O livro de apoio ao manual «Lições de Filosofia 10º ano» de Aires Almeida, Célia Teixeira e Desidério Murcho, da Didáctica Editora, apresenta numerosos exercícios que dão como "correctas" respostas ambíguas ou erróneas a questões de escolha múltipla. É ridículo e assustador o espírito unilateral dos «analíticos» que sujeitam, nos exames nacionais de filosofia, os alunos a questões deste teor, muitas delas arbitrárias. Os exames nacionais, nos moldes em que hoje são feitos, são a ditadura dos impensantes da filosofia analítica sobre as inteligências filosóficas dos alunos. A filosofia analítica é, neste campo prático, de avaliação de argumentos, o fascismo filosófico subjectivista.
Dizem alguns que «a filosofia analítica é mais prática e compreensível aos alunos do secundário do que a "outra"», a tradicional, rica em conceitos metafísicos (substância, essência, acidente, género, espécie, forma, matéria, etc) . É puro engano!
Vejanos algumas das perguntas de escolha múltipla (uma só resposta certa de entre quatro hipóteses) gizadas por Aires Almeida, Célia Teixeira e Desidério Murcho:
«Escolha a opção correcta (Teste 3):
2. Os juízos descritivos...
a. Descrevem as coisas tal como são.
b. Visam descrever as coisas tal como são.
c. São sempre verdadeiros.
d. São normativos.
(Aires Almeida, Célia Teixeira e Desidério Murcho, Livro de apoio ao manual «Lições de Filosofia 10º ano», pagina 81)
Segundo o manual, só a resposta 2-b é correcta.
Crítica minha: Tanto a resposta 2-a como a resposta 2-b estão correctas. Por que razão os juízos descritivos não descrevem as coisas como são? Se está um dia de céu carregado de nuvens escuras, acaso o juízo «O céu está neste momento cheio de nuvens escuras» não descreve a atmosfera terrestre visível tal como é?
4. Os juízos normativos...
a. Visam adequar a realidade ao nosso pensamento.
b. Visam adequar o pensamento à realidade.
c. Adequam a realidade ao nosso pensamento.
d. Adequam o pensamento à realidade.
(Aires Almeida, Célia Teixeira e Desidério Murcho, «Livro de apoio ao manual «Lições de Filosofia 10º ano», pagina 81)
Segundo o manual, só a resposta 4-a é correcta.
Crítica minha: Dependendo do ponto de vista - de os valores éticos serem objectivos e reais fora de nós, ou subjectivos -as quatro respostas estão certas. Por que razão estariam erradas a resposta 4-b e 4-d? O juízo normativo da religião cristã «É dever do cristão orar a Deus porque tal produz sempre benefícios na sua vida» é uma adequação do pensamento à realidade(metafísica) de Deus (hipótese 4-d) ou visa adequar o pensamento à realidade de Deus(hipótese 4-b).
As diferenças microscópicas de sentido entre estas duas frases não chegam para dizer que uma está certa e a outra não. O «pensamento» destes autores é, por demais, ridículo e arbitrário...
5. Segundo a teoria subjectivista...
a. Todos os valores são relativos aos sujeitos.
b. Alguns valores são relativos aos sujeitos.
c. Os valores são discutíveis.
d. Os valores são convenções sociais.»
(Aires Almeida, Célia Teixeira e Desidério Murcho, Livro de apoio ao manual «Lições de Filosofia 10º ano», pagina 81)
Segundo os autores, a única resposta certa é a «5-a».
Crítica minha: Há duas respostas certas: a "5.a" e a "5-b". Se quisermos a primeira é subjectivista radical, a segunda é subjectivista moderada.
«6.- Segundo a teoria relativista...
a. Todos os valores são relativos às sociedades.
b. Alguns valores são relativos às sociedades.
c. Os valores são discutíveis.
d. Os valores são subjectivos. »
(Aires Almeida, Célia Teixeira e Desidério Murcho, Livro de apoio ao manual «Lições de Filosofia 10º ano», pagina 81)
Segundo os autores, a resposta correcta é a 6-A.
Crítica minha: A resposta correcta é a 6-B. O relativismo não se restringe às diferenças de valores de sociedade para sociedade mas alarga-se às diferenças de valores no seio da mesma sociedade. Por exemplo, os valores estéticos dos «góticos» - vestir de negro ou lilás,roxo e carmesim, de modo a ter um visual vampiresco, renascentista ou medieval, com correntes, usar os cabelos desalinhados ou desfiados - são diferentes dos valores estéticos dos empregados bancários - vestir blazer, camisa e gravata, nos dias de trabalho. Portanto alguns valores são relativos às sociedades, vistas em bloco, e outros valores são referentes a segmentos dessas sociedades (os ecologistas, os comunistas, os punks, os «góticos», os escuteiros, os católicos, etc).
«7- Segundo a teoria objectivista..
a) Todos os valores ´são objectivos
b) Alguns valores são objectivos.
c) Os valores não são discutíveis.
d) Os valores têm uma origem divina.
(Aires Almeida, Célia Teixeira e Desidério Murcho, Livro de apoio ao manual «Lições de Filosofia 10º ano», pagina 82).
Segundo os autores, só há uma resposta correcta: 7-a.
Crítica minha: Há duas respostas correctas, a 7-a, que poderia designar-se objectivismo radical, e a 7-b, que poderia nomear-se como objectivismo moderado.
«8- Um juízo de valor objectivo é sempre
a. Imparcial
b. Consensual
c. Evidente.
d. Absoluto.»
(Aires Almeida, Célia Teixeira e Desidério Murcho, Livro de apoio ao manual «Lições de Filosofia 10º ano», pagina 82, Didáctica Editora). Segundo os autores, a única resposta correcta é 8-a.
Crítica minha: As respostas 8-b e 8-c estão correctas, a 8-a não. Que é um juízo de valor objectivo? ´Há duas definições diferentes deste:
A) É uma proposição intersubjectiva, não imparcial, de carácter ético ou estético ou científico, que emana de uma maioria sociológica. Exemplo: «O estalinismo foi uma ditadura totalitária sobre o povo russo» é um juízo de valor objectivo mas não imparcial.
B) É uma proposição indiscutível, imparcial, de carácter ético estético ou científico. Exemplo: « O quadrado de oito é sessenta e quatro».
Vê-se, pois, que a imparcialidade só é condição de alguns juízos objectivos, não de todos. Ao invés, a consensualidade (8-b) e a evidência (8-c) são características de todos os juízos objectivos.
No Teste 4, após um texto sobre a moral de Kant (grupo II) perguntam os autores:
«1.2) O que distingue os imperativos hipotéticos dos categóricos?
Resposta: «Os imperativos categóricos distinguem-se dos imperativos hipotéticos, porque são obrigações absolutas, como «Não mintas!», ao passo que os hipotéticos são condicionais, como «se não quiseres ser apanhado, não mintas».
(Aires Almeida, Célia Teixeira e Desidério Murcho, Livro de apoio ao manual «Lições de Filosofia 10º ano», pagina 85 e 87).
Crítica minha: É uma resposta parcialmente equívoca, que não define o imperativo categórico, a não ser por ter um carácter moralmente obrigatório. Mas também se poderia encontrar um imperativo hipotético moralmente obrigatório do tipo:«Sobrevive, por qualquer meio!». Esta questão nem o próprio Kant resolveu...A propósito, importa ler a crítica penetrante de Max Scheler à ética formal de Kant contida no «Ética», de Scheler.
Os imperativos categóricos distinguem-se dos hipotéticos porque os primeiros se formulam do seguinte modo: «Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo desejar que ela se torne uma lei universal». Exemplo: «A minha máxima pessoal é pensar filosofia com clareza , assim vou divulgar as minhas reflexões filosóficas e propiciar que todos difundam as suas reflexões filosóficas no espaço público universal». Ao passo que o imperativo hipotético não tem um fim universal, uma intenção de abranger a humanidade de forma equitativa, mas uma finalidade egoísta. Exemplo: «Vou escrever artigos filosóficos não para esclarecer o universo dos interessados no mas para me tornar famoso».
E no teste 7 lê-se:
«8- Uma resposta ao problema do mal é a de que...
a. A existência do mal é necessária para a existência do livre-arbítrio.
b. Parece que existe mal no mundo, mas não se trata realmente de mal.
c. Se Deus existe, não poderia existir mal no mundo.
d. Sem Deus, todo o mal seria permitido».
(Aires Almeida, Célia Teixeira e Desidério Murcho, Livro de apoio ao manual «Lições de Filosofia 10º ano», pagina 97).
Segundo os autores, a resposta correcta é a 8-a.
Crítica minha: as quatro respostas 8-a, 8-b. 8-c e 8-d estão correctas. Na verdade dizer que parece existir mal no mundo mas isso é ilusão (8-b) é uma resposta que alguns biologistas e alguns religiosos oferecem ao problema do mal. Dizer que se Deus existe, não poderá existir mal no mundo (8-c), logo Deus não existe, é a resposta de muitos ateus. Dizer que sem Deus, todo o mal seria permitido (8-d) é uma resposta generalizada dos teístas. Esta questão é um exemplo nítido de como os "analíticos" são de visão estreita: vêem a árvore, mas não a floresta.
O manual «Lições de Filosofia 10º ano» de Aires Almeida, Célia Teixeira e Desidério Murcho, da Didáctica Editora, incorre nos habituais erros da filosofia analítica sobre as correntes da acção humana no plano do livre-arbítrio, determinismo e indeterminismo. .
CONFUSÕES SOBRE LIBERTISMO E SEU SUPOSTO INCOMPATIBILISMO
Escrevem Aires Almeida, Célia Teixeira e Desidério Murcho:
«A teoria libertista combina duas teses: primeiro, que o determinismo é incompatível com o livre-arbítrio; segundo, que temos livre-arbítrio. Estas teses estão relacionadas: segundo o libertista, nem tudo está determinado precisamente porque temos livre-arbítrio» (Aires Almeida, Célia Teixeira e Desidério Murcho, «Lições de Filosofia 10º ano», pag. 38, Didáctica Editora; o destaque a negrito é posto por mim).
Esta definição é uma incoerência, no seu conjunto: se nem tudo está determinado - ou seja, por exemplo, o movimento da água evaporando-se da superfície terrestre, condensando-se em nuvens e precipitando-se sobre a Terra é determinismo, o envelhecimento dos organismos vivos obedece a determinismos, etc - é porque temos livre-arbítrio, ou seja, há compatibilidade entre determinismo e livre-arbítrio. Se ambos existem, são compatíveis no quadro global da realidade. A compatibilidade é uma coexistência, não é necessariamente uma fusão ou interpenetração. Logo, é um erro dizer que o libertismo é um incompatibilismo - é um chavão, uma frase feita, sobre a qual não se opera reflexão.
E a definição de libertismo dada neste manual é, substancialmente, a mesma do compatibilismo ou determinismo moderado porque ambas admitem um livre-arbítrio e determinismo, e em ambas o livre-arbítrio pode agir contra o determinismo. Duplicação sob nomes diferentes, erro de raciocínio. É como dizer sobre uma dada estrada inclinada: «esta estrada que sobe não é a mesma estrada que desce».
Heráclito, do fundo dos séculos, ensina estes confusos «pensadores» analíticos: «o caminho que sobe e o caminho que desce são um e o mesmo». O caminho que sobe poderia ser o «libertismo» e o caminho que desce o «determinismo moderado». São, segundo estas definições, a mesma coisa, ora enfatizando verbalmente a liberdade, ora enfatizando o determinismo.
SOMOS SEMPRE CONSTRANGIDOS POR SITUAÇÕES ANTERIORES?
Lê-se neste manual:
«Comparemos as duas situações seguintes:
Situação 1. O João escolhe ficar em casa a estudar em vez de ir ao cinema.
Situação 2. O João é obrigado pelos seus pais a ficar em casa a estudar.
O determinista moderado defende que na situação 1 a acção do João é livre porque nada o obrigou a escolher uma coisa em vez de outra. Mas defende que na situação 2 a escolha de João não foi livre, porque foi obrigado pelos pais a ficar em casa. Contudo, a única diferença entre 1 e 2 é o tipo de constrangimento em causa. Na situação 2, o João é constrangido pelos pais. Na situação 1, é constrangido pelos acontecimentos anteriores.» (Aires Almeida, Célia Teixeira e Desidério Murcho, «Lições de Filosofia 10º ano», pag. 42, Didáctica Editora).
Como se pode demonstrar que na situação 1 é constrangido pelos acontecimentos anteriores? Não pode. Sucede que, naquele momento, João acha que se vai aborrecer com o filme e por isso escolhe ficar em casa. É isto ser constrangido por acontecimentos anteriores?
É possível ainda argumentar contra a tese deste manual que «na situação 2 a escolha de João não foi livre, porque foi obrigado pelos pais a ficar em casa» com o pensamento de Sartre de que «nunca fomos tão livres como debaixo da ocupação alemã» em 1940-1944 porque aí podíamos escolher sem meias tintas: resistir ao nazismo ou colaborar com ele. De facto, se João ficou em casa «obrigado» pelos pais foi porque não quis assumir a sua liberdade de rebeldia. Logo, a sua aceitação foi de livre vontade, derivou do exercício do livre-arbítrio porque, a menos que estivesse trancado no quarto e a chave da porta da parte de fora, preferiu a submissão do «animal doméstico». Podia ter saído de casa, desafiando a vontade dos pais. A sua decisão foi livre, apesar da condicionante. O mar da liberdade move-se sempre entre as rochas de condicionantes, mas a água flui, vai e vem, mesmo contornando as rochas ou submergindo-as.
ERROS NAS DEFINIÇÕES DE RELATIVISMO E OBJECTIVISMO
A definição de relativismo enferma do habitual erro da filosofia analítica:
«A tese central da teoria relativista é que os juízos de valor são relativos às sociedades. Quando uma sociedade condena ou aceita um determinado juízo de valor não pode estar enganada. Isto contrasta com os juízos de facto.» (Aires Almeida, Célia Teixeira e Desidério Murcho, «Lições de Filosofia 10º ano», pag. 54, Didáctica Editora; o destaque a negrito é da minha autoria).
Esta definição é falsa e incoerente. A sociedade francesa, até há um mês atrás condenava, maioritariamente, e rejeitava, juridicamente, a legalização dos casamentos gays e lésbicos e a adopção de crianças por casais homossexuais. Era, portanto, «relativista» segundo, o raciocínio dos autores deste manual e «não podia estar enganada». .. Há dias, em 23 de Abril de 2013, por votação na Assembleia Nacional francesa, com 331 votos a favor (socialistas, comunistas e outra esquerda) e 225 votos contra (direitas), foi aprovada a lei autorizando o casamento de gays e lésbicas e a adopção por estes de crianças. Isto, sim, é relativismo, variação de posição/ verdade teórica, axiológica, jurídica. E nega a definição de relativismo dada acima segundo a qual «quando uma sociedade condena ou aceita um determinado juízo de valor não pode estar enganada.» Esta definição do manual é absolutismo e não relativismo.
Por outro lado, Aires Almeida, Célia Teixeira e Desidério Murcho persistem em ignorar, por limitação de inteligências ou subserviência face às cúpulas universitárias ou ambas as coisas, que relativismo é o mosaico de opiniões e ideias no seio de uma mesma sociedade. É relativismo haver ecologistas, comunistas, conservadores, sociais-democratas, católicos, ateus, agnósticos, benfiquistas, sportinguistas, portistas, etc, cada um com a sua ideologia e valores.
Sobre objectivismo escreve o manual:
«A tese central da teoria objectivista é que alguns juízos de valor são objectivos; o objectivismo não defende que todos os juízos de valor são objectivos. Isto significa que quando uma pessoa ou uma sociedade condena ou aceita um dado juízo de valor, pode estar enganada, tal como acontece com os juízos de facto.»
(Aires Almeida, Célia Teixeira e Desidério Murcho, «Lições de Filosofia 10º ano», pag. 57, Didáctica Editora; o destaque a negrito é da minha autoria).
Esta definição peca por vagueza. É tautológica: objectivismo é... juízos de valor objectivos. Não se diz com clareza o que é objectividade, que esta se divide em duas modalidades: extra anima e intra anima. Coitados, não sabem, não têm precisão no pensamento... A dialética é, para eles, uma estranheza.
Aires Almeida, Célia Teixeira e Desidério Murcho continuam petrificados nas suas erróneas definições, atrelados ao frágil pensamento de Thomas Nagel, John Searle, Peter Singer e outros, apesar de lerem este blog há anos e terem obrigação de rectificar os seus gritantes equívocos em filosofia. Nada a fazer.. O poder corrompe. Os mestres e doutorados nas universidades estabelecem, em regra, entre si um pacto de silêncio e aceitação dos erros uns dos outros.
Antes de tudo, «há que preservar a autoridade sobre os alunos, não pôr em dúvida as cátedras, e estar nas boas graças da opinião pública (im)pensante», dos editores e jornalistas, da classe dominante. Assim pensam os antifilósofos, dominados por um pragmatismo estreito de ganhar dinheiro com manuais das grandes editoras e popularizar a superficial filosofia analítica que os faz "ser alguém" no mundo burguês dos títulos universitários e das certificações.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
O manual «Clube das Ideias, Filosofia 10º ano» de Carlos Amorim e Catarina Pires, com revisão científica de Fernanda Henriques, da Areal Editores, mergulha nas confusões teóricas comuns a todos os manuais escolares inspirados na filosofia analítica . Uma delas é não perceber a distinção entre fatalismo e determinismo. Outra é não compreender o que é o determinismo moderado, baptizado de compatibilismo.
CONFUSÕES SOBRE O DETERMINISMO E O COMPATIBILISMO
Escrevem Carlos Amorim e Catarina Pires:
«Ao admitirem que o determinismo é verdadeiro, os compatibilistas aceitam a tese segundo a qual todas as nossas acções são consequências das leis da natureza e de acontecimentos precedentes remotos que não controlamos. Tudo o que acontece é efectivamente determinado por certos tipos de causas psicológicas internas.»
(Carlos Amorim e Catarina Pires, «Clube das Ideias, Filosofia 10º ano» , pag. 65, Areal Editores; o destaque a negrito é posto por mim).
Não é verdade que os deterministas moderados «aceitam a tese segundo a qual todas as nossas acções são consequências das leis da natureza e de acontecimentos precedentes remotos que não controlamos» . Os deterministas moderados - prefiro chamá-los defensores do determinismo biofísico associado a livre-arbítrio- são dualistas: o determinismo, isto é, a lei infalível segundo a qual as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos, abrange a natureza biofísica - o nosso estômago, as nossas veias e artérias, o céu e a terra, a agricultura, etc - mas não abrange a razão humana onde vive o livre-arbítrio.
Há, portanto, decisões e acções que escapam ao determinismo. Quando os autores escrevem que «tudo o que acontece é efectivamente determinado por certos tipos de causas psicológicas internas» entram em contradição com a primeira frase (.«..todas as nossas acções são consequências das leis da natureza ..») e não se dão conta, sequer, de que o livre-arbítrio é uma causa psicológica e racional interna. A definição de compatibilismo é, pois, uma névoa de confusão, neste manual.
DETERMINISMO NÃO É COACÇÃO?
Lê-se ainda no manual uma artificial distinção entre determinismo e coacção:
«A liberdade não supõe um acto sem causa, mas apenas que tenho controlo sobre alguns dos meus comportamentos. Um compatibilista defende que o contrário de livre não é causado(determinado) mas coagido(forçado).»
(Carlos Amorim e Catarina Pires, «Clube das Ideias, Filosofia 10º ano» , pag. 62, Areal Editores)
Há equívoco nesta formulação. O contrário de livre é determinado. E é também coagido. O determinismo é, sob certo aspecto, a coacção da natureza sobre o eu humano. Se estou quarenta e oito horas sem comer e sinto fraqueza ou fome, sou biologicamente coagido por um estado de desnutrição temporária. A coacção é um género que inclui o determinismo e uma parte do indeterminismo.
Note-se que o manual não dá qualquer destaque ao conceito de fatalismo porque o amalgama no conceito de determinismo radical. Isto é um erro, até porque há fatalismo que nem sequer assenta em leis deterministas.
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© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
O manual «Ser no mundo, Filosofia 10º ano» de André Leonor e Filipe Ribeiro, com revisão científica de Viriato Soromenho Marques, da Areal Editores, lavra em algumas confusões teóricas. Uma delas é a oposição rígida entre etnocentrismo e relativismo cultural.
ETNOCENTRISMO É CONTRÁRIO DE RELATIVISMO CULTURAL?
Escrevem André Leonor e Filipe Ribeiro :
«Segundo o relativismo cultural, as culturas não são comparáveis quanto à correcção valorativa, não sendo, por isso, possível hierarquizá-las. Não existem culturas melhores nem piores, apenas culturas diferentes. Com base nesta ideia, os defensores do relativismo afirmam que esta atitude fomenta uma atitude de tolerância cultural, pois se todos partilharem deste princípio é possível uma convivência saudável e pacífica entre culturas («Ser no mundo, Filosofia 10º ano» de André Leonor e Filipe Ribeiro, pag. 105, Areal Editores).
Etnocentrismo não se opõe, como contrário, a relativismo. Podemos dizer que a sucessão histórica de diversos etnocentrismos é relativismo, ou seja, é variação e variedade. Exemplo, a história da Palestina: dominada pelo etnocentismo do império egípcio no século XV antes de Cristo, depois pelos etnocentismos hebraico (século X antes de Cristo), assírio ( século VIII, AC), romano e bizantino (de 66 DC a 614 DC), otomano de 1517 a 1917, britânico de 1917 a 1947...
O etnocentrismo opõe-se, como contrário, ao etnoperiferismo, a doutrina que afirma que nenhuma cultura é central, superior às outras, são todas periféricas. Há um etnocentrismo relativista, como o etnocentrismo norte-americano e o da União Europeia que se resume assim: «Aceitamos as diferentes culturas de todos os povos do mundo, mas consideramo-nos superiores nos nossos valores democráticos de matriz cristã, universalistas, por isso intervimos militarmente na antiga Jugoslávia, no Iraque ou no Afeganistão em defesa dos nossos valores». E há um etnocentrismo fascista ou absolutista como o da Espanha do general Franco, de 1939 a 1975, que poderia enunciar-se assim: «Espanha, grande, una e livre, sob o império da Falange Espanhola e do caudilho Franco, é o único país do mundo livre da influência judaico-maçónica e comunista, somos superiores».
O relativismo não implica o nivelamento por igual de todas as culturas, do mesmo modo que o relativismo epistémico de Karl Popper não implica dizer que as teorias das ciências empíricas, sendo todas conjuntos de conjecturas, valem todas o mesmo. Popper escolhia as mais consistentes. A história da ciência manifesta o relativismo, isto é, a mudança do paradigma dominante na sequência temporal: hoje a teoria do Big Bang e do universo inflacionário é aceite pela maioria da comunidade científica, mas nos anos 50 predominava a teoria do universo estacionário. Isto é relativismo mas não iguala as duas perspectivas, em termos sociológicos: os defensores do Big Bang julgam ter razão e superiorizam-se no seu discurso.
A posição de Hegel sobre as religiões é um exemplo do etnocentrismo relativista: a religião mais perfeita é o protestantismo, porque abolindo o clero estabelece a ponte directa entre o crente e Deus uno e trino, cujo filho, Jesus, se ofereceu como sacrifício em prol da humanidade; depois vem o catolicismo, com o inconveniente do clero mediador e das estátuas, seguem-se outras religiões e, por último, a religião do homem que diviniza o crocodilo, religião que ainda possui um mínimo de verdade porque visa o Absoluto, o Outro. Assim, a verdade está distribuída em diferentes graus por todas as religiões mas o protestantismo luterano é a religião central.
Deixemos, pois, de falar na contrariedade etnocentrismo/ relativismo e ponhamos a questão de outra maneira.
O COMPATIBILISMO NÃO É DETERMINISMO MAIS ALGO?
A separação artificial entre os conceitos de compatibilismo e determinismo é outro equívoco deste manual. Lê-se nele:
«Para os deterministas, o indivíduo só seria livre se pudesse escapar à cadeia causal de acontecimentos que o determinam a agir.
Logo, o ser humano não é livre.»
«Para os compatibilistas o facto de o indivíduo poder dispor das condicionantes de acordo com a sua vontade significa que o ser humano faz uso da sua liberdade.
«Logo o ser humano é livre, apesar de não poder libertar-se das condicionantes da acção».
(«Ser no mundo, Filosofia 10º ano» de André Leonor e Filipe Ribeiro, pag. 84, Areal Editores).
No entanto, na página 76 do manual os compatibilistas são designados como deterministas moderados.. que afirmam a existência do livre-arbítrio...Afinal, em que ficamos? Os deterministas negam ou não o livre-arbítrio? Há aqui a névoa da imprecisão porque não se definem as regiões ontológicas onde vigora o determinismo: na natureza biofísica, no espírito humano...
O compatibilismo, designado determinismo moderado (determinismo associado a livre-arbítrio, prefiro chamá-lo assim) é uma espécie dentro do género determinismo. Não pode pois dizer-se que os deterministas negam a liberdade do ser humano mas sim que apenas uma parte dos deterministas a negam.
ALGUMA NEBULOSIDADE SOBRE O QUE É VALOR
Este manual não define, teoricamente, o que é valor. Nas páginas 92 e 93, define juízo de facto e juízo de valor mas não define valor. Na página 93, sem se definir o que é valor, são dados exemplos de valores (belo, feio, bom, mau, justo, injusto, tolerante, intolerante, leal, desleal, pacífico, belicoso, desonesto) e são apontadas características dos valores como polaridade, hierarquia e historicidade e perenidade. Mas definir valor não acontece: não se distingue, com nitidez, que os valores são essências arquetípicas (platonismo), qualidades de substâncias (aristotelismo), essências fenomenológicas objectivas (Scheler), etc.
Diz ainda o manual que:
«O juízo de valor distingue-se do juízo de facto porque é:
> subjectivo, pois depende da opinião ou avaliação do sujeito que o enuncia
> não tem valor de verdade, pois os gostos e as preferências não podem ser classificados como verdadeiros ou falsos;» («Ser no mundo, Filosofia 10º ano» de André Leonor e Filipe Ribeiro, pag. 93, Areal Editores).
O juízo de valor não tem valor de verdade? Claro que tem, ao menos em muitos casos. O juízo «As democracias são mais tolerantes com as vontades e protagonismos individuais dos cidadãos do que as ditaduras» é simultaneamente juízo de facto e juízo de valor. O que é a verdade? Exclui a tonalidade valor? Se o juíz ao condenar profere o juízo «O arguido foi desonesto porque desviou um milhão de euros da empresa em proveito próprio» podemos separar o juízo de valor (é desonesto) do juízo de facto (desviou um milhão de euros)? Não podemos.
UMA EQUÍVOCA DEFINIÇÃO DE OBJECTIVISMO ESTÉTICO
Lê-se no manual:
«Objectivismo estético
Posição que defende que a classificação e construção de juízos estéticos depende dos atributos objectivos do objecto estético.»(«Ser no mundo, Filosofia 10º ano» de André Leonor e Filipe Ribeiro, pag. 196, Areal Editores).
Depende em que medida? Depende... eis uma forma verbal ambígua. Também o subjectivismo estético faz depender, em alguma medida, o juízo estético da objectividade do corpo físico exterior, como neste exemplo: «Acho bela a casca daquele sobreiro ainda que vocês não achem o mesmo.» E é tautológica: depende dos atributos objectivos. E o que são estes? "Objectivismo" depende de "objectivos", círculo vicioso, tautologia.
A minha definição é outra: objectivismo estético é a teoria que sustenta que os valores de belo e de feio são os mesmos para a esmagadora maioria das pessoas ou mesmo para todas. Exemplos: «o pôr do sol sobre o mar é um espectáculo belo, a visão de um cadáver em decomposição é um espectáculo feio.»
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
O manual «Razões de Ser, Filosofia 10º ano» de António Correia Lopes, Pedro Galvão, e Paula Mateus, da Porto Editora apresenta diversas incorrecções teóricas. É inferior, em qualidade teórica, ao manual «Novos Contextos» de José Ferreira Borges, Marta Paiva e Orlando Tavares, da mesma editora, ainda que ambos estejam bem concebidos no plano gráfico.
A INCAPACIDADE DE DEFINIR CLARAMENTE DETERMINISMO E DE CRITICAR, NO ESSENCIAL, O «DILEMA DO DETERMINISMO»
Escrevem António Correia Lopes, Pedro Galvão, e Paula Mateus:
«Hoje, como o determinismo se revelou duvidoso, poucos filósofos se descreveriam como deterministas radicais. Ainda assim, muitos negam o livre-arbítrio porque pensam que a verdade do determinismo é irrelevante para a questão: quer o mundo seja determinista quer seja indeterminista, não somos agentes livres. O seu argumento, conhecido por dilema do determinismo, é o seguinte:
(1) - Ou o mundo é determinista ou é indeterminista.
(2) - Se o mundo é determinista, não temos livre-arbítrio.
(3) - Mas se o mundo é indeterminista, também não temos livre-arbítrio.
(4)- Logo, não temos livre-arbítrio.
É na premissa (3) que temos de nos concentrar. Por que razão havemos de crer que o indeterminismo, como nos diz esta premissa, é incompatível com a liberdade humana?
Vimos já como se pode argumentar que o determinismo exclui o livre-arbítrio. Se o determinismo é verdadeiro, as nossas acções não são livres porque resultam de factores que estão fora do nosso controlo: as leis da natureza e as circunstâncias anteriores à nossa existência.»
(António Correia Lopes, Pedro Galvão, e Paula Mateus, «Razões de Ser, Filosofia 10º ano» página 62, Porto Editora).
Os autores passam por cima da premissa (2) sem detectar que ela se baseia na falsa dicotomia «ou há determinismo ou há livre-arbítrio». O que é o determinismo? Não definem com clareza. Aceitam acriticamente o «argumento da consequência» de Peter van Ingwagen, que reproduzem na página 59 do manual:
«Se o determinismo é verdadeiro, então os nossos actos são consequência das leis da natureza e de acontecimentos situados no passado remoto. Mas o que aconteceu antes de termos nascido não depende de nós; tão-pouco as leis da natureza dependem de nós. Logo as consequências destas coisas (incluindo as nossas ações) também não dependem de nós.» ( Um ensaio sobre o livre-arbítrio, pag 16).
O erro de Peter van Inwagen, filósofo norte-americano, - e de António Correia Lopes, Pedro Galvão, e Paula Mateus, que o seguem, de forma acrítica - é considerar livre-arbítrio e determinismo como contrários excludentes (princípio do terceiro excluído) quando, de facto, são contrários coexistentes num termo intermédio: o determinismo limita-se ao mundo biofísico mas não penetra na esfera humana psíquica onde reina o livre-arbítrio, a razão que faz frente aos impulsos da natureza e delibera. Ambos, o determinismo e o livre-arbítrio, coexistem no tecido do ser, o ser cósmico e o ser humano. Portanto, a premissa (2) do dilema do determinismo é uma falácia. Isto é ignorado pelos autores do manual. A filosofia analítica não conceptualiza a diferença entre contrários excludentes, incompatíveis, e contrários coexistentes, compatíveis.
O FALACIOSO SILOGISMO «MODUS TOLLENS» DO LIBERTISTA
Prossegue o manual:
«Vamos examinar agora as perspectivas que nos dizem que os agentes humanos têm uma vontade livre. Uma delas é o libertismo, que é também uma forma de incompatibilismo. Porém, em vez de afirmar o determinismo para negar o livre-arbítrio, que é a via escolhida pelo determinista radical, o libertista afirma o livre-arbítrio e nega o determinismo. Partindo do argumento da consequência, ele raciocina desta forma:
(1) Se o determinismo é verdadeiro, então não temos livre-arbítrio.
(2) Temos livre-arbítrio.
(3) Logo, o determinismo não é verdadeiro.»
«O grande desafio que se coloca ao libertista é defender a premissa (2), o que implica descobrir uma forma de escapar ao dilema do determinismo.»
(António Correia Lopes, Pedro Galvão, e Paula Mateus, «Razões de Ser, Filosofia 10º ano» páginas 62-63, Porto Editora)
A grande crítica que cabe fazer é à premissa (1). O erro deste silogismo condicional falácia de modus tollens está aí (para ser um modus tollens correcto a segunda premissa seria Não temos livre-arbítrio). O determinismo é verdadeiro em que região do ser? Na natureza biofísica. E o livre-arbítrio, onde vigora? No mundo psíquico e racional humano. Portanto, não podem excluir-se mutuamente, no quadro global. Há lugar para ambos. Os autores do manual não colocam assim a questão com esta clareza e arrastam uma nuvem de confusão raciocinante. Escapar ao dilema do determinismo? Mas é um falso dilema. É esta a mediocridade da filosofia analítica: pseudo dilemas, isto é, falácias de dicotomia, pseudo paradoxos como o de Russel, etc.
O ACASO NÃO CONTRIBUI PARA TORNAR AS ACÇÕES LIVRES?
Escrevem ainda os autores, a propósito de acções livres:
«Como devemos, então, conceber as acções livres? Estas têm de ser acontecimentos indeterminados, segundo o libertista. Mas os acontecimentos indeterminados parecem ser apenas aqueles que ocorrem em parte por acaso. E o acaso, como vimos, nada contribui para tornar uma acção realmente livre.»
(António Correia Lopes, Pedro Galvão, e Paula Mateus, «Razões de Ser, Filosofia 10º ano» página 63, Porto Editora; o destaque a negrito é posto por mim).
É uma visão errónea: a acção livre comporta sempre uma certa dose de acaso psicológico, espiritual, interno ao agente. De facto, na essência da liberdade está o acaso, o não predestinado, o não determinado por um encadeamento rígido de causas e efeitos. O livre-arbítrio é uma estrutura psíquica mista de acaso e necessidade. Se não houvesse acaso nas escolhas racionais, não haveria livre-arbítrio.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
O manual «Novos Contextos, Filosofia 10º ano» de José Ferreira Borges, Marta Paiva e Orlando Tavares, da Porto Editora, apresenta um aspecto gráfico agradável. Já no plano do conteúdo filosófico e epistémico, há equívocos visíveis a apontar-lhe.
INDISTINÇÃO ENTRE COMPATIBILISMO E LIBERTISMO
Escrevem os autores sobre o compatibilismo ou determinismo moderado:
«O compatibilismo, também designado determinismo moderado, é uma perspectiva que aceita o determinismo no mundo natural, mas defende que existe espaço para a liberdade e para a responsabilidade humanas. Afirma que, além disso, que um acto pode ser, ao mesmo tempo, livre e determinado. (...)
«Na perspectiva dos compatibilistas, mesmo que as nossas acções sejam causadas, podemos sempre agir de outro modo se assim o escolhermos. » (José Ferreira Borges, Marta Paiva e Orlando Tavares, «Novos Contextos, Filosofia 10º ano», paginas 78-79,
Porto Editora).
E sobre o libertismo, que afirmam ser diferente do compatibilismo escrevem:
«O libertismo é a corrente que defende, de modo mais radical, o livre-arbítrio e a responsabilidade do ser humano. Para defender a liberdade de escolha, considera-se que o agente tem o poder de interferir no curso normal das coisas pela sua capacidade racional e deliberativa.»
«É como se existisse uma categoria especial de causalidade do agente por meio da qual este inicia, ao agir, sequências de acontecimentos, sem que esse desencadear seja, por sua vez, causalmente determinado.» (José Ferreira Borges, Marta Paiva e Orlando Tavares, «Novos Contextos, Filosofia 10º ano», paginas 79, Porto Editora).
Mas, afinal, o que distingue o libertismo do determinismo, se, neste último, «podemos sempre agir de outro modo se assim o escolhermos», isto é, agir sobre e contra o determinismo? Nada. Rigorosamente nada. A dualidade compatibilismo/ libertismo é uma das duplicações falaciosas da filosofia analítica presente em quase todos os manuais de filosofia em Portugal. Requer a navalha de Ockham: sintetizar, cortar as «gorduras» do pensamento inerte e balofo.
Á noção de libertismo é ambígua na esfera da filosofia analítica. Há alguns autores desta corrente que definem libertismo como existência do livre-arbítrio e inexistência de leis biofísicas fixas, isto é, de determinismo físico. Neste caso, libertismo distinguir-se-ia de determinismo moderado.
Mas porque se chamaria ao libertismo «incompatibilismo», se o livre arbítrio se compatibilizaria com um funcionamento indeterminista da natureza biofísica? É um compatibilismo, diferente do «determinismo moderado» baptizado de «compatibilismo» nos manuais. Compatibilismo é uma noção formal, insubstancial, que pode aplicar-se a mais do que uma corrente da esfera livre-arbítrio/determinismo/ indeterminismo. Isto não o concebem os pensadores "analíticos".
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
No «Filosofia 10º ano», manual do professor, da Plátano Editora, para o ensino secundário em Portugal, editado em Março de 2013, cujo autor é Luís Rodrigues- tendo Álvaro Nunes como consultor científico - abundam definições equívocas.
O OBJECTIVISMO MORAL NÃO DEPENDE DE PONTOS DE VISTA COLECTIVOS?
Escreve Luís Rodrigues sobre o objectivismo moral:
«Os objectivistas acreditam que os juízos de valor podem ser verdadeiros ou falsos - têm valor de verdade - e que essa verdade ou falsidade não depende dos pontos de vista, de sentimentos ou de gostos, sejam estes individuais ou colectivos. Esse valor de verdade é independente da opinião ou do ponto de vista de cada pessoa ou de cada cultura. Assim se considerarmos os juízos «A eutanásia é moralmente errada» e «A eutanásia é moralmente correcta» temos, segundo os objectivistas, de reconhecer que um dos juízos é falso.» (Luís Rodrigues, Filosofia 10º ano, manual do professor, pag. 80, Plátano Editora).
Luís Rodrigues esquece ou ignora que a palavra objectivismo possui dois sentidos: verdade patente a todos, intra anima, isto é, dentro das mentes, intersubjectiva (exemplo: sete mais dois é igual a nove é um juízo objectivo mas depende das mentes, um retardado mental não conseguirá obter esta abstração); verdade extra anima, fora das mentes humanas, realidade em si mesma. Como é habitual, os partidários da filosofia analítica consideram unidimensionalmente o sentido de uma palavra, sem se aperceberem de outros sentidos que ela encerra.
Podemos dizer que a teoria atómica não é objectivismo? A partir do momento em que se instituiu universalmente que o número de massa do hidrogénio é um e o do oxigénio é oito estamos perante verdades objectivas, no sentido sociológico: a maioria dos cientistas, dos académicos, dos editores, dos políticos decreta e toma isto como verdade e quase toda a gente o aceita. O objectivismo moral emana da opinião da larga maioria das pessoas numa comunidade regional, nacional ou mundial. Por exemplo, o juízo «É crime agredir fisicamente ou matar bebés» é objectivismo moral mas depende de sentimentos colectivos, ao contrário do que sustenta Rodrigues. Há sempre psicopatas capazes de torturar ou matar bebés, o que retira universalidade absoluta a esse juízo moral.
CONFUNDIR RELATIVISMO COM ABSOLUTISMO DA IDEOLOGIA DOMINANTE
Repetindo os equívocos de Peter Singer, Blackburn e outros adversários da dialética hegeliana ou marxista sobre o que é relativismo, escreve Rodrigues:
«As convicções da maioria dos membros de uma sociedade são a autoridade suprema em questões morais. O relativismo cultural acerca de assuntos morais afirma que o código moral de cada indivíduo se deve subordinar ao código moral da sociedade em que vive e foi educado. Os juízos morais de cada indivíduo são verdadeiros se estiverem em conformidade com o que a sociedade - a maioria dos seus membros - a que pertence considera verdadeiro. »(Luís Rodrigues, Filosofia 10º ano, manual do professor, pag. 81, Plátano Editora)
Ora, o relativismo não defende nada disso. Apenas sustenta a pluraridade de pontos de vista - o que Nietzsche designou por perspectivismo, isto é, que a verdade é relativa às classes sociais e aos indivíduos, varia de classe a classe social, de grupo a grupo, de indivíduo a indivíduo. A instituição do casamento gay e lésbico, em França, é um exemplo de relativismo, porque pressupõe que há várias verdades no campo sócio-sexual e não apenas a verdade da maioria heterossexual (absolutismo). A definição de relativismo que Luís Rodrigues dá é errónea: o relativismo é o espraiar das diferenças no seio de cada sociedade e não o afunilamento da submissão à ideologia dominante, ao sentir e pensar da maioria dos cidadãos. Tão mal pensam os "analíticos"! Entendem, erroneamente, por relativismo o monolitismo, o absolutismo, à escala nacional. E entendem tanbém por relativismo a variação, a diversidade, à escala internacional, o que está certo. Enredam-se na incoerência.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
No manual «Filosofia 10º ano», da Raíz Editora, para o ensino secundário em Portugal, manual cujos autores são Adília Maia Gaspar e António Manzarra - e o catedrárico Michel Renaud como consultor científico - encontram-se, mais uma vez, as confusões inerentes à filosofia analítica contemporânea.
CONFUSÃO DE DETERMINISMO COM FATALISMO E NÃO DISTINÇÃO ENTRE LIBERTARISMO E COMPATIBILISMO
Aponta o referido manual quatro concepções acerca do determinismo e do livre arbítrio:
«Determinismo- Nega a existência do livre-arbítrio. O ser humano, tal como todos os fenómenos da natureza, está determinado pelo princípio da causalidade.
Indeterminismo - Não assume a existência do livre-arbítrio, assim como os fenómenos físicos se dão aleatoriamente e não segundo uma determinação prévia ou uma vontade, o mesmo acontece com a acção humana.
Libertarismo - Afirma a existência do livre-arbítrio, pois havendo separação entre a natureza física e a mental, esta última não é determinada pelo princípio da causalidade, mas sim pela vontade.
Compatibilismo- Afirma a relação entre determinismo e livre-arbítrio ao admitir que o ser humano é determinado, mas a sua acção pode ser livre dentro dos limites em que não existem constrangimentos.» (Adília Maia Gaspar e António Manzarra, Filosofia 10º ano, pág. 74, Raíz Editora)
Comecemos por notar a ambiguidade da noção de determinismo: na primeira definição é dito que o determinismo exclui o livre-arbítrio, e é, portanto, uma lei totalitária sobre toda a natureza biofísica, incluindo a vida humana física, psíquica, social, espiritual. Na definição de compatibilismo, dada acima, a noção de determinismo já não exclui o livre-arbítrio. Onde está o erro? Na confusão entre determinismo e fatalismo. Onde se lê determinismo na primeira das quatro definições acima, deveria ler-se fatalismo, doutrina da predestinação absoluta. E note-se que o fatalismo pode, ou não, reger-se por leis fixas e imutáveis. Determinismo não é tudo estar predestinado: é o facto de, nas mesmas circunstâncias, as mesmas causas produzirem sempre os mesmos efeitos, o que não exclui factores aleatórios exteriores como o livre-arbítrio.
Thomas Nagel, esse académico injustamente elevado à condição de «grande filósofo» por editores e académicos néscios, perfilha o mesmo erro de confundir determinismo com fatalismo:
«Algumas (pessoas) pensam que, se o determinismo é verdadeiro, ninguém pode ser razoavelmente elogiado ou condenado por nada, tal como a chuva não pode ser elogiada ou condenada por cair.» (Thomas Nagel, Que quer dizer tudo isto?, pag 57 citado in Adília Maia Gaspar e António Manzarra, Filosofia 10º ano, pág. 75, Raíz Editora).
O próprio John Searle cai em contradição:
«Naturalmente, tudo no mundo é determinado mas, apesar de tudo, algumas acções são livres. Dizer que são livres não é negar que sejam determinadas; é afirmar que não são constrangidas. Não somos forçados a fazê-las.» ( John Searle, Mente, cérebro e ciência, citado in Adília Maia Gaspar e António Manzarra, Filosofia 10º ano, pág. 77, Raíz Editora; o destaque a negrito é posto por mim).
Dizer que uma acção é livre não é negar que seja determinada? Claro que é: livre opõe-se a determinado. Como é que a acção livre de eu escolher entre tomar um café ou comer um bolo é determinada e livre ao mesmo tempo? Se é determinada, não é livre. E o determinismo não é um constrangimento da acção? Claro que é. Eis o «grande»John Searle, paladino da confusão analítica, no seu melhor! Como não hão-de os autores de manuais veicular erros se os teóricos que os inspiram mergulham no magma da confusão?
As definições, acima, de libertarismo e compatibilismo não se distinguem uma da outra: em ambas, se postula haver livre-arbítrio; em ambas (na primeira, de forma não explícita) se postula haver determinismo. É, pois, uma duplicação da mesma ideia, formulada em termos diferentes, um erro de «paralaxe». Não distinguindo correctamente os géneros das espécies e as diferentes espécies entre si, por ausência de racionalidade dialéctica, a filosofia analítica (Thomas Nagel, Simon Blackburn, Nigel Warburton, os autores do «Routledge Dictionary of Philosophy» como Michael Proudfoot e A.R. Lacey, e muitos outros) produz deformações teóricas da realidade.
A CONFUSÃO DE OBJECTIVISMO AXIOLÓGICO COM REALISMO AXIOLÓGICO
O manual define três correntes sobre os valores: subjectivismo axiológico, objectivismo axiológico e concepção relacional dos valores, divisão que só na aparência está certa. Sobre o objectivismo axiológico, escreve o manual:
«O objectivismo axiológico representado na época contemporânea por filósofos como Max Scheler (1874-1928) e Nicolai Hartman (1882-1950) que lhe aportaram um contributo próprio e original, remonta a Platão (século IV- a.c) e à Teoria das Ideias por ele defendida.(...)«
«Como podemos depreender, de acordo com esta concepção, os valores são independentes das coisas valiosas; estas só são coisas valiosas na medida em que deles participam; por exemplo, um quadro só é belo se conseguir corporizar o ideal de beleza...»(Adília Maia Gaspar e António Manzarra, Filosofia 10º ano, pág. 92, Raíz Editora).
Ora, esta definição não está certa, é redutora. O objectivismo não implica, necessariamente, que os valores sejam independentes das coisas valiosas. A teoria de Aristóteles é um exemplo de objectivismo imanentista dos valores, em que os valores residem apenas nas coisas valiosas: o belo só existe imanente às flores belas, às mulheres belas, às paisagens belas, à escrita e à pintura ou escultura belas e a um sem número de coisas ou actos reais; não existe o Belo como arquétipo num mundo inteligível de Ideias, como teorizava Platão.
Por outro lado, a axiologia de Max Scheler não é um realismo axiológico mas fenomenologia axiológica: os valores são objectivos mas não existem por si mesmos, sem humanidade e sem homens individuais que os definam e experienciem. Ora isto é a «concepção relacional dos valores» que Adília Gaspar, António Manzarra e Michel Renaud distinguem, erroneamente, de objectivismo dos valores. De facto, Scheler veiculava essas duas posições: objectivista e correlacional dos valores, posições que pertencem a géneros diferentes e, portanto, podem coexistir na mesma teoria. Mais uma vez a superioridade da dialéctica, contida na minha crítica, sobre a filosofia analítica, desengonçada e caótica.
OS UTILITARISTAS ACTUAIS SUBSTITUIRAM A FELICIDADE PELA PREFERÊNCIA?
O manual escreve:
«Na época contemporânea, utilitaristas como Richard Hare e Peter Singer substituiram o conceito de felicidade pelo de preferência. Singer pretende mesmo explicar o comportamento moral recorrendo à teoria da evolução.» ...»(Adília Maia Gaspar e António Manzarra, Filosofia 10º ano, pág. 151, Raíz Editora; o destaque a negrito é posto por mim).
Mesmo que esta frase, assumida por Adília Maia Gaspar, António Manzarra e Michel Renauld, se possa imputar a Richard Hare e Peter Singer ela revela apenas a confusão intelectual dos filósofos analíricos e dos autores deste manual: a felicidade não pode ser substituída pela preferência porque são espécies de géneros diferentes, felicidade é um conteúdo hedónico e preferência é uma forma, um meio de manipular aquele conteúdo. Os universitários de filosofia não conhecem a dialética.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
A previsão científica de sismos, segundo uma teoria de probabilidades, é possível, não na astrologia em geral mas na astrologia histórico-social. Os factos estão predestinados, há leis de equilíbrio Yang-Yin que impedem a desordem e o predomínio do aleatório, mas há complexidade no delinear e no decifrar do destino porque há várias leis astronómico-zodiacais actuando ao mesmo tempo para produzir, por exemplo, um sismo num dado país, a queda de um avião, um acidente numa central nuclear,etc. A probabilidade é o modo imperfeito de conhecermos a necessidade, o que está de antemão escrito nas estrelas.
Perguntar-me-ão: era previsível o sismo no sul do Irão, em 9 de Abril de 2013? Respondo que sim. Vejamos uma das leis que presidiu à irrupção deste sismo.
ÁREA 22º-24º DO SIGNO DE CARNEIRO:
SISMO NO IRÃO
A passagem do Sol ou de um planeta em 22º-24º do signo de Carneiro é condição necessária mas insuficiente para gerar um sismo notável no Irão.
Em 22 de Fevereiro de 2005, com Nodo Norte da Lua em 24º 2´/ 23º 52´ de Carneiro, um sismo de 6,4 na escala de Richter, com epicentro perto de Zarand, na província de Kerman, perto da cidade de Bam, destroi 40 aldeias e causa 602 mortos e mais de 1 000 feridos; em 9 de Abril de 2013, com Sol em 21º 16´/ 22º 14´ de Carneiro, um sismo de 6,1 na escala de Richter, a cerca de 100 quilómetros da central nuclear de Busher, a única do Irão que se encontra em fase de testes, abala a província de Busher, no sul do Irão, causando 37 mortos nas localidades de Kaki, onde se situou o epicentro do sismo, e em Tasuch e Shanbe, e 850 feridos, destruindo mais de oito centenas de casas, e deixando 10 000 desalojados.
JÚPITER EM 14º-16º DO SIGNO DE GÉMEOS: UM SISMO NA ARGÉLIA, OU NO IRÃO, ENTRE 14 E 28 DE ABRIL DE 2013?
A passagem do Sol ou de um planeta em 14º-16º do signo de Gémeos é condição necessária mas insuficiente para gerar um sismo notável na Argélia ou Irão. Eis alguns exemplos.
Em 21 de Junho de 1990, com Mercúrio em 15º 48´/ 17º 46´ de Gémeos, um sismo com magnitude 7,7 na escala de Richter, nas províncias de Gilan e Zanyan, no Noroeste do Irão, arrasa 17 vilas, 1 871 aldeias e provoca cerca de 37 000 mortos e 100 000 feridos; em 21 de Março de 2006, com Marte em 16º 23´/ 16º 57´ de Gémeos, um sismo de magnitude 5,8 na escala de Richter é sentido em Laâlam, na região de Béjaia, leste de Argel, provocando quatro mortos, 68 feridos, e destruindo 38 casas; em 6 de Junho de 2008, com Vénus em 14º 48´/ 16º 2´ de Gémeos, um sismo com magnitude de 5,5 graus na escala de Richter eclode na Argélia, na região de Oran (430 quilómetros a leste de Argel) e causa 11 feridos e pânico na cidade de Oran.
De 14 a 28 de Abril de 2013, Júpiter viajará de 14º a 16º do signo de Gémeos. Pode-se garantir que haverá infalivelmente um sismo na Argélia ou no Irão nesse período? Não. Necessitamos de conhecer e predizer segundo outras leis astronómicas. E nesse período de 14 a 28 de Abril, há dias de maior probabilidade de eclosão de tal sismo? Sim. Em 27 e 28 de Abril, porque nesses dias Mercúrio transita a área 22º-24º do signo de Carneiro. E há outras datas, em 2013, de planetas ou Sol na área 14º-16º de Gémeos: de 21 a 24 de Maio ( Mercúrio e Vénus), de 4 a 7 de Junho (Sol), de 20 a 24 de Junho (Marte).
5º DO SIGNO DE TOURO:
SISMO MO TURQUEMENISTÃO OU NA TURQUIA
A passagem do Sol ou de um planeta em 5º do signo de Gémeos é condição necessária mas insuficiente para gerar um sismo notável no Turquemenistão ou na Turquia.
Em 6 de Outubro de 1948, com Nôdo Norte da Lua em 5º 2´/ 5º 3´ de Touro, um sismo de magnitude 7,3 Richter provoca 110 000 mortos em Acchkabad, no Turquemenistão, na URSS; em 4 de Fevereiro de 1979, com Quiron em 5º 14´/ 5º 16´ de Touro, um sismo de magnitude 6,8 Richter provoca 100 mortos, 200 feridos, 5 000 casas destruídas e 11 000 no Turquemenistão, na URSS; em 19 de Maio de 2011, com Marte em 5º 47´/ 6º 31´ de Touro, um sismo de magnitude 5,9 graus na escala aberta de Richter abala o noroeste de Turquia, provocando dois mortos, um deles por pânico ao atirar-se de uma janela, e estragos, com epicentro em Simav, localidade da província de Kutahya, situada a cerca de 130 quilómetros a oeste de Ancara, citando o Instituto Sismológico de Kandilli, em Istambul.
Em 2013, dias em que um planeta ou o Sol transitam o grau 5 do signo de Touro são: 19 e 20 de Abril (Vénus), 25 e 26 de Abril (Sol), 27 e 28 de Abril (Marte), 4 de Maio (Mercúrio), 22 a 31 de Dezembro (Nodo Sul da Lua).
São estes dados aleatórios? Pois, se o são, que o provem os adversários da astrologia. Acontece que estes ( entre outros: Saul Kripke, Simon Blackburn, Thomas Nagel, Carlos Fiolhais, Boaventura Sousa Santos, Olivier Feron, etc) são tão fracos epistemicamente que, em regra, não conhecem sequer as movimentações dos planetas no céu, não sabem consultar as tabelas de efemérides planetárias e repetem à ladainha gasta do velho Popper, de Carl Sagan e de muitos outros catedráticos: «A astrologia não é ciência, é uma superstição». Amén. Os que não investigam não têm direito a emitir teses.
Este tipo de astrologia, a astrologia histórico-social, cruzando os factos da história humana e da Terra com as posições dos planetas, é perfeitamente racional e tem fundamento empírico. Não tem misticismo algum: o destino está escrito por leis de geometria planetária, haja ou não deuses. Não se vê por que não há-de ser considerada ciência, a não ser devido a que a qualidade das docência e da investigação nas universidades do século XXI é inferior, no campo do raciocínio holístico, ao saber das universidades do Renascimento.
PS- Se é professor ou estudante de filosofia, história, astrologia ou demais ciências, porque não começa a compreender os movimentos planetários e a astrologia histórico-social e libertar-se da crucial ignorância a que o votaram nessa matéria? Adquira na nossa loja online www.astrologyandaccidents.com as nossas obras «Álvaro Cunhal e Antifascismo na Astrologia Histórica», recentemente lançada, «Os acidentes em Lisboa na Astronomia-Astrologia» e outras que lhe fornecem conhecimentos que em nenhum outro lado pode encontrar. É tempo de ser culto e profundo! Pense por si, sem receio dos clichés dominantes.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
A filosofia analítica declara que o conhecimento é «uma crença verdadeira justificada». Ora, o conhecimento não é crença, não inclui a crença: o conhecimento é a apreensão de um objecto material, ideal ou lógico por uma consciência de um sujeito. A crença é colateral ao acto de conhecimento. Na verdade, só há crença na medida em que há dúvida, desconhecimento. Os católicos ou os judeus crêem em Deus porque não O conhecem, nem estão certos de que existe: desejam que Ele exista a fim de encontrarem paz e conforto. O céptico não é menos crente que o dogmático. O céptico crê que é impossível conhecer se há vida após a morte física, se os quarks e leptões existem realmente, se o amor a outrém existe, em si mesmo, ou se é apenas uma modalidade do amor próprio.
O que os crentes religiosos conhecem é uma ideia de Deus, uma descrição desta entidade, real ou meramente imaginária. Não conhecem Deus - a menos que reduzam este à mente superior de cada um, observada internamente. A crença implica fé. Mas o conhecimento dispensa a fé, porque, em si mesmo, é uma apropriação, um contacto intelectual ou empírico-intelectual com a verdade material ou ideal.
Na crença existe distância. No conhecimento, há fusão, anulação da distância. O conhecimento é uma adesão indiscutível, que está além da hesitação da crença.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
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