, anulando-se estes entre si. Não é nada disto: o subjectivismo supõe o perspectivismo, a aceitação da multiplicidade de posições e de cabeças pensantes, só em alguns casos se estriba ou desemboca no absolutismo.
O subjectivismo será um relativismo individualista ou singularista. É uma espécie dentro do género relativismo. Portanto, para maior rigor, deveria falar-se, não na distinção subjectivismo/ relativismo, mas em relativismo subjectivista e relativismo intersubjectivista e objectivista- num plano que leva em conta o número de pessoas que perfilham os mesmos valores ou verdades e não torna o subjectivismo extrínseco ao relativismo.
Mas há uma outra dimensão do termo relativismo, uma dimensão vertical, por assim dizer: a variação, não do número de pessoas adeptas de um dado valor ou ideia, - relativismo estendido no plano sociológico; por isso, lhe chamo extensivo - mas a variação um valor ou ideia no interior da mesma mente - relativismo circunscrito ao plano axiológico ou gnosiológico subjectivo de uma única pessoa; por isso, o denomino intensivo.
Assim, há um subjectivismo absolutista e um subjectivismo relativista. E aqui a situação inverte-se, mas só aparentemente: o relativismo, enquanto doutrina epistémica, passa a ser espécie do género subjectivismo. Note-se que, neste degrau inferior, não se trata do mesmo relativismo que o relativismo sociológico: é um relativismo epistémico, dos valores em si mesmos, científico-axiológico, não é um relativismo dos valores em outros, isto é, ancorados nos grupos sociais, sociométrico, sociológico. Relativismo epistémico e relativismo sociológico não são espécies do mesmo género pois estas não se intersectam mutuamente: o relativismo epistémico, que é a variabilidade dos conceitos e valores, intersecta algum relativismo sociológico, que é a variabilidade do número de pessoas, designado subjectivismo (universo de uma só pessoa). Géneros diferentes que não pertencem à mesma matriz, como por exemplo, o género animal e o género racional, intersectam-se através de uma espécie comum a ambos - neste caso, a espécie homem. Ora o relativismo epistémico é espécie pertencente ao género relativismo sociológico: as ideias e valores mutáveis são uma espécie e as ideias e valores imutáveis, absolutos, são outra espécie.
Assim , hierarquizando dialecticamente géneros, espécies e subespécies temos:
GÉNERO: RELATIVISMO SOCIOLÓGICO
ESPÉCIE: SUBJECTIVISMO OU RELATIVISMO SOCIOLÓGICO SINGULARISTA, INTERSUBJECTIVISMO OU RELATIVISMO SOCIOLÓGICO COLECTIVISTA, OBJECTIVISMO ÕU RELATIVISMO SOCIOLÓGICO UNIVERSAL E NECESSÁRIO
SUB-ESPÉCIES DO SUBJECTIVISMO :SUBJECTIVISMO RELATIVISTA EPISTÉMICO, SUBJECTIVISMO ABSOLUTISTA EPISTÉMICO
Note-se que se considerassemos a existências de deuses ou anjos pensantes, extravasando a sociedade humana, esta classificação mudaria de figura. Exemplo de subjectivismo relativista: «Dantes eu acreditava que o universo tinha a forma de um melão, agora acredito que tem a forma de um guiador de bicleta.» Neste subjectivismo, o sujeito não varia, é um só, fechado no seu casulo interior, o que varia (relativismo) é o conteúdo da sua crença, o objecto epistémico. Exemplo de subjectivismo absolutista: «Sempre acreditei e acreditarei que o amor, a amizade, o ódio ou a inimizade não existem na alma de cada um, são apenas expressão da correlação de forças entre cada um de nós e o mundo que o rodeia, com os seus entes.» Neste subjectivismo absolutista, o sujeito não varia, é um só, e o conteúdo da sua crença, o objecto epistémico, permanece invariável, absoluto (absolutismo).
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