Sobre o relativismo, escreve o manual português Filosofia 10º ano de Luís Rodrigues:
«3- O relativismo moral parece implicar que a acção dos reformadores morais é sempre incorrecta.
«O que é um reformador moral? Uma pessoa que tenta alterar significativamente o modo de pensar, de agir e de sentir de uma dada sociedade porque o considera moralmente errado nalguns aspectos importantes. Martin Luther King tentou por vía pacífica chamar a atenção para as deficiências morais de um código moral e jurídico que no sul dos EUA considerava moralmente aceitável que os negros fossem tratados como cidadãos de segunda classe. O mesmo fez Nelson Mandela na África do Sul. Como, segundo o relativismo, as crenças da maioria dos membros de uma sociedade são a verdade em matéria moral, como aquilo que é socialmente aprovado (o que significa aprovado pela generalidade dos membros de uma sociedade) é verdadeiro e deve ser seguido, então King comportou-se de forma moralmente errada.» (Luís Rodrigues, Filosofia 10º ano, volume I, pag 148, Plátano Editora; o negrito é por nós colocado).
Este manual, à semelhança de outros manuais e de «notáveis filósofos» da ética, navega nas águas da confusão conceptual.
O que é o relativismo ético? É a teoria segundo a qual os valores éticos - de bem e mal, correcto e incorrecto, justo e injusto - variam de grupo étnico a grupo étnico, de classe social a classe social, de contexto geográfico a contexto geográfico, de povo a povo, de época a época, de religião a religião.
Ora Luís Rodrigues afirma que segundo o relativismo as crenças da maioria são a verdade em matéria social. E que, por conseguinte, Luther King ao defender em 1964-1968 os direitos da minoria negra seria condenado pelo relativismo...
Confusão enorme! É justamente o oposto: um relativista diria que o racismo da elite dominante norte-americana nos anos 60 é uma perspectiva da verdade e que o anti-racismo e igualitarismo de Luther King e dos activistas negros é a outra perspectiva da verdade. A verdade tem, potencialmente, duas faces contrárias entre si, embora só possa estar numa delas ou se distribua desigualmente por ambas (70% de verdade numa, 30% na outra, por hipótese). Logo, o relativista - podendo alinhar com os racistas ou com os antiracistas - nunca entende, no seu íntimo, que só um dos lados possui 100% de verdade. Só o anti relativista acha que a maioria tem sempre razão...
Se o relativismo afirmasse, como sustenta Luís Rodrigues, que a maioria social tem sempre a razão ética e toda a razão, deixaria de ser relativismo, ou seja, visão holística diferenciada. Transformar-se-ia em absolutismo, isto é, anti holismo segmentador.
LUÍS RODRIGUES SEGUE O ERRO DE JAMES RACHELS
Luís Rodrigues, como aliás outros autores de manuais de filosofia em Portugal, segue, acriticamente, os erros dos «mestres» de língua inglesa - tal é o panorama actual desolador de uma grande parte dos professores de filosofia do ensino secundário, alguns com mestrados e doutoramentos.
Neste caso, o «mestre» é James Rachels que escreveu:
«2. Poderíamos decidir se as acções são certas ou erradas pela simples consulta dos padrões da nossa sociedade. O relativismo cultural propõe uma maneira simples para determinar o que está certo e o que está errado: tudo o que necessitamos é de perguntar se a acção está de acordo com o código da nossa sociedade. Suponhamos que em 1975 um residente na África do Sul se perguntava se a política de apartheid do seu país - um sistema rigidamente racista - era moralmente correcta. Tudo o que teria de fazer era perguntar se esta política se conformava com o código moral da sua sociedade. Em caso de resposta afirmativa, não haveria motivos de preocupação, pelo menos do ponto de vista moral.»
«....No entanto o relativismo cultural não se limita a impedir-nos de criticar os códigos de outras sociedades; não nos permite igualmente criticar a nossa».
(James Rachels, Elementos de Filosofia Moral, Gradiva, pag 41)
A confusão de Rachels é total: o relativismo moral impede-nos de criticar a nossa sociedade e os códigos das outras, isto é, impede-nos de relativizar a verdade? É óbvio que Rachels confunde relativismo com absolutismo de maioria sociológica. E é este Rachels um dos maiores teóricos mundiais da ética, como no-lo apresenta a indústria editorial? Deixem-nos rir de Rachels e do grotesco espectáculo das cátedras universitárias em filosofia, da distorção que o seu valor real (mínimo, a maioria das vezes) sofre sob o impacto dos media, dos prémios "equivalente a Nobel" (lembramos o premiado Thomas Nagel, tão pequenino no pensamento à beira de um Sartre ou de um Heidegger e de outros!)...
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