São verdade e falsidade contraditórios ou contrários?
Na concepção de Aristóteles, há uma diferença entre contraditório e contrário. A contradição, na terminologia aristotélica, é uma exclusão mútua de contrários sem termo médio - por exemplo: branco e não branco - ao passo que a contrariedade é uma coexistência de contrários através de um terceiro termo, o intermédio - por exemplo: branco e preto são contrários e têm o cinzento como intermédio.
«A contrariedade é diferença completa E se a contradição, e a privação e a contrariedade e os termos relativos são modos de oposição, e o primeiro deles é a contradição, e se na contradição não há termo médio, enquanto, sim, pode havê-lo entre os contrários, é evidente que contradição e contrariedade não são o mesmo. A privação, por seu lado, é um tipo de contradição.» (Aristóteles, Metafísica, Livro X, 1055a-b; o bold é nosso) .
Falso significa não verdadeiro (negação) e destituído ou privado de verdadeiro (privação). É uma oposição de privação: o falso é a ausência do verdadeiro. Podemos pois, arvorar o princípio do terceiro excluído: todas as entidades do universo, materiais ou imateriais, substâncias ou acidentes, géneros e espécies, são verdadeiras ou falsas. Não há terceira hipótese. Ainda que digamos com o positivismo lógico: «mas Deus, o Paraíso ou o Inferno são entidades incognoscíveis e, portanto, escapam à dicotomia verdadeiro-falso», diremos que só escapam, provisoriamente, a essa dicotomia no plano do sujeito cognoscente mas não no plano ontológico do «em si», pois de duas uma, ou é verdadeiro que Deus paraíso e inferno existem metafisicamente ou é falso.
Não há, por conseguinte, nada no universo, no homem ou no pensamento que possa escapar a figurar num dos pratos da balança verdade-falsidade, ou seja, realidade-irrealidade. O átomo, o quark e o leptão são partículas verdadeiras ou falsas tal como o seu conceito na mente humana é verdadeiro ou falso. Se as considerarmos como essências, como fazia Husserl com o seu método fenomenológico que retoma a epochê (suspensão do juízo), continuamos no plano da verdade enquanto essência ou forma ideal e transferimos para a potência (futuro) a sua existência no mundo real.
Há pois, dois géneros originais: o género verdade ou realidade e o género falsidade ou irrealidade.
A indecisão ou incognoscibilidade de algo é apenas a cortina que mascara os pólos verdadeiro e falso em toda a sua extensão. Essa incognoscibilidade faz parte do pólo do falso: é falso em potência. E faz igualmente parte do género verdadeiro: é verdadeiro em potência.
O incognoscível é pois, espécie dentro do género verdadeiro, se por verdadeiro se entende a apreensão necessária e infalível pela consciência da realidade imanente e transcendente a ela o incognoscível é o verdadeiro que em acto, isto é, no presente, é impossível de conhecer - e dentro do género falso - o falso que em acto, isto é, no presente, é impossível de conhecer. Constitui um género que atravessa transversalmente os outros dois, contrários entre si, e tem metade do seu conteúdo em cada um daqueles dois géneros. Assim o terceiro (o incognoscível) está, em acto, englobado no primeiro (verdadeiro) e no segundo (falso).
O incognoscível existe em acto por parte do sujeito mas só existe em potência quanto ao objecto. De facto, nada é potencialmente incognoscível se é real: apesar da limitação inerente aos seres humanos podemos imaginar mentes mais poderosas (Deus, deuses, anjos, humanóides extraterrestres) que acedam ao conhecimento integral. E ainda que não houvesse deuses, homens ou outras mentes cognoscentes, a verdade como realidade por si subsistiria, sem dimensão gnosiológica mas somente com caracter ontológico..
A solução é a seguinte: verdadeiro e falso são contrários no plano gnosiológico, uma vez que no conhecimento humano há dois contrários (verdadeiro e falso) e um intermédio (incognoscível, indeciso); verdadeiro e falso são contraditórios no plano ontológico porque cada entidade em toda a extensão do ser ou é verdadeira ou não é, não havendo termo médio. Neste último caso, verdadeiro não implica existir necessariamente uma ou várias consciências humanas ou outras para o apreender: é realidade em si, autosubsistente.
Verdadeiro é, pois, um termo com dois sentidos: ponte gnosiológica, infalível quanto à informação que transporta, entre a mente cognoscente e a realidade interior ou exterior (verdade para mim ou para nós); realidade em si, ontológica, autosubsistente, sem necessitar de mente que a apreenda (verdade em si mesma).
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