O princípio do terceiro excluído está incompleto, a meu ver, e carece de um princípio do quarto excluído que o substitua. A formulação deste deverá ser a seguinte: uma coisa ou qualidade é algo ou não é algo, ou é, em simultâneo, ambos os campos (ser algo e não ser algo), não havendo lugar para quarta hipótese. De facto, o princípio do terceiro excluído, imensamente útil na determinação da lei dialéctica da contradição principal, parece insuficiente na consideração dos estados intermédios. O terceiro excluído postula: uma coisa ou qualidade pertence ao grupo A ou ao grupo não A, não havendo a terceira hipótese. Isto depara com dificuldades. Por exemplo, o hermafrodita não pertence ao grupo masculino nem ao grupo não masculino, se possui um rudimentar orgão sexual masculino e um orgão sexual feminino incipiente? Pertence a ambos. Ora, o princípio do terceiro excluído não contempla a pertença simultânea de algo a ambos os grupos.O tabuleiro de xadrez pertence em simultâneo aos géneros branco e não branco: branco nas diagonais de quadrados brancos e não-branco, neste caso negro, nas diagonais de quadrados negros.
Com este princípio do quarto excluído, a realidade da tríade (os contrários e o intermédio) encaixa na díade ( A e não A), invade de algum modo esta em vez de constituir uma faixa intermédia separada. O três fica dentro do dois em vez de ser um segmento aparte. É de notar que Aristóteles, grande mestre da lógica, sustentou que só os contrários possuem intermédio - exemplo: cada ser humano é um intermédio entre o amor e o ódio - e que os contraditórios não possuem termo médio entre si - exemplo: qualquer ente ou é cão ou não cão, sem estado intermédio. Suponho poder dizer que se é verdade que os contraditórios não possuem um termo intermédio, na fronteira entre ambos, possuem termo intramédio, isto é, um termo que é comum a ambos e está dentro deles em simultâneo, não numa zona neutra de fronteira. Seria pois uma síntese interna a ambos e não uma síntese externa.
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O livro de exercícios «Filosofia para a prova de exame do 10º ano», de Luís Rodrigues, apresenta diversas questões de resposta errada ou incompleta, nos mesmos moldes da famigerada prova de exame nacional de filosofia de Julho de 2007. Este tipo de questões, mal formuladas em parte ou no todo, não podem ser colocadas no exame nacional de filosofia sob pena de criarem injustiças sérias na correcção dos testes. Vejamos exemplos:
«Seleccionar a alternativa correcta - ou as alternativas correctas quando for o caso.
1) O relativista moral cultural defende que:
a) Não há verdades morais objectivas.
b) Todos os juízos morais são falsos.
c) Não há acções imorais.
d) Há verdades morais objectivas.
R:a) Não há verdades morais objectivas. »
(Luís Rodrigues, Filosofia para a prova intermédia do 10º ano, pag. 65, Plátano Editora)
Crítica minha: As quatro respostas estão erradas. Os relativistas culturais, isto é, aqueles que afirmam os valores de bem e mal variam de época a época e de classe a classe social, dividem-se em dois grupos: os que sustentam que não há verdades morais objectivas e desembocam, frequentemente, no cepticismo (exemplo: há o amor dentro do matrimónio swinger, há o amor no matrimónio monogâmico de mútua fidelidade, não sei qual deles é moralmente o melhor); os que sustentam que há verdades morais objectivas - as mesmas para uma vasta comunidade, como por exemplo «a pedofilia é crime moral» - e constatam essas verdades variaram ao longo dos séculos, no exemplo, verificam que a pedofilia já foi aceite na antiguidade como um «bem acessível a certas camadas de homens». Logo, as respostas a e d estão parcial mas não totalmente correctas.
Voltemos a outra questão desenhada por Rodrigues:
7a) Um valor moral é objectivo:
a) Quando é aceite pela maioria dos membros de uma cultura.
b) Quando é verdadeiro ou falso independentemente do que alguém possa pensar àcerca do seu conteúdo.
c) Quando promove a tolerância entre diferentes pontos de vista.
d) Quando não é verdadeiro nem falso para um indivíduo.
R:b) Quando é verdadeiro ou falso independentemente do que alguém pensar àcerca do seu conteúdo.
(Luís Rodrigues, ibid, pag 67)
Ao contrário do que sustenta Luís Rodrigues, há duas respostas certas: a da alínea a e a da alínea b. O termo objectividade tem pelo menos dois sentidos: certeza partilhada pela maioria ou por uma boa parte dos membros de uma comunidade e nisso corresponde à alínea A; realidade em si mesma, independente das mentes humanas, à maneira dos arquétipos em Platão, e nisso corresponde à alínea B. Não se pode impor um único sentido ao termo objectividade, dado que possui vários, algo similares entre si.
8)a) Vive e deixa viver porque a cada qual a sua verdade em questões morais. Esta convicção é defendida:
a) Pelo relativismo moral cultural.
b) Pelo subjectivismo moral.
c) Pelo cepticismo moral.
d) Por quem acredita que a moral depende da religião.
R: b) Pelo subjectivismo moral. (Luís Rodrigues, ibid, pag 67).
Mais uma vez a visão unilateral de Luís Rodrigues estreita o campo das respostas válidas. O subjectivismo é, sob certo prisma, um relativismo individualista ou individuado: a verdade varia de pessoa para pessoa. As respostas A, B e C estão correctas. O relativismo da ideologia liberal-democrática preconiza que se viva e deixe viver cada um a respectiva verdade moral, isto é, abre campo à subjectividade, mas nem por isso é um subjectivismo visto que estabelece certas regras comuns como por exemplo «respeitar o direito de adversários políticos e culturais se exprimirem nas ruas e na imprensa, condenar a pedofilia, etc».Luís Rodrigues, tal como os autores em que se inspira, não sabe definir correctamente relativismo moral cultural confundindo-o com relativismo adicionado de cepticismo "igualitarista".
É indispensável que o GAVE, responsável pelos exames nacionais de Filosofia a terem lugar em 2012, prescinda dos serviços de Luís Rodrigues e do seu grupo em matéria de elaboração de provas de exame e se oriente para quem tenha uma concepção filosófica ampla e de rigor.
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O livro de exercícios «Filosofia para a prova de exame do 10º ano», de Luís Rodrigues, é um amontoado de confusões teóricas que impede os estudantes e professores de filosofia de divisarem claramente os contornos e o conteúdo de diversos conceitos e teses fundamentais na ética e metaética. Luís Rodrigues, como os outros autores de manuais de filosofia para o 10º ano em Portugal, propaga a errónea tese de Simon Blackburn de que são 4 as teorias sobre livre-arbítrio e determinismo: determinismo radical, determinismo moderado, libertismo e indeterminismo. A definição de libertismo é imensamente confusa e traduz a mediocridade que impera no ensino da filosofia em Portugal. Se a maioria dos professores de filosofia ensina deste modo os seus alunos, é a prova de que os antifilósofos, os preguiçosos ou inábeis do pensamento são a maioria na docência desta disciplina. Não admira: ser professor de filosofia não é ser filósofo necessariamente.
CONFUSÃO NA DEFINIÇÃO DE LIBERTISMO: NÃO É INDETERMINISMO NEM DETERMINISMO (VIOLA O 3º EXCLUÍDO), É «IMCOMPATIBILISMO» MAS COMPATÍVEL COM O DETERMINISMO
Escreveu Luís Rodrigues:
27. O libertismo é sinónimo de indeterminismo?
«Não. Segundo os libertistas, o determinismo é falso (o que significa que algumas acções são livres, não são causalmente determinadas] e o indeterminismo também. Isso significa que nem todas as acções são o desfecho necerssário de causas anteriores (negação do determinismo) ou o resultado do acaso (negação do indeterminismo)? Em ambos os casos, as acções dependem da nossa vontade. Não fazemos o que queremos fazer (não somos livres) porque não controlamos os acontecimentos.» (Luís Rodrigues, Filosofia para a prova intermédia do 10º ano, pag. 31, Plátano Editora)
O primeiro erro de Luís Rodrigues é não definir correctamente determinismo. Em vez de afirmar que se trata do princípio segundo o qual nas mesmas circunstâncias as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos - definição simultaneamente sincrónica e diacrónica - Luís Rodrigues fornece-nos uma definição unilateralmente diacrónica de determinismo: desfecho necessário de causas anteriores, cadeia de acontecimentos vinda do passado. Ora o determinismo é, por exemplo, neste preciso instante a luz solar embater nas moléculas do ar em múltiplos lugares da Terra, dispersar-se e dar a todos os que observam o céu a intuição de cor azul neste instante - e isso não implica necessariamente as causas e efeitos remotas do passado mas apenas a instantaneidade presente. A dimensão de simultaneidade - muitas causas idênticas produzindo efeitos idênticos entre si ao mesmo tempo - falta na definição do pequeno filósofo Blackburn e do seu imitador Luís Rodrigues.
Em segundo lugar, Rodrigues, tal como Blackburn e Desidério Murcho, violam o princípio do terceiro excluído ao colocar o libertismo fora da totalidade da contradição determinismo (campo A)/ indeterminismo (campo não A). O libertismo, se não é determinismo, tem de ser necessariamente indeterminismo. Não há terceira hipótese. Mas isto é incompreensível para as mentes anti dialécticas destes autores e de grande parte dos professores de filosofia que os reproduzem, acriticamente. Ora o libertismo é de facto indeterminismo tal como o livre-arbítrio e o acaso na natureza biofísica. Basicamente, as coisas reduzem-se a uma dualidade: necessidade (não liberdade) e liberdade ou acaso. Quem não for capaz de reduzir as correntes a esta dualidade e à tríade dela decorrente não sabe pensar filosoficamente, com rigor.
Em terceiro lugar, Luís Rodrigues e Blackburn não se dão conta que a sua definição de libertismo é a mesma, ao menos parcialmente, que a definição que fornecem de «determinismo moderado». Aliás, deveriam meditar: se o determinismo é "moderado", isto é, limitado, contrariado, quem o limita? O livre-arbítrio, ou seja, a característica essencial que eles mesmos atribuem ao libertismo.
Em quarto lugar, Rodrigues afirma que o libertismo é um incompatibilismo mas contradiz-se ao postular que esta corrente admite acções determinadas (obedientes ao determinismo), logo é compatível com o determinismo:
«O libertismo não diz que não há acções determinadas - uma constipação é uma acção determinada por factores que escapam ao nosso controlo - mas somente que algumas acções não são o desfecho necessário de causas anteriores. Há acontecimentos que estão fora do nosso controlo, mas nem todos os acontecimentos estão fora do nosso controlo.» (Luís Rodrigues, ibid, pag 31; o negrito é posto por mim).
Se o libertismo admite que há acções determinadas, é um compatibilismo: é compatível com essas acções e, sendo assim, é o mesmo que determinismo moderado, ou seja, determinismo ladeado por livre-arbítrio. (exemplo: as ondas do mar fortíssimas arrastar-me-ão se entrar no mar a fundo mas tenho a liberdade de entrar ou não no mar.
A definição de libertismo só poderia ter consistência se negasse em toda a extensão a existência do determinismo na natureza biofísica e no espírito. Mas nem Blackburn nem Luís Rodrigues e amigos intuem esta divisão dialéctica, perdidos na hiper compartimentação dos seus conceitos.
A SUPOSTA DIFERENÇA ENTRE DETERMINISMO MODERADO E LIBERTISMO, SEGUNDO RODRIGUES: O LIVRE-ARBÍTRIO BASEADO NAS CRENÇAS E NOS DESEJOS E O LIVRE-ARBÍTRIO BASEADO NO «EU»...
Para Luís Rodrigues, imerso nas confusões teóricas do seu mestre Simon Blackburn, a diferença essencial entre o determinismo moderado e o libertismo, para além do primeiro não enfatizar a influência dos acontecimentos anteriores e receber o incompreensível título de «incompatibilismo», residiria no facto de o livre-arbítrio pilar do primeirro assentar nos desejos e crenças do sujeito e o livre-arbítrio pilar do segundo estar consubstanciado no eu:
«O determinista moderado concebe a liberdade de outro modo: livre é a acção que tem como causa os desejos e crenças de um indivíduo, isto é, uma acção cuja causa não são forças externas ao agente. » (Luís Rodrigues, ibnid, pag 30).
«Aqui o libertista responde que os seres humanos não são seres simplesmente naturais porque as deliberações dos agentes humanos são acontecimentos mentais. Nem todos os acontecimentos do universo são o efeito do tipo de causas estudadas pelos físicos e pelos biólogos. Os seres humanos, como pensava Kant, são seres com um estatuto diferente e nem todas as suas acções seguem as leis que regem o comportamento das plantas, minerais e outros animais. Não escolho livcrementer ter agora tensão arterial elevada ou cumprir a lei da gravidade. Contudo, escolho livremente se caso ou não, se leio um livro ou uma revista. Embora essas decisões possam ser influenciadas por vários factores, não são causalmente determinadas por condições anteriores (estados psicológicos anteriores ou factores externos).» (Luís Rodrigues, ibid, pags 31-32; o negrito é colocado por mim).
Poderá separar-se, como supõem Rodrigues e Blackburn, os estados psicológicos internos e as crenças do sujeito, «fundamentos» da decisão livre no «determinismo moderado», do «eu livre do determinismo» , suposto «fundamento» do libertismo? Não, não pode. O eu não existe separado das suas crenças e estados psicológicos, logo a distinção desenhada por Rodrigues acima é uma miragem, um equívoco. Por que razão Blackburn e o seu discípulo Luís Rodrigues classificam Kant de libertista e não de determinista moderado, se Kant afirma que o eu fenoménico (o corpo e os seus desejos) está submetido às leis da natureza biofísica?
Tanta confusão teórica em autores de manuais, que possivelmente modelarão a prova de exame nacional de filosofia, deve ser discutida e expurgada. Torna-se necessário um movimento nacional de professores de filosofia para varrer a deletéria influência dos Desidério Murcho, Luís Rodrigues, Aires Almeida, Pedro Galvão e outros no ensino da filosofia em Portugal. o que significa, no mínimo, deixar de adoptar os manuais da Lisboa Editora, da Plátano Editora e da Areal Editores, veículos dos erros daquele grupo de docentes. Apenas os filósofos, que são muito poucos entre os professores de filosofia, têm direito a elaborar as provas nacionais de exame. Tudo o resto é erro, burocracia, "estalinismo" logicista analítico (que em Portugal, parafraseando o título do livro de Lenine O esquerdismo, doença infantil do comunismo, recebe o nome de desiderismo, a doença senil do logicismo) , triunfo dos incompetentes.
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No «Tratado da Natureza humana», David Hume expôs a sua tese empirista fundamental de que todas as nossas ideias derivam das impressões sensoriais. Frisou, no entanto, que há excepções, o que esbate ou anula, em certa medida, a tese emprirista primitiva de que «nada está no intelecto que não tenha estado previamente nos sentidos». Hume escreveu:
«Imaginemos pois uma pessoa que durante trinta anos gozou da visão e se familiarizou perfeitamente com todas as espécies de cores , excepto, por exemplo, uma determinada cambiante de azul que o acaso jamais lhe proporcionou encontrar. Coloque-se diante dessa pessoa todas as cambiantes da referida cor, com excepção de tal cambiante, numa transição gradual, em ordem descendente da mais escura para a mais clara; é evidente que notará uma lacuna onde falta essa cambiante e sentirá que existe nesse lugar maior distância entre as corescontíguas do que em qualquer outro. E agora pergunto se será possível essa pessoa, usando a sua imaginação, suprir essa deficiência para alcançar a ideia dessa cambiante que os seus sentidos jamais lhe transmitiram? Julgo que poucas pessoas serão de opinião que não é possível e isto pode servir de prova de que as ideias simples nem sempre derivam das impressões correspondentes; contudo, o caso é tão particular e tão singular que quase não vale a pena notá-lo e não merece que, só por causa dele, modifiquemos a nossa máxima geral».
«Mas, além desta excepção, talvez não seja descabido notar aqui que o princípio da prioridade das impressões sobre as ideias deve entender-se com outra limitação, a saber: que assim como as nossas ideias são imagens das nossas impressões, assim também podemos formar ideias secundárias que são imagens das ideias primárias, conforme resulta deste mesmo raciocínio a respeito delas. Falando com propriedade, isto não é tanto uma excepção à regra como a sua explicação. As ideias produzem as imagens de si mesmas em novas ideias; mas, como se supõe que as primeiras ideias derivam de impressões, continua ainda a ser verdade que todas as nossas ideias simples procedem, mediata ou imediatamente, das impressões que lhes correspondem.»
(David Hume, Tratado da natureza humana, pag 34-35, Fundação Calouste Gulbenkian; a letra negrita é por mim colocada).
Se considerarmos que as ideias de pai, juíz e imperador absoluto são ideias primárias, podemos supor que a ideia de Deus, um ser espiritual regente do universo, todo poderoso e apto a julgar os actos dos homens, é uma ideia secundária que se formou, na imaginação, pela combinação daquelas três ideias primárias.
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Quem irá elaborar o exame nacional de Filosofia no ensino secundário em Portugal em 2011-2012? É imperioso que não seja alguém da mesma linha ideológica de quem fez a prova de exame de 2007, prova que constituiu um verdadeiro amontoado de erros patente sobretudo nas perguntas de escolha múltipla, várias das quais continham várias respostas certas apesar de só uma ser oficialmente correcta. Os autores do exame não tinham categoria intelectual filosófica necessária, apesar dos supostos graus de mestrado ou doutoramento que, por hipótese, ostentassem. Lembro o artigo que publiquei neste blog em 17 de Julho de 2007 apontando as inconsistências desta prova de exame que desprestigiou a filosofia lectiva em Portugal.
É imperioso que o lobby antifilosófico dito da «filosofia analítica» do qual emanou o exame de 2007 - refiro-me ao grupo de Desidério Murcho, João Branquinho, Pedro Galvão, Aires Almeida, Luís Rodrigues, etc - que parece controlar, em certa medida, editoras como a Plátano Editora, a Lisboa Editora, a Gradiva, não seja encarregado de fazer as provas de exame deste ano. Este grupo que, durante anos classificou jocosamente o estudo da filosofia clássica de «história da filosofia», confundindo o conteúdo com o contexto, - Desidério proclamava que ler e interpretar a «Metafísica» de Aristóteles ou os «Pensamentos» de Marco Aurélio era fazer história da filosofia e não filosofar, e nunca fez autocrítica pública desta tese errónea e medíocre - tem mantido «sequestrado» na sua sofística «lógica» o pensamento de uma parte dos professores portugueses de filosofia do ensino secundário - os professores de mediana capacidade, que são a maioria.
Esperemos que o GAVE e o ministro Nuno Crato não cedam ao lobby que domina a Sociedade Portuguesa de Filosofia e que vai organizar o Congresso de Professores de Filosofia, em Setembro de 2011, com a presença do académico Simon Blackburn, pai de numerosas confusões teóricas. Há gente competente para elaborar o próximo exame de filosofia fora deste grupo antifilosófico.
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Lendo o «Tratado da Natureza humana», conclui-se que David Hume não acreditava no livre-arbítrio, no pleno sentido da expressão, isto é, na capacidade de escolher livremente em cada circunstância uma atitude ou caminho a empreender. Hume distinguiu dois tipos de liberdade:
«Poucas pessoas são capazes de distinguir entre a liberdade de espontaneidade, conforme se lhe chama nas escolas, e a liberdade de indiferença, entre a liberdade que se opõe à violência e a que significa negação da necessidade e das causas. O primeiro sentido da palavra é mesmo o mais corrente; e como é apenas esta espécie de liberdade que nos preocupamos em salvaguardar, os nossos pensamentos se têm dirigido sobretudo para ela e têm-na quase universalmente confundido com a outra.» (David Hume, Tratado da natureza humana, pag 474, Fundação Calouste Gulbenkian).
Provavelmente, Heidegger designaria a primeira destas liberdades por liberdade ôntica, de superfície, sensível, e a segunda - caso postulasse a sua existência - por liberdade ontológica, profunda, estutural. E prossegue Hume:
«Podemos imaginar que sentimos liberdade em nós, mas um espectador pode correntemente deduzir as nossas acções dos nossos motivos e do nosso carácter; e, mesmo que não possa, em geral conclui que poderia; se conhecesse perfeitamente todas as circunstâncias da nossa situação e do nosso temperamento e os recursos mais secretos da nossa compleição e disposição. Ora isto é a própria essência da necessidade, de acordo com a precedente doutrina.» (Hume, ibid, páginas 475-476; a letra negrita é por mim colocada).
Assim, Hume postula um determinismo bio-psico-sociológico em cada pessoa que anula o livre-arbítrio desta. Cada pessoa é regida pela necessidade, isto é, a lei infalível de causas e efeitos conjuntos que se manifesta nos diversos planos da vida (amadurecemos e envelhecemos necessariamente, sentimos fome necessariamente após algumas horas ou dias em jejum, oscilamos necessariamente entre a actividade e o repouso em cada dia; sentimos necessariamente atracção sexual por certo tipo de pessoas e aversão sexual por outro tipo, etc).
A massa popular e os parafilósofos crêem que somos livres. Os filósofos de profundidade, em regra, não.
David Hume é abordado praticamente em todos os manuais de filosofia do 11º ano do ensino secundário em Portugal - e poderia sê-lo nos manuais de 10º ano que tratam dos valores éticos e do problema do livre-arbítrio - mas nenhum deles, que me conste, foca este aspecto da doutrina de Hume que conjuga o indeterminismo ontológico - o carácter, o eu fixo não existe em cada pessoa, é construção da imaginação, tal como a causação ou lei necessária de causa-efeito não existe na natureza biofísica, é por nós imaginada - com o determinismo psico-activo ou ético-prático de cada indivíduo - ponderamos várias hipóteses mas somos subtilmente coagidos a seguir uma, aquela e nenhuma outra.
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In the diccionary «Metaphysics, the key concepts» da Routledge we read the following definition of pragmatism:
«Pragmatism is a variety of global anti-realism (see realism and anti-realism (global) and has its roots in the work of the American philosophers C.S.Pierce (1839-1914) William James (1842-1910, brother of the novelist Henry James) and John Dewey(1859-1952). (Actually many pragmatists would describe themselves as realists; however we are working with a definition of anti-realism according to which the anti-realist holds that reality is not mind-independence, and pragmatist subscribe, implicitly at least, to that thesis). (Helen Beebee, Nikk Effingham, Philip Goff, Metaphysics, the key concepts, Routledge, pages 172-173).
That is an error. Pragmatism is characterized as the philosophy of action, of searching what is useful and tangible and, so, is compatible at the same time with realism and anti-realism (material idealism, phenomenology...). There is no opposition but inclusion and complementarity between pragmatism, belonging to the genus ergological ( ergon means work in ancien greek language) and realism, belonging to the genus ontological, i.e, consistency/nature of being. There is a realistic pragmatism and an idealist pragmatism. In the definition of Routledge book we are analyzing, there is an absence of a dialectical thought.
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Na sua divergência com Hegel, cuja dialéctica faz de todas as coisas entes transitórios votados à desaparição, escreveu o filósofo dinamarquês Sören Kierkegaard:
«Não era necessário que Hegel tivesse vindo para nos dizer que o imediato tem de ser abolido, nem tampouco representa um mérito imortal para aquele tê-lo dito, já que nem sequer no sentido do pensamento lógico isso é exacto, posto que o imediato nunca existiu, não tem por que ser abolido.(..)»
«Em uma palavra, é imoral afirmar que a inocência tem de ser abolida. Ainda que fosse certo que também ela ficava anulada no mesmo momento de a nomear, sem embargo, a Ética sempre nos proibiria que esquecessemos que a inocência não pode ser anulada mais que por uma culpa.» (..)
«Todo o homem, na realidade, perde a inocência do mesmo modo que a perdeu Adão, isto é, mediante uma culpa.»
(Sören Kierkegaard, El concepto de angustia, Alianza Editorial, paginas 77-78; o negrito é por mim colocado).
É interesante notar que, neste texto, Kierkegarrd nega o imediato, o instante aqui e agora. Kierkegaard fustiga a lógica dialéctica e transfere para o terreno ético a sucessão das atitudes e posicionamentos humanos.
Sobre o instante escreveu:
«O instante vem a designar o presente como algo que não tem nenhum passado nem futuro; e nisto radica cabalmente a imperfeição da vida sensível. O etermo também vem a designar o presente que não tem nenhum passado nem futuro, mas esta é a perfeição da eternidade.»
«Se , em definitivo, se pretende empregar o instante para designar o tempo, fazendo que o primeiro signifique a eliminação puramente abstracta do pasado e do futuro e que asim seja o presente, então temos de afirmar taxativamente que o instante não é de modo nenhum o presente, pela simples razão que semelhante intermediário entre o passado e o futuro, concebidos de um modo meramente abstracto, não existe em absoluto.»
«O instante, assim entendido, não é um átomo do tempo, mas um átomo da eternidade. É o primeiro reflexo da eternidade no tempo. Poder-se-ia dizer que é como que o primeiro intento da etrernidade para travar o tempo.» (Sören Kierkegaard, El concepto de angustia, paginas 160 e 162; o negrito ).
Eis uma concepção dialéctica do instante: sendo aquilo que passa, um devir, o instante possui em si o que não pasa, o ser estático e eterno. Em cada Yang (movimento, expansão) há um pouco de Yin ( repouso, contracção).
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No seu «Tratado da Natureza Humana», David Hume revela a sua agudeza dialéctica ao escrever:
«As ideias de espaço e de tempo não são portanto ideias separadas ou distintas; são unicamente as ideias da maneira ou ordem na qual os objectos existem; ou, por outras palavras, é impossível conceber um vácuo ou uma extensão sem matéria, ou um tempo em que não haja sucessão ou mudança em qualquer existência real. »(David Hume, Tratado da Natureza Humana, pag 72, Fundação Calouste Gulbenkian; a letra negrito é colocada por mim).
Isto distingue-se da concepção abstracionista de Kant que concebe um espaço a priori sem nada de objectos empíricos e um tempo a priori sem existências reais e objectos. A lei do uno, pedra angular da dialéctica, postula que tudo se relaciona e não é possivel separar hermeticamente as dimensões da realidade, e os seus objectos, umas das outras. No espaço há sempre a componente tempo e no tempo há sempre a componente espacial.
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No seu «Tratado da Natureza Humana», obra tão importante quanto a «Crítica da Razão pura» de Kant, David Hume escreveu:
«Há sete espécies diferentes de relação filosófica: semelhança, identidade, relações de tempo e lugar, proporção de quantidade ou número, graus de qualidade, contrariedade e causação. Podem dividir-se estas relações em duas classes: as que dependem inteiramente das ideias que comparamos entre si e as que podem variar sem qualquer mudança de ideias. É da ideia de triângulo que deduzimos a relação de igualdade que existe entre os seus três ângulos e dois rectos; e esta relação é invariável enquanto a nossa ideia permanecer a mesma. As relações de contiguidade e distância entre dois objectos pelo contrário podem variar apenas por uma alteração de lugar, sem qualquer mudança nos objectos ou nas ideias; e o lugar depende de inúmeras circunstâncias diversas, as quais a mente não pode prever. O mesmo se pasa com a identidade e a causação.» (David Hume, Tratado da Natureza Humana, pag 103, Fundação Calouste Gulbenkian; a letra negrito é colocada por mim).
As sete relações filosóficas são sete formas, uma delas a priori - parece-me que a proporção de quantidade ou número é a priori - e as outras seis a posteriori do entendimento e da faculdade perceptiva humana que correspondem, de certo modo, às doze categorias formuladas posteriormente por Kant. Hume escreveu:
«Já observei que a geometria ou a arte pela qual determinamos as proporções das figuras, embora ultrapasse muito, tanto em universalidade como em exactidão, os juízos imprecisos dos sentidos e da imaginação, nunca atinge contudo perfeita precisão e exactidão. Os seus primeiros princípios são ainda deduzidos da aparência geral dos objectos (...)
«Restam, portanto, a álgebra e a aritmética como as únicas ciências nas quais podemos levar uma cadeia de raciocínios até um certo grau de complicação, conservando contudo uma perfeita exactidão e certeza. Estamos de posse de um critério preciso que nos permite ajuizar da igualdade e proporção dos números; e, conforme estes correspondem ou não ao critério, determinamos-lhe as relações sem qualquer possibilidade de erro.»
(David Hume, Tratado da Natureza Humana, pag 105, Fundação Calouste Gulbenkian; a letra negrito é colocada por mim).
Kant leu Hume e inspirou-se nas suas «relações filosóficas», em particular na causação e nas relações de tempo e lugar. A revolução coperniciana no conhecimento - a inversão de papéis entre o sujeito e o objecto - de que Kant se proclama autor foi realizada, na Idade Moderna, não por ele mas por George Berkeley e prosseguida por David Hume.
Note-se que Hume considerou que aquelas sete relações - em particular as de identidade, relações de tempo e lugar e causação ou causa-efeito - não podem por si sós produzir conhecimentos uma vez que necessitam de dados empíricos e quase todas nascem da comparação destes, isto é, nascem do concurso dos sentidos e da imaginação. Quase todas são pois relações filosóficas ou "categorias" a posteriori, ao contrário das doze categorias de Kant que são estruturas a priori do entendimento, capazes de formular conceitos como o de "uno" e os de números três, quatro, cinco, sem haver experiência.
E Hume não incluiu nestas sete relações, entre outras, a categoria de substância/acidente que Kant viria a postular porque não gradua ontologicamente as qualidades dos objectos como Kant o fez. Segundo Kant, a essência de um vinho é o sumo fermentado da uva e o sabor ou a cor são acidentes, qualidades subjectivas que não existem no fenómeno vinho mas no nosso modo de o perceber, mas Hume não via razões para tal distinção, uma vez que a cor e o sabor do vinho são propriedades tão essenciais quanto a textura líquida e a taxa de alcóol.
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