No manual português de Filosofia do 11º ano «A arte de pensar» afirma-se que não se pode usar a lógica silogística para raciocinar sobre classes vazias, isto é, classes sem elementos - ainda que se afirme também o contrário, em certa passagem. Diz o referido manual:
«Todos os A são B.
Logo, Alguns A são B.»
«Se eliminarmos as classes vazias, não encontraremos argumentos com esta forma que tenham premissas verdadeiras e conclusão falsa. Assim, a maneira de aceitar que esta forma argumentativa é válida é excluir as classes vazias. E era isso que se fazia na lógica silogística tradicional.»
«Mas o que é uma classe vazia?»
«Uma classe vazia é uma classe sem elementos.»
«Por exemplo, as classes das fadas, dos marcianos, dos selenitas ou dos seres humanos de mais de duzentos metros de altura são vazias.»
«Se não excluirmos classes vazias, a lógica silogística irá considerar válidos argumentos que de facto são inválidos. Assim, não poderíamos usar esta lógica para raciocinar sobre classes que não sabemos se são vazias ou não. Por exemplo, não a poderíamos usar para raciocinar sobre anjos, pois não sabemos se há tal coisa.»
«Contudo, hoje em dia não é necessário aceitar a exclusão de classes vazias. Podemos usar a lógica silogística de um modo que nos permite raciocinar validamente sobre classes vazias.»
(Aires Almeida, Célia Teixeira, Desidério Murcho, Paula Mateus, Pedro Galvão, A arte de pensar, Didáctica Editora, pag 62; o bold é nosso)
Crítica : Em primeiro lugar, a noção de classe vazia é paradoxal. A classe vazia é uma classe com essência mas sem existência. Ora, a essência, que é forma, existe de uma maneira especial, a priori, e por si mesma, como sustentava Aristóteles. Se pensamos em classe, isso supõe um conjunto de elementos similares, em certa medida, entre si. Portanto, originalmente, não há classes vazias: para ter estrutura, uma classe tem que estar preenchida por elementos, mesmo que estes sejam puras ideias ou percepções imaginárias. Há sim classes que, em certas circunstâncias, se esvaziaram. Nenhuma classe é vazia de per si.
Em segundo lugar, os autores de a «Arte de pensar» confundem o raciocínio dedutivo com o raciocínio indutivo. O problema das classes vazias não se coloca ao nível da dedução pura: aqui o raciocínio opera-se segundo leis necessárias, com entidades ideais, essências, que podem ou não ter tradução na existência material (plano da indução).
O que determina que uma classe seja vazia ou não? A indução, isto é, o conhecimento empírico de tal ou tais casos particulares, com tendência generalizante. E aqui está o nó do erro: transferir para o plano da indução aquilo que deveria decorrer, de forma lógica e necessária, no plano da dedução.
Aliás é curioso que o manual «A arte de pensar» considere vazias as classes das fadas e dos marcianos e duvide de que a classe dos anjos seja vazia. Não são as fadas anjos, numa certa versão mitológica? Porque há-de ser vazia a classe dos marcianos? É ilógico e impossível que vivam em galerias no interior do planeta vermelho?
Considere-se , por exemplo, o silogismo:
As fadas são seres do mundo invisível.
Ariana é uma fada.
Ariana é um ser do mundo invisível.
É um silogismo válido, isto é, verdadeiro num plano abstracto - e não inválido como sustentam os autores de «A arte de pensar».
Portanto, os argumentos dedutivos sobre classes vazias podem ser perfeitamente válidos: operam num plano ideal, distinto da indução. O que importa é a sua coerência interna, isto é, a conexão lógica entre as suas proposições e respectivos termos. Declará-los à partida inválidos é atirar-lhes nuvens de poeira vinda do plano empírico.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
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