Sexta-feira, 20 de Abril de 2007
Determinismo, livre-arbítrio e fatalismo (Crítica de Manuais escolares XI)

 


É o determismo incompatível com o livre-arbítrio?


No Manual «Criticamente» define-se da seguinte forma o determinismo:


«1.5.1  O determinismo


«O determinista pensa que a causa de uma acção está - à semelhança do que sucede nos acontecimentos naturais - fora do controlo do agente. Daí, o determinista conclui que não há acções livres; e, consequentemente, que ninguém é responsável pelas suas acções.»


«...Espinosa, um filósofo holandês que viveu no século XVII, é talvez o mais conhecido dos deterministas. Na sua Ética defende que não somos livres. Acreditamos, erradamente, que somos livres, porque não temos consciência das causas que determinam as nossas acções; e, uma vez que não temos consciência  das causas que determinam as nossas acções, acreditamos que as nossas acções não têm causa.»


( in Críticamente, manual de Filosofia do 10º ano, de Artur Polónio, Faustino Vaz, Pedro Madeira, Porto Editora, pags 70-71; o negrito é nosso).


Em primeiro lugar, há uma confusão : determinismo é compatível com livre-arbítrio, ao contrário do que sustentam os autores deste Manual. Não são contrários que se excluem mutuamente mas sim contrários complementares. Não é verdade que o determinista pense que a acção está fora do controlo do agente. Todos os técnicos de publicidade, psicólogos, sociólogos são deterministas na medida em que sabem produzir efeitos precisos nas pessoas e grupos sociais que os ouvem ou são atingidos pelas suas mensagens de diversos tipos, e ao mesmo tempo usam o seu livre-arbítrio na produção dessas mensagens.


O livre-arbítrio é apenas o poder de escolher entre dois ou mais sistemas de rodas dentadas de determinismo, ou seja, entre várias vias do determinismo. Se escolho comer quatro maçãs, o ácido málico da maçã vai impregnar beneficamente a mucosa do meu estômago e desintoxicar o fígado. Mas se escolho beber dois copos de aguardente isso vai , necessariamente, prejudicar a mucosa do estômago e o fígado. Sou livre de escolher uma ou outra forma de determinismo, isto é, lei de causa-efeito constante e imutável.


Se decido jejuar ou antes jantar, manifesto livre-arbítrio mas simultaneamente estou submetido ao determinismo do metabolismo: a sensação de fome, a lassidão, a desassimilação e assimilação celular,etc. Não existe livre-arbítrio separado dos mecanismos do determinismo. Assim o determinismo inclui um certo livre-arbítrio, compagina-se com este. O livre-arbítrio é excluído, sim, pelo fatalismo, que é, numa das suas versões, o determinismo absoluto, totalitário.


Convém esclarecer que, em rigor, não há determinismo moderado nem determinismo radical- embora compreendamos os autores que utilizam esta terminologia. Há determinismo (nas mesmas circunstâncias, as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos, físicos ou psicológico-morais). O que acontece é que se o determinismo abrange a totalidade do mundo e do ser, sem deixar espaços vazios para a erupção do acaso ou da «vontade livre» incausada (livre-arbítrio), designa-se por fatalismo determinista; mas se o determinismo não abrange a totalidade do mundo e do ser, como uma rede de malha larga que deixa passar as «bolsas» do acaso e da «vontade livre» incausada, designa-se por determinismo.


Em suma: de forma errónea, o manual «Criticamente» designa o fatalismo por determinismo.Ignora, aliás, que há uma modalidade de fatalismo que é indeterminista: tudo está escrito mas não há relações constantes de causa A e efeito B, o destino existe mas não é racionalmente explicável segundo o mecanismo do determinismo que nele não entra.


O LIVRE ARBÍTRIO ESTÁ INCLUIDO NO ACASO, SEM QUE O MANUAL DISSO SE DÊ CONTA


Assim, é falacioso o seguinte argumento que o Manual «Criticamente» apresenta como válido:


«O dilema do determinismo pode ser formulado da seguinte maneira:


«1. Ou as nossas acções são determinadas ou acontecem por acaso.


«2.Se as nossas acções são determinadas, então não somos responsáveis por elas.


«3. Se as nossas acções acontecem por acaso, então também não somos responsáveis por elas.


«4. Logo, não somos responsáveis pelas nossas acções.»


«Se as premissas 1, 2 e 3 forem verdadeiras, não há qualquer possibilidade de a conclusão 4 ser falsa. A conclusão é, portanto, dedutivamente válida.»


(in Criticamente, pag. 72)


Mesmo se aceitarmos a troca do conceito de fatalismo por determinismo, há um erro crasso neste argumento de Artur Polónio, Faustino Vaz e Pedro Madeira: a premissa 3. Esta sustenta, erradamente, que se as acções acontecem por acaso não temos livre-arbitrio, responsabilidade nelas. Mas o que é o  livre-arbítrio senão um criador de acaso, ou de parte do acaso? Se as acções acontecem por acaso, fogem ao determinismo, por consequência uma parte delas - os acasos ao alcance da vontade humana - são geradas pelo livre-arbítrio ou responsabilidade humana voluntária de cada um.


 


f.limpo.queiroz@sapo.pt


www.filosofar.blogs.sapo.pt


(Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz



publicado por Francisco Limpo Queiroz às 00:58
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