A expressão absolutismo de valores pode receber dois veios distintos no mármore da reflexão: absolutismo essencial de valores e absolutismo existencial de valores.
No sentido existencial, o valor absoluto existe por si mesmo, no espírito humano ou fora deste, mas pode mudar na sua configuração ou essência: o que é absoluta é a sua posição, a sua existência contínua e universal. Assim, o valor «mãe» e o valor «filho» são absolutos na medida em que se fazem sentir em todas as épocas e pessoas, mas variam - são relativos - no seu conteúdo eidético. Apesar de o valor «filho», ser sagrado para a maioria das pessoas - pais e mães - e o valor «mãe» idem, há comunidades e pessoas que não dão importância nenhuma ou quase nenhuma aos seus filhos e às suas mães, abandonando-os ou até oprimindo-os sistematicamente. Pode então dizer-se que se "mãe" e "filho" são valores absolutos, na ordem do tempo, da existência, são valores relativos, na ordem da essência, porque cada um deles comporta uma versão de apreço e outra de desprezo.
No sentido essencial, valor absoluto pode significar valor eterno, imutável, sem que, no entanto, seja adoptado em todas as regiões do mundo e em todas as épocas. Isto traduz absolutismo de essências e relativismo de existência. Por exemplo, o comunismo, como doutrina da abolição da propriedade privada dos meios de produção e troca, é um valor absoluto como essência mas relativo como existência, porque só em certas épocas históricas se impõe nalgum lugar do planeta.
Por conseguinte, o facto de os valores variarem ao longo das épocas - o valor "escravatura" deu lugar ao valor "servidão feudal" e este deu lugar ao valor "liberdade individual impulsionadora do capitalismo" - não significa que não sejam absolutos essencialmente. São, sim, relativos, existencial e historicamente, a pessoas, classes sociais, sociedades.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
A metafísica ( à letra, em grego: além - meta - da natureza - phisis ou região do movimento, do nascimento, crescimento, diminuição e morte dos entes) não é exactamente o mesmo que ontologia (estudo ou raciocínio - logos - de o que é - to ón). Uma cabe dentro da outra.
No sentido de Aristóteles, o que é ou ente é imóvel mas não designa unicamente Deus, o pensamento que se pensa a si mesmo, imóvel, e alheio ao mundo. Designa igualmente as formas imóveis e eternas - exemplo: a balança, a árvore, o corpo da mulher, o triângulo, etc - que preexistem, de certo modo, aos objectos físicos. As formas são imóveis e a hylé ou matéria-prima é o princípio do movimento, o movimento provém, por conseguinte, da matéria.
Se alargar a noção de ente e nela incluir cada objecto físico da natureza, como aliás faço, opero a seguinte classificação:
A) A ontologia, teoria do ser, do que é, divide-se em três áreas essenciais: metafísica, matemática e física.
B) Por sua vez, a metafísica subdivide-se em duas áreas: teologia ou metafísica teológica e eidologia protológica ou teoria das essências principiais, excluindo divindades.
Aristóteles não formula esta última distinção. Onde insere o que eu chamo de eidologia protológica? Na teologia? Não me parece possível, porque Deus não criou as formas da Natureza eterna. Na física? Será mais lógico mas há que não esquecer que as formas eternas e imóveis são anteriores à física, embora a fundamentem, juntamente com a hylé.
Há pois uma deficiência na classificação tripartida de Aristóteles : teologia, física e matemática. A filosofia como eidologia, como metafísica não teológica mas eidológica, é o degrau da escada que falta.
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O ser não tem forma. Só o ente - o que é - tem forma. Esta flutua no oceano ilimitado do ser. A forma possui a qualidade de ser. A forma é. Em Parménides, confunde-se o ser com a essência esfera, una, homogénea, contínua. Em Platão, formas eternas variadas - a Esfera, o Belo, o Bem, o Justo - e ser confundem-se. Parménides foi o primeiro existencialista: fez coincidir a existência com a essência ou forma. Em Aristóteles, o ser não coincide com as formas, engloba estas mas é mais extenso do que elas, inclui a matéria actualizada, a matéria organizada, tocada pela "varinha mágica" da forma. Aristóteles distingue com suficiente precisão o ser do ente ligando este ao uno.
Em Heidegger, o ser possui uma forma ou estrutura geral de tal modo que o ek-sistencialismo heideggeriano não é mais do que um essencialismo- o ser é, para Heidegger, o Ente universal que atravessa todos os entes. O existencialismo contemporâneo, em especial Sartre, destaca a dissolução momentânea da forma ou essência psíquica de cada um no existir sem forma, de tal modo que a essência se renova e altera a cada instante, como cabeça humana emergindo do rio caudaloso da existência.
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Aristóteles manteve na "Metafísica", a diferença entre "ser" (einai, em grego) e "o que é/ ente" (tó ón, em grego) e estabeleceu como primeira a analogia do ente com o uno (tó hen):
«Pois, ainda que não sejam o mesmo, são distintos, ambos os termos são intercambiáveis: com efeito, o uno (to hén) é, à sua maneira, algo que é, e "o que é" (to ón) é algo uno (tó hén).» (Aristóteles, Metafísica, Livro XI, 1061 b, 15-20).
O que é, é algo que é - um sujeito indefinido: algo - e por conseguinte tem de ser uno, tem de ter um contorno exterior dentro do qual está. Ora o ser (einai) não é, necessariamente, uno: é ser, existir, indeterminado no que toca à forma. Aristóteles conceptualizou bem ao não estabelecer a analogia ser-uno mas sim ente/ o que é- uno. Subtileza...
No meu ponto de vista, diferente do pensamento aristotélico e parmenídeo,o ser não é exclusivamente uno nem exclusivamente múltiplo, em si mesmo. Uno e múltiplo são formas do ser cujo conteúdo primordial é o uno infinito sem forma: pura "matéria" ou "argamassa" espiritual, material ou vital que recebe as formas ou que envolve e preenche as concavidades destas.
Heidegger sublinhou a diferença entre o ser e o ente, acusando a filosofia tradicional de ter esquecido o ser a favor do ente e de pensar o tempo como um ente. Mas o próprio Heidegger não é, em regra, suficientemente claro a distinguir duas acepções da palavra "ser" que nos seus textos permanece indistinta:
A) O ser como existir, puro e simples. Matéria sem forma. "O ser é". Não me consta que alguma vez Heidegger tenha definido o "ser" como "matéria sem forma", tal como o faço.
B) O ser como estrutura de entes, interconexão de essências diversas. Neste caso é uma rede de formas, assentes sobre "matéria" física, vital ou espiritual.
Heidegger não é mais preciso que Aristóteles ao explanar os sentidos do termo "ser": simplesmente, envereda por caminhos platónicos e kantianos que, depois, reformula.
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Aristóteles sustentou, na "Metafísica", que o universal não é essência, isto é forma, nem substância primeira, isto é, objecto individualizado, mas sim qualidade.
«Se não é possível que nenhuma substância seja constituída por universais, já que estes significam algo "de tal qualidade", mas não uma realidade determinada, e se nenhuma substância pode ser tampouco um composto de substâncias efectivamente actualizadas, toda a substância carecerá de composição e, portanto, não haverá definição de substância nenhuma.» (Aristóteles, Metafísica, Livro VII, 1039 a).
Mas o que é o universal ? Há um universal indeterminado - o ser, o uno - e um universal semi indeterminado - o género, como por exemplo, género animal, género vegetal e género mineral. Cada género alberga diversas formas-espécies, mas qual é a forma do género? Não tem forma, na concepção aristotélica. Qual é a forma de animal? Animal tem formas muito distintas entre si.
«Assim, chama-se substância àquilo que não se diz de um sujeito, enquanto que o universal se diz sempre de um sujeito. Acaso será que não pode ser substância como o é a essência, mas, sem embargo, está contido nela, como por exemplo, "animal" está contido em homem e em cavalo? É claro, certamente, que dele haverá definição.» (Aristóteles, Metafísica, Livro VII, 1038 b; o destaque a negrito é posto por mim).
Neste texto acima, Aristóteles exemplifica o género com o conceito de animal e a espécie ou essência com a forma de cavalo.
Assim o universal, genérico ou transgenérico, é um predicado, uma qualidade, mas não uma substância pois esta implica uma forma determinada.
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O livro " A Ética da crença" - título algo paradoxal porque existe crença sem ética, o processo gnosiológico é independente da valoração moral - dá-nos a conhecer textos de W.K. Clifford, William James e Alvin Plantinga e, sobretudo, o pensamento do tradutor, Desidério Murcho.
No longo prefácio de Murcho, que absorve práticamente metade das cerca de 200 páginas do livro, subsistem diversos equívocos que passo a expor.
A PÍSTIS NÃO É A FÉ METAFÍSICA MAS A CRENÇA NOS OBJECTOS FÍSICOS
Escreveu Murcho:
«O termo crença é usado em filosofia no sentido em que muitos filósofos gregos usavam o termo dóxa. Já o termo fé é usado em filosofia no sentido do termo grego pístis e do termo latino fides. »
«Podemos distinguir três tipos de conhecimento ou saber (as duas palavras são usadas como aproximadamente simbólicas):
1) Conhecimento proposicional ou de verdades (saber que);
2) Conhecimento por contacto; e
3) Saber-fazer.»
( Desidério Murcho in prefácio de A Ética da Crença, Bizâncio, pag 29)
Ora, há, nestas linhas acima, um engano de Desidério Murcho, que presumivelmente não conhece a fundo a teoria de Platão e o vocabulário grego: a pístis não é exterior à doxa (opinião do senso comum), mas constitui a parte essencial desta, e consiste na crença espontânea nos objectos físicos. Exemplo: vejo um barco no mar azul diante de mim e creio (pístis) que ele se encontra ali sobre as ondas. Pístis não corresponde a fides. Não designa a fé metafísica em entidades e reinos invisíveis, teológicos e angeleológicos, mas sim o oposto: a crença nos objectos visíveis e palpáveis, resultante da percepção destes. É esta pístis que Platão designa como a crença verdadeira, contrapondo-a à ciência. Exemplo: "A erva é verde (pístis) aparentemente, mas, de facto, a cor verde é um intermédio que não está na erva mas resulta da interacção entre esta e os meus olhos (dianóia, raciocínio da ciência).
Os três tipos de conhecimento postulados por Desidério Murcho acima são os que Gilbert Ryle (1900-1976), filósofo britânico, um dos expoentes da filosofia analítica, consagrou no seu livro "The concept of Mind" (1949). Note-se a imperfeição da classificação: ao designar o conhecimento proposicional - ou intelectual discursivo - como "conhecimento de verdades" exclui implicitamente que o conhecimento por contacto, isto é, empírico, sensorial, apreenda verdades...Isto é, obviamente, uma posição anti empirista, anti intuicionista..
INCAPACIDADE DE DEFINIR CLARAMENTE "CONHECIMENTO FACTIVO"
Sobre o conhecimento, que designa por factivo, sem o definir conceptualmente com clareza, Desidério Murcho tece uma cúpula de argumentos:
«O conhecimento é factivo, o que provoca por vezes confusões desnecessárias. Quando se diz que no tempo de Ptolomeu se sabia que a Terra estava imóvel e agora se sabe que a terra não está imóvel, vive-se em plena confusão conceptual. Se a Terra está imóvel, nós hoje não podemos realmente saber que se move - apenas podemos considerar erradamente que sabemos isso. E se a Terra sempre se moveu, ninguém pôde algum dia saber se esteve imóvel - apesar de muitas pessoas poderem ter tido essa falsa crença.
«O conceito de factividade não é exclusivamente filosófico: é também linguístico, dizendo respeito ao tipo de pressuposições associadas a certos termos e às suas regras de funcionamento. As definições rigorosas de factividade, infactividade e contrafactividade são as seguintes, sendo X uma pessoa qualquer, V um verbo e p uma afirmação ou proposição:
«Um verbo V é factivo se, e só se, x V que p» implica p»
«Um verbo V é infactivo (ou não factivo) se, e só se, x V que p» não implica p».
«Um verbo V é contrafactivo se, e só se, x V que p» implica a negação de p».
«Por exemplo, o verbo ver é factivo porque se o Asdrúbal vê que está a chover, então está a chover. Claro que o Asdrúbal pode acreditar erradamente que está a ver chover quando na realidade está a sonhar ou a ter uma alucinação ou a confundir a água da rega com a chuva (...) »
«Ao contrário do conhecimento, a crença não é factiva - mas também não é contrafactiva pois tanto podemos ter crenças verdadeiras como falsas. Não são só os verbos que são factivos: advérbios, adjectivos e quaisquer modificadores ou operadores podem ou não ser factivos. »( Desidério Murcho in prefácio de "A Ética da Crença, Bizâncio, pags 31-32; o negrito é posto por mim).
Note-se que Desidério Murcho (DM) não consegue definir de forma absolutamente clara o que entende por factividade. Principia por dar um exemplo, isto é, rodear o conceito, para ele envolto numa capa de nebulosidade, sem o clarificar. Está longe da capacidade de definição precisa de um Aristóteles - por exemplo, a "Metafísica" de Aristóteles, pela sua profusão de conceitos, raciocínios e definições, sem embargo de alguns equívocos, supera de longe tudo quanto Murcho e os seus mentores Simon Blackburn, Thomas Nagel escreveram, 24 séculos depois, até hoje. A definição de factividade dada por Murcho é feita mediante a fórmula «Um verbo V é factivo se, e só se, x V que p» implica p», mas essa fórmula falha, como não podia deixar de ser para quem como Murcho raciocina segundo uma lógica proposicional binária que "reduz as cores ao preto e ao branco".
Suponhamos que, no lugar de V, na fórmula, colocamos o verbo suspeitar. A frase poderia tomar a seguinte forma: «Joana (x) suspeita (V) que o átomo existe (p) e isso implica que o átomo existe (p)» O verbo suspeitar é factivo? Designa ou aponta, necessariamente, para algum facto real? Por amor de Deus, Desidério! Tenha rigor no que escreve! Veja bem os sofismas que engendra ao produzir vagas definições como bolas de sabão que rebentam ao ser confrontadas com o ar da realidade! O verbo, salvo «ser» ou «existir», em certos casos, não é factivo nem contrafactivo. A factividade só pode ser avaliada pelo conjunto da proposição ou frase, isto é, comportando o verbo, o nome predicativo do sujeito, os complementos directo ou indirecto, circunstanciais de lugar, tempo, modo, etc. Aliás, a factividade é garantida, em última análise, pela intuição, inteligível ou sensível, que está além das proposições. No entanto, para DM a proposição é o limite, a última zona da realidade, além da qual não há mais nada. Circunscrevendo a realidade ao seu cosmos lógico, como é próprio de alguma filosofia da linguagem, apaga a distinção entre a proposição e o mundo dos objectos em si, o referente. "Não há nada" para lá da linguagem estruturada...Só o caos inapreensível.
O CONHECIMENTO SENSORIAL, POR CONTACTO, É FACTIVO?
Murcho sustenta que a concepção geocêntrica do mundo mantida por Ptolomeu não era conhecimento, isto é, saber factivo, mas sim crença, ao passo que a concepção heliocêntrica de Copérnico e Galileu com os acréscimos da astronomia actual, é conhecimento, é factiva. Muito bem. Mas que critério seguro nos oferece para distinguir o conhecimento, factivo, absoluto, da simples crença, se assegura que «tanto o conhecimento proposicional, intelectual, como o conhecimento por contacto, sensorial» são factivos?
De facto escreveu:
«Dado que tanto o conhecimento proposicional como o conhecimento por contacto são factivos, o mesmo argumento aplica-se para refutar a ideia de que a fé poderia ser conhecimento por contacto: aceitar que a fé é conhecimento por contacto implica a tese implausível de que a maior parte da humanidade ao longo da maior parte da história não teve realmente fé, apesar de parecer que a tinha.» (Desidério Murcho, ibid, pág 49).
Ptolomeu construiu o seu sistema geocêntrico com a ajuda do conhecimento por contacto, sensorial: ele via o sol mover-se no céu e este rodar e inferiu que a Terra estava imóvel no centro do universo e o sol viajava. Se o conhecimento por contacto é factivo, como sustenta DM, então Ptolomeu via o sol mover-se no céu ao longo do Zodíaco e isso é factivo, portanto o sol move-se e a Terra é imóvel. Logo o geocentrismo é conhecimento, não crença. Para não resvalar no abismo da inconsistência, DM deveria dizer que algum conhecimento por contacto é factivo e outro não.
EQUÍVOCOS SOBRE FRASE E PROPOSIÇÃO
Sobre proposição e frase, Desidério expõe a posição de Stephen Downes e de outros, que consideram a proposição como um juízo, diferente das frase (interrogativa, imperativa, etc). Mas uma certa viscosidade de confusão atravessa o raciocínio de DM:
«Por proposição entende-se geralmente o que é expresso por uma frase verdadeira ou falsa. A frase "Está calor" exprime a proposição se for proferida noutro dia ou noutro local. Portanto, a mesma frase pode exprimir diferentes proposições.» (Desidério Murcho, ibid, pag 33).
Há falta de clareza nisto. Quais são as diferentes proposições que a frase "está calor" exprime? "Está calor em Ouro Preto"? "Está calor em Veneza"? "Está calor nesta sala?"
E prossegue:
«As frases são inequivocamente entidades espácio-temporais- um certo conjunto de sons articulados num dado intervalo de tempo. Isto porque as proposições não são inequivocamente entidades espácio-temporais. Isto porque as proposições não se confudem com os pensamentos, no sentido psicológico do termo, enquanto ocorrências físicas no cérebro. Quanto penso que está a chover e outra pessoa pensa o mesmo, o meu pensamento, enquanto ocorrência física no meu cérebro, é diferente do pensamento dela enquanto ocorrência no seu cérebro; mas ambos estamos a pensar, num certo sentido, o mesmo pensamento - ou seja estamos a pensar na mesma proposição. A existência de proposições não é pacífica: alguns filósofos consideram que não existem tais coisas sendo forçados então a explicar o que há de comum entre várias frases ou pensamentos que exprimem o mesmo (a via mais óbvia é insistir que tudo o que há de comum nas várias frases e pensamentos que dizem que a neve é branca é representarem a neve como branca.» (Desidério Murcho, ibid, pags 33-34; a letra negrita é de minha responsabilidade).
Ao admitir que as frases são pensamentos e as proposições o pensamento último, o referente da frase, Desidério Murcho escorrega no gelo da ambiguidade: é diferente de dizer que as frases são o significante, o continente de sons e letras, e a proposição, o significado, o conteúdo. Pela lógica de DM, as frases seriam "o pensamento (espácio-temporal?) do pensamento-proposição ( não espácio-temporal)"... É o pensamento duplicado e a confusão sinais linguísticos- representação intelectual-referente ... três em um. Em última análise, o que aqui se vislumbra é uma ontologia linguística como a de Dummet.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
É habitual dizer-se que «a ciência é mais objectiva do que a filosofia». Esta frase não é exacta: a filosofia profunda é mais objectiva do que a ciência, ao menos num certo sentido.
A palavra "objectividade" tem quatro sentidos:
1) Racionalidade e rigor de definições e raciocínios. Neste campo, a grande filosofia bate claramente as ciências em geral, se exceptuarmos ciências altamente filosóficas como a teoria da relatividade de Einstein. A filosofia anti vacinação é muito mais objectiva do que a estreita ciência da vacinação que se agarra ao rochedo do seu dogma: «introduzir vírus atenuados ou mortos no organismo estimula beneficamente as defesas deste». A filosofia limita-se a abrir o outro lado da questão: «Certamente, os vírus das vacinas suscitam a produção de anticorpos. Mas também uma queimadura ou um golpe causador de ferimento o faz. O aparecimento de anricorpos não é, por si mesmo, um bom sinal para o organismo. Quem garante que os vírus atenuados não causam doenças degenerativas?»
2) Empiricidade, isto é, estar sustentada pelos factos empíricos.
3) Intersubjectividade quase universal, isto é, depósito de ideias e crenças comum a quase toda a humanidade.
4) Realidade exterior aos espíritos humanos, coisa em si cognoscível e indiscutível.
Se é verdade que as ciências são, de um modo geral, mais empíricas do que a filosofia - e nesse sentido «mais objectivas» - também é verdade que a filosofia trabalha sobre uma base empírica e não meramente sobre uma base a priori, como sustentam alguns.
A filosofia é multiobjectiva - ela permite ver ao mesmo tempo, em vários planos, os contornos e a natureza das coisas - ao passo que a ciência é, em regra, apenas objectiva. A multiobjectividade não deve confundir-se com subjectividade: é distinta desta, embora desencadeie esta ou brote desta. Exemplo da multiobjectividade filosófica e científica: «Os seres são unos e múltiplos; a luz possui uma dupla dimensão, corpuscular e ondulatória».
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São Tomás de Aquino escreveu:
«Mas, como se disse, a determinação da espécie, em relação ao género, realiza-se por meio da forma,enquanto que a determinação do individual, em relação à espécie, por meio da matéria.» (Tomás de Aquino, O Ente e a Essência, Contraponto, pag. 80-81; o negrito é meu).
Esta tese aristotélica é ilógica. A individuação é aqui confundida com materialização. Sendo, por definição, a matéria prima destituída de forma, toda ela geraria a mesma coisa se unida com uma dada forma ou essência. Seria uma materialização sem verdadeira individuação. Esta seria meramente numérica mas não quiditativa. Por exemplo, a forma específica homem unida à matéria prima (hylé) geraria uma série de homens absolutamente iguais entre si. O que permite distinguir um homem do outro, isto é, revelar o quid de cada um? É a matéria prima, pura? Não. É uma matéria impregnada de uma dada forma aqui e outra ali.
É, pois, pela forma imanente à matéria que os diversos indivíduos se distinguem entre si.
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Se o ser é mais extenso e transcendental, isto é, mais universal, que qualquer género, então é uma matéria, a matéria indeterminada que se divide em sensível e inteligível. Logo o ser puro - ou existência pura, destituída de forma - é uma matéria especial, a proto matéria, ontologicamente anterior à matéria prima sensível de Aristóteles (hylé).
Toda a determinação ou talidade é a impressão, cunhagem ou instalação de uma forma na massa infinita e absolutamente indeterminada que é o ser. Este não é somente um predicado universal de todas as coisas - exemplo: "A Torre de Pisa é (ser)", " Os oceanos são (ser; existem)" - é também o sujeito (hypokeimenon) mais universal de todos. A existência é, portanto, uma matéria - mesmo a existência do pensamento ou de um Nous (espírito universal) independente de toda a matéria física.
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