No Manual português «Filosofia 11º» de Luís Rodrigues, lê-se o seguinte a respeito das técnicas de persuasão da retórica:
«Para persuadir, o orador pode recorrer a dois tipos de provas: as provas não técnicas e as provas técnicas. As provas não técnicas são as provas que já existem e que o orador se limita a usar no seu discurso, como as leis, os testemunhos, os contratos, as confissões sob tortura e os juramentos.
«As provas técnicas são aquelas que podem ser preparadas pelo orador e são de três espécies:
1. As que residem no carácter do orador (ethos).
«A persuasão é obtida quando o discurso é proferido de maneira a deixar no auditório a impressão de que o carácter (e não o aspecto físico ou a riqueza) do orador o torna digno de crédito.» (Luís Rodrigues, Filosofia 11º, Plátano Editora, Lisboa, pag. 117; a letra negrito é quase toda colocada por mim ).
Luís Rodrigues equivoca-se. Por que razão os contratos e os testemunhos seriam provas não técnicas e o ethos, que em si mesmo é um testemunho - por exemplo, o carácter devotado aos pobres de Teresa de Calcutá - seria uma prova técnica ou conteria em si provas técnicas? O ethos não constitui uma prova técnica nem possui em si provas técnicas. O ethos é um modo de ser: é não técnico. Exemplo: o falecido líder do Partido Comunista Português, Álvaro Cunhal (1913-2005), possuía um ethos -um carácter inflexível de lutador pelo socialismo marxista-leninista- que irradiava naturalmente da sua presença em público e nos discursos (retórica) que produzia. O que é técnico na retórica é o modo de transmitir esse "ethos" ao auditório, não é o ethos nem as suas componentes. Assim, o PCP ao transmitir o ethos de Álvaro Cunhal acentuava o seu comportamento de brilhante resistente às torturas da PIDE e de preso político notável sob o regime fascista de Salazar e obscurecia certos aspectos desse ethos como o silêncio cúmplice de Cunhal com a repressão estalinista em 1930-1953, o esmagamento da revolução húngara de Outubro-Novembro de 1956 e da revolução checoslovaca de Abril-Agosto de 1968 pelas tropas da URSS, etc.
Luís Rodrigues não distingue entre o ethos em si, real, e o "ethos" fabricado como imagem pública, e tende a amalgamar aquele neste.
Escreve ainda:
«2.3 O ethos
Este tipo de prova técnica é a que depende do carácter do orador.» (Luís Rodrigues, Ibid, pag 120)
Esta frase é, aliás, confusa porque duplica o significado do termo ethos: prova técnica (exibição do "ethos" ou construção mediática de um falso "ethos") e carácter em si ("ethos"). O autor do manual não distingue, pois, claramente, o "em si" do "para os outros", a coisa da transmissão da sua imagem. O ethos não é uma técnica de persuasão mas uma fonte de persuasão.
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