Pascal (1623-1662), esse finíssimo psicólogo, filósofo que desceu as escadarias da torre do inconsciente dois séculos antes de Nietzschze e de Freud e desvendou alguns segredos do id ou infraego! Tirem a Pascal esse perfeccionismo cristão, essa capa de jansenismo e de exegese bíblica com que pinta a tela de muitos dos seus pensamentos, e verão nele o analista cru e minucioso da alma humana.
«Que é o eu?»
«Um homem que se põe à janela para ver os passantes, se eu passo por lá, posso dizer que se pôs ali para me ver? Não; porque ele não pensa em mim em particular. Mas aquele que ama uma pessoa por causa da sua beleza, ama-a ele? Não, porque as bexigas, que matarão a beleza sem matarem a pessoa, farão que já não goste dela.»
«E se me amam por causa do meu bom senso, da minha memória, amam-me a mim? Não, porque eu posso perder essas qualidades sem me perder a mim mesmo. Onde está então esse eu, se não está nem no corpo nem na alma? E como amar o corpo ou a alma senão por essas qualidades que não são o que faz o eu, pois são perecíveis? Porque se amaria a substância da alma de uma pessoa abstractamente e quaisquer qualidades que aí estivessem? Isso não pode ser, e seria injusto. Nunca se ama, portanto, ninguém, mas somente qualidades.»
«Não trocemos, pois, mais daqueles que se fazem honrar por cargos e ofícios, porque não se ama ninguém a não ser por qualidades que lhe atribuímos.» (Blaise Pascal, Pensamentos, Publicações Europa-América, Pág. 136-137; a letra negrita é adicionada por nós).
Assim, o amor à pessoa A ou B não é um sentimento único, individual, permanente e absolutamente fiável, originário, mas uma manifestação derivada de um sentimento de amor geral supra individual, dirigido a essências Beleza, Bondade, Juventude, Inteligência, Simpatia, Sabedoria, Poderio Político e Económico que se individuam neste ou naquele individuo, circunstancialmente colocado no nosso caminho. Não amamos ninguém pela sua essência individual em si mesma amamos porque esta é agradável ou útil para nós, porque se encaixa na nossa essência na medida em que esta abre para a cúpula das essências universais.
Ao perder a essência Beleza da juventude, a esposa amada passa para segundo plano no coração do marido e o casamento sobrevive porque a essência Amizade mútua se conserva em ambos. Se o marido é, por exemplo, gestor de empresas, de classe média alta, e obtém o amor da secretária, de vinte e dois anos de idade, trinta anos mais nova que ele, é, provavelmente, devido às essências Homem de Sucesso Financeiro e Sabedoria que ele encarna e oferece à sua assistente em sessões nocturnas de «muito trabalho» a realizar no escritório da empresa. Somos, pois, todos, inocentes ou não, manipuladores universais dos outros, ao julgarmos ou dizermos que os amamos.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
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