Por realismo modal, não se entende apenas a teoria de Samuel Kripke segundo a qual há muitos mundos possíveis diferentes deste em que vivemos e tão reais quanto este. Exemplificando: o mundo das alucinações psicotrópicas, em que o drogado vê dragões e demónios horríveis, é tão real quanto o mundo natural dos não drogados que vêem diante de si a Torre de Belém e o rio Tejo.
Há outras definições de realismo modal. Este conceito significa também a doutrina ou conjunto de doutrinas que sustenta que o realismo, isto é, a doutrina de uma realidade material exterior às mentes humanas comporta vários modos reais, em particular o de as categorias de modalidade e da causalidade- possibilidade versus impossibilidade, contingência versus necessidade, causa-efeito...- não serem imaginárias, puramente subjetivas, mas existirem, objectivamente, fora dos espíritos humanos, na natureza biofísica ou num mundo supra-natural extrahumano.
Por anti-realismo modal entende-se o inverso: a modalidade da doutrina idealista ou a modalidade do realismo que, sem embargo de postular que a matéria existe fora das mentes humanas, sustenta que as categorias de necessidade-contingência, causa-efeito, etc, não existem fora de nós, na natureza das coisas, mas são interpretações subjectivas ou intersubjectivas, circunscritas ao interior das mentes humanas. Nesta perspetiva, David Hume seria um anti-realista modal.
Há autores que opõem o anti realismo modal ao empirismo e este ao idealismo:
«Contudo, o anti-realismo modal é contrário ao espírito empirista porque, em última análise, acaba por motivar o idealismo, um tipo de filosofia contrário ao espírito realista do empirismo. O anti-realismo modal motiva o idealismo de Kant de forma particularmente nítida.»
(Desidério Murcho, Pensar outra vez Filosofia, valor e verdade, Edições Quasi, V.N.Famalicão 2006, pag. 103; o negrito é nosso).
Discordamos de Desidério Murcho: o idealismo não é, em termos gerais, oposto ao espírito do empirismo. E muito menos o idealismo de Kant, um impulsionador das ciências empírico-formais.
Na verdade, quem compreender o cerne da doutrina de Kant - e muito pouca gente das cátedras de filosofia o conseguiu - sabe que o filósofo de Konisberg intitulou a sua visão idealista transcendental do mundo de... realismo empírico. Isto significa que, pondo entre um parentesis os fundamentos filosóficos do seu sistema (o mundo visível é séries de fenómenos, coisas não reais em si), tomamos os objectos fenoménicos (plantas, minerais, cursos de água, animais, sol, céu, etc) como se fossem absolutamente reais e sobre eles exercemos uma infinita gama de procedimentos empíricos, induzindo leis, sem limitações epistemológicas.
O anti realismo de Kant, na medida em que se apoia no pressuposto da quase necessidade/ determinismo quase rigoroso dos fenómenos físicos, é tão ou mais baluarte da ciência empírica do que o fenomenismo anti necessitarista de David Hume.
Logo, o idealismo, o anti realismo de Kant (que faz das categorias de causa-efeito, possibilidade-impossibilidade, etc, existentes no entendimento humano, formas ou traços constituintes dos fenómenos empíricos) não se opõe ao empirismo em geral. Há realismos metafísicos profundamente anti empiristas e idealismos metafísicos profundamente empíricos.
Empirismo é, numa das suas acepções, uma definição pré-ontológica: a experiência não é, por si só, constitutiva de ser. E idealismo e realismo são noções ontológicas, estão para lá de empirismo.
Nota- Consigo chegar a estas precisões de pensamento sem recorrer, racionalmente, a nenhuma regra da lógica proposicional, cuja sobrevalorização venho combatendo neste blog. Aplico aquilo que Bertrand Russell designava de método analítico: focar mentalmente um objecto, um tema, de modo a que os contornos internos e externos se tornem gradualmente mais nítidos.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Livraria online de Filosofia e Astrologia Histórica